Em três pareceres enviados ao STF, Rodrigo Janot sustenta que diversos pontos do novo código violam o dever geral de proteção do ambiente e a exigência constitucional de reparação de danos ambientais
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) três pareceres em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4901, 4902 e 4903) que questionam artigos do chamado novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Os três casos contrapõem o direito à propriedade ao ambiente equilibrado, e o primeiro, segundo o PGR, não pode ser visto como absoluto. Para o procurador-geral, pela relevância, complexidade e alcance socioeconômico do assunto, audiências públicas sobre o assunto devem ser realizadas. O relator das ações, de autoria do Ministério Público Federal, é o ministro Luiz Fux.
ADI 4901 – A ação ataca dispositivos da Lei 12.651/2012 em desacordo com a Constituição, pois preveem redução indevida de áreas de reserva legal. De acordo com Rodrigo Janot, há inconstitucionalidade, na lei, da dispensa de reserva legal em empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto, em áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou em que sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica, e em áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantar e ampliar rodovias e ferrovias (artigo 12, parágrafos 6.º a 8.º da lei).
O parecer também considera inconstitucional a redução da reserva legal por existência de terras indígenas e unidades de conservação no território municipal (art. 12, parágrafos 4.º e 5.º); a possibilidade de incluir, na reserva legal, coberturas vegetais que já constituem áreas de preservação permanente (art. 15); e a autorização de plantio de espécies exóticas para recompor reserva legal (art. 66, parágrafo 3.º). O procurador-geral também considerou inconstitucionais a possibilidade de compensação da reserva legal sem identidade ecológica e por arrendamento ou doação de área em unidade de conservação ao poder público (artigos 48, parágrafo 2.º, e 66, parágrafos 5.º e 6.º) e a consolidação das áreas desmatadas antes das modificações dos percentuais de reserva legal, principalmente as ocorridas a partir de 1996, por intermédio de medidas provisórias (artigos 12 e 68).
ADI 4902 – Na segunda ação, o procurador-geral da República aponta inconstitucionalidade, na Lei 12.651/2012: da autorização para novos desmatamentos a proprietários e possuidores de terras nas quais tenha havido supressão não autorizada de vegetação antes de 22 de julho de 2008, independentemente de reparação do dano (artigo 7.º, parágrafo 3.º); da determinação de suspensão de atividades em área de reserva legal apenas para desmatamentos irregulares posteriores a 22 de julho de 2008 (artigo 17, parágrafo 3.º); e da proibição de punição da supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente (APPs) e em áreas de reserva legal e de uso restrito anteriores a 22 de julho de 2008 pela simples adesão do infrator a Programa de Regularização Ambiental (PRA) e pela conversão de multas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do ambiente (artigo 59, parágrafos 4.º e 5.º).
Segundo Janot, são inconstitucionais ainda a suspensão de punibilidade de crimes ambientais por mera assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante órgão ambiental (art. 60); a consolidação de danos ambientais ocasionados a APPs decorrentes de infrações à legislação ambiental até 22 de julho de 2008 (arts. 61-A a 61-C e 63); a autorização de constituição de reserva legal inferior aos parâmetros legais em áreas de até quatro módulos fiscais (art. 67); e a permissão de crédito rural a proprietários de imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) durante cinco anos após a publicação da lei (art. 78-A).
Na prática, ilícitos ambientais praticados antes de 22 de julho de 2008 não sofreriam sanções e seus autores, segundo Rodrigo Janot, seriam beneficiados. Ainda de acordo com o PGR, a distinção de tratamento fere o princípio da isonomia. “O impedimento de obter novas autorizações para supressão de vegetação em área de preservação ambiental deve atingir, sem exceção, todos aqueles que hajam cometido dano ambiental e não os repararam”, sustenta o PGR.
ADI 4903 – Nesta ação direta, o parecer aponta inconstitucionalidade, na lei, da permissão ampla de intervenções em APPs por utilidade pública e interesse social (artigo 3.º); da permissão de atividades de aquicultura em APP (artigo 4.º, parágrafo 6.º); da intervenção em mangues e restingas para implantação de projetos habitacionais (artigo 8.º, parágrafo 2.º); do uso agrícola de várzeas fora de comunidades tradicionais (artigo 4.º, parágrafo 5.º); e do retrocesso ambiental na proteção de nascentes e olhos d’água (arts. 3.º e 4.º).
Por fim, Janot considera inconstitucionais o retrocesso ambiental na disciplina de APPs no entorno de reservatórios artificiais (art. 4.º); o retrocesso ambiental no tratamento legal de APPs no entorno de reservatórios artificiais para abastecimento e geração de energia elétrica (arts. 5.º e 62); o retrocesso ambiental na proteção de áreas com inclinação (art. 11); o retrocesso ambiental na proteção das APPs ao longo de cursos d’água (art. 3.º); e a equiparação entre agricultura familiar e áreas rurais familiares e propriedades com até quatro módulos fiscais (art. 3.º, parágrafo único).
A ação entende que a nova lei, no art. 3.º, permitiu ampliação das possibilidades de intervenção em APPs, as quais eram excepcionalmente admitidas em casos de utilidade pública e interesse social. Para o PGR, não há justificativa razoável para permitir degradação de áreas de preservação permanente para atividades recreativas, pois é sempre possível encontrar alternativas mais adequadas. Também é desarrazoada a intervenção em APP para a gestão de resíduos, ou seja, para a instalação de aterros sanitários.
Em todas as ações, o procurador-geral da República considerou que os artigos em discussão causariam forte retrocesso no tratamento do ambiente por parte da lei e que haveria ofensa a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como os previstos na Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada no país pelo Decreto 2.519, de 16 de março de 1998.
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