Mudança na Saúde gera protestos no país. Ex-diretor de manicômio denunciado ganha cargo

Por William Helal Filho, em O Globo

RIO – Pacientes esquálidos, medicações inadequadas e internações indevidas. Descritas no relatório de uma auditoria realizada em 2000, as denúncias contra a Casa de Saúde Doutor Eiras, então o maior manicômio particular do país, em Paracambi, na Baixada Fluminense, motivaram o governo federal a pedir, na época, uma investigação do Ministério Público. A medida levou a um processo de intervenção que terminou com o fechamento do local, em 2012. Mas a situação exposta há 15 anos foi relembrada, ontem, durante protestos de profissionais da área contra a nomeação do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para o cargo de coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde. O médico dirigiu o hospital em Paracambi na década de 1990.

Duarte Filho assume o lugar de Roberto Tykanori. No cargo desde 2011, Tykanori tem o apoio do movimento que prega o fim dos manicômios no país. A troca foi anunciada numa reunião com representantes de entidades pelo ministro da Saúde, deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), que assumiu a pasta há dois meses, indicado pela ala pró-governo do partido. Desde o encontro, militantes a favor do tratamento humanizado para doentes mentais vêm se mobilizando. Eles criaram páginas de protesto no Facebook, divulgaram manifestos de repúdio e um abaixo-assinado para tentar barrar a nomeação, publicada ontem no Diário Oficial da União.

Também ontem, manifestações aconteceram em diferentes cidades, como Recife, Brasília e São Paulo. No Rio, centenas de profissionais e pacientes do sistema público saíram em passeata pelo Centro com cartazes e palavras de ordem. Eles temem um retrocesso na chamada reforma psiquiátrica, que acontece, principalmente, desde 2001, quando foi publicada a Lei 10.216, garantindo uma série de direitos a pacientes psiquiátricos. Mas Duarte Filho, funcionário do Ministério da Saúde há 33 anos e até recentemente atuando no Centro Psiquiátrico do Rio, na Praça da Harmonia, garante que não é contra a reforma.

— A lei de 2001 é baseada na Declaração de Direitos Humanos da ONU. Quem pode ser contra isso? A reforma fez um bem enorme à maioria das pessoas. Só precisa ser aprimorada. Os pacientes e seus parentes querem assistência adequada. Precisamos melhorar a qualificação dos profissionais — afirma o psiquiatra, que defende a sua gestão no hospital em Paracambi. — Fui chamado em 1993 para melhorar a casa, e consegui. Saí em 1998, quando a situação começou a se deteriorar. Quando começaram a me faltar condições de trabalho.

Um dos principais objetivos da reforma psiquiátrica é acabar com os hospícios, considerados prisões por militantes da área que denunciam um histórico de internações indevidas e maus tratos nesse tipo de estabelecimento no país. A partir do início da reforma, manicômios vêm dando lugar aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que são serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) destinados a dedicar atenção a pessoas com transtornos mentais. O atendimento nessas instalações deve buscar estreitar os laços entre os pacientes e suas famílias. Para entidades contrárias à nomeação de Duarte Filho, o psiquiatra representa justamente o modelo antigo que se pretende aposentar.

Um texto assinado por entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e o Movimento Nacional pela Luta Antimanicomial (MNLA) levanta preocupações quanto ao progresso da reforma psiquiátrica após a nomeação do coordenador da área. A carta faz um apelo ao ministro: “O anúncio realizado pelo Sr. Ministro da Saúde (…) contrapõe-se ao compromisso do governo federal com a continuidade da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, na perspectiva da garantia dos direitos humanos e do cuidado territorial e comunitário”.

— Quem foi diretor de um hospício com aquele histórico durante anos não tem legitimidade para assumir essa coordenação e conduzir o avanço da saúde mental comunitária brasileira — ressalta a professora e pesquisadora Cristina Ventura, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, que trabalhava na Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro durante a intervenção na Casa de Saúde Doutor Eiras.

Em meio à manifestação de ontem, a paciente Regina Alves se mostrou aflita:

— Não quero ser algemada. Quero tratamento digno.

Por outro lado, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que faz duras crítica à gestão pública da saúde mental no país, apoia a alteração de nomes no ministério. Segundo o presidente da entidade, Antônio Geraldo da Silva, qualquer medida com o objetivo de mudar a realidade atual tem o apoio da associação.

— Não conheço o doutor Valencius, mas apoiamos a mudança. Hoje, a política pública de saúde mental é péssima. O país manda pacientes para penitenciárias comuns, e não existe rede de prevenção ao suicídio, por exemplo — condena ele. — As pessoas não encontram rede de atendimento e, por isso, enchem os consultórios particulares.

O Ministério da Saúde informou que a escolha de Duarte Filho “reforça” a política de humanizar o tratamento a doentes mentais. Segundo a pasta, enquanto esteve à frente da Doutor Eiras, entre 1993 e 1998, ele “trabalhou em prol da humanização do atendimento na unidade”.

Destaque: Protesto. Profissionais de saúde mental e pacientes em frente à Alerj, na manifestação contra troca no ministério. Foto de Domingos Peixoto / Agência O Globo.

Comments (1)

  1. Cuido do meu irmão que é Esquizofenico Paranóide Crônico , além de Diabético e com problemas sérios Cardíacos …O Sistema de atendimento aos Doentes Mentais é fracassada ,nós cuidadores sofremos muito,com preconceitos até mesmo na familia .Somente eu concordo em cuidar do meu irmão,sem nenhuma ajuda familiar .O ano passado meus familiares queriam interna-lo em um asilo ,sem nenhuma condicões de manter um doente mental e descobri que o Asilo Santa Luzia localizado em Governador Valadares estão acolhendo Doentes Mentais .Sem nenhuma condicões ,onde o doente sofrem mal tratos,denunciei para as autoridades ,mas sem nehuma ajuda ou resposta . Desde o dia 02 de dezembro estava faltando o medicamento Clozapina ( o medicamento que meu irmão toma ,como milhares de outros pacientes com Esquizofrenia ) Depois de muito ligar e xingar o governo ,nesta segunda-feira chegou o medicamento na Secretária de Saúde.É revoltante o descaso de todos .Consegui a Curatela do meu irmão ,hoje ninguém pode mais querer interná-lo…Deixo de viver para cuidar dele ,ele é meu irmão….meu filho….minha vida!!!

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