Vida não se negocia: Reparação justa sim, mesa de negociação não!

O Governo Pimentel (PT) trata o maior crime sócio-ambiental da história do país como se fosse um conflito de interesses a ser mediado pelo Estado, como se inocente fosse.

Em julho de 2015 foi promulgado o Decreto Estadual nº 203 que instituiu a “Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários”. Dita Mesa foi criada no contexto auge da ameaça de despejo das comunidades da Izidora (Rosa Leão, Vitória e Esperança), em Belo Horizonte, considerado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República o maior conflito fundiário urbano do Brasil na atualidade. A Mesa de Negociação, hoje comandada por Claudius Vinícius Pereira, presidente da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab), tem sob sua responsabilidade a negociação de várias ocupações urbanas e rurais sob litígio no Estado de Minas Gerais. Sua incapacidade para tanto é incontestável, isso com poucos meses de existência.

Para exemplificar, na última terça-feira (17/11/2015), ocorreu o violento despejo de 900 famílias que moravam na Fazenda Vitória na cidade de Uberlândia e também uma marcha com cerca de mil moradores(as) das comunidades da Izidora até a Cidade Administrativa (sede do governo de Minas Gerais). O protesto denunciou a inoperância da Mesa de Negociação, que lavou as mãos para o conflito que motivou sua existência.

Portanto, entendemos que a Mesa de Negociação criada pelo Decreto 203/2015 não possui competência e nem legitimidade para atrair para si a condução dos gravíssimos crimes praticados pela empresa SAMARCO (Vale + BHP Billiton), por inúmeras razões, de fato e de direito:

PRIMEIRO. O desastre de Mariana não pode ser considerado conflito de interesses entre duas partes, uma controvérsia entre dois polos em iguais condições de negociação perante o governo, que ora se coloca como “mediador do conflito”. A desgraça de Bento Rodrigues e de toda a bacia do Rio Doce não pode ser tratada como “conflito socioambiental”posto que se trata de um CRIME! Houve violações de direitos humanos, civis, ambientais, danos individuais e coletivos, materiais e morais e que devem ter tratados pela jurisdição específica para fins de responsabilização administrativa, cível e penal. Daí a obrigação do Poder Público impor medidas emergenciais e de reparação aos responsáveis e não a negociação com os réus (Samarco/Vale-BHP Billinton). É inadmissível a submissão do Estado às empresas, sua inoperância na atenção imediata aos atingidos e a concordância do mesmo Estado de que as informações e acesso aos atingidos sejam mediados pela ré Samarco. .

SEGUNDO. Nessa configuração, o Governo do Estado não possui legitimidade para conduzir a mediação entre famílias atingidas e empresas, pois são inúmeros vínculos entre o Governo de Minas e as empresas envolvidas neste crime. A empresa Vale financiou sua última campanha com o valor de um milhão e meio de reais. Outro fato refere-se ao gesto simbólico do governador prestar a primeira coletiva de imprensa sobre o ocorrido na sede da empresa diretamente responsável pelo histórico evento, com efeitos e danos incomensuráveis. Acrescente-se que o Estado é PARTE INTERESSADA, corresponsável, no mínimo subsidiário, pelo rompimento das barragens na medida da sua omissão quanto à fiscalização, ilicitude ou negligência nos licenciamentos concedidos à SAMARCO. Seja pela participação e discursos do governante em eventos organizados pelo segmento minerador, em que declara a necessidade de afrouxamento do licenciamento ambiental (vide PL 2946/2015). Parece claro, portanto, que os acordos firmados no âmbito dessa Mesa de Negociação, com participação da SAMARCO, mediada por um governo que se revela parceiro da empresa mineradora, não terão condições morais e a necessária isenção para garantir a reparação de direitos que coloca em negociação, o que, além do mais, poderão servir de álibi para que, futuramente, venha a empresa se eximir de responder a ações judiciais que tenham como objeto a reparação material e moral pelos danos ocasionados.

TERCEIRO. Submeter o desastre a cargo da SAMARCO à Mesa de Negociação é explicitamente ilegal, vez que extrapola a esfera de competência do órgão em questão. O inteiro teor e o sentido da redação legal não deixa margens a dúvidas quanto ao escopo do Decreto nº 203/2015, claramente dirigido para situações de litígio, que envolvam ocupações, urbanas e rurais. O simples fato do decreto mencionar “conflitos socioambientais” não é suficiente para submeter o desastre à competência da Mesa criada em julho de 2015 pelo governo, em contexto completamente distinto. Nenhum dispositivo legal pode ser interpretado isoladamente, desconectado do sentido geral da lei e, no caso, vários dispositivos do Decreto remetem a situações que envolvem ocupações, razão pela qual dispõe ser competência da Mesa “buscar soluções alternativas de moradia adequada prévias à execução administrativa do despejo” (art. 4º, III); “solicitar aos órgãos competentes a prestação de informações fundiárias e fiscais dos imóveis em situação de conflito” (art. 4º, VII) e “encaminhar ao Poder Público sugestões para a formação do cadastro das comunidades localizadas nas ocupações urbanas e rurais” (art. 4º, VIII) – no caso de Mariana, é sabido que nem o governo municipal e o governo estadual têm comunidades atingidas cadastradas. Se porventura atualizaram tais informações, após o rompimento da barragem Fundão, foi com base em cadastro da empresa, que, como já ressaltado, está isolando as famílias atingidas e filtrando o contato com as mesmas, como se fosse a instituição de desenvolvimento e assistência social do Estado. O Decreto 203 nada diz sobre a reparação, indenização, aplicação de medidas emergenciais, imposição de sanções e multas. Neste complexo cenário instaurado pelo desastre criminoso, com efeitos ao longo de toda a bacia do rio Doce, indaga-se qual é a competência e a experiência da Cohab, enquanto instituição, e também de seu presidente, Claudius Vinícius Pereira, em mediar um desastre levado a efeito por uma empresa mineradora.Em resumo: o presidente de uma entidade pública de provimento habitacional, representante delegado pelo governador de Minas, tem competência técnica (e legitimidade) para conduzir a complexidade de uma tragédia criminosa em que a responsabilidade da SAMARCO ultrapassa muito a obrigação de reassentamento das milhares de pessoas desabrigadas? A mesa de negociação, com participação da empresa SAMARCO, na fase atual do desastre,não é instrumento e instância adequados para tratar das medidas emergenciais envolvendo os atingidos pelo crime ocorrido, cujo escopo ainda deve ser investigado em todas as suas dimensões.

QUARTO. O Ministério Público Estadual já havia assumido o papel de cobrar ações efetivas da empresa, tendo instaurado inquéritos, elaborado Recomendações e proposto Ação Civil Pública neste sentido. Quanto ao direito constitucional ao trabalho, o Ministério Público do Trabalho propõe Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para obrigar a empresa a garantir estabilidade aos trabalhadores(as), diretos e terceirizados. O Ministério Público Federal também tem atuado em conjunto com o órgão estadual. A proposta do governo do estado de levar a questão para a Mesa de Negociação com participação da SAMARCO esvazia a atuação do Ministério Público que ficará refém do espaço institucional presidido por um governo que também deve ser responsabilizado pelo desastre (pelas falhas no licenciamento e na fiscalização, além da postura em defesa da SAMARCO e do PL 2.946/2015, em caráter de urgência mesmo diante da tragédia de Mariana)Isso é inconcebível tendo em vista que o MPMG, desde a semana que se seguiu ao rompimento da barragem, tem atuado e trabalhado com a população atingida, juntamente com a Defensoria Pública do Estado, de modo a compreender as necessidades relacionadas a esse momento. O cumprimento destas medidas ajuda-nos a ver a incoerência e, salvo melhor juízo, a improbidade no exercício da autoridade governamental que confia à SAMARCO (Vale/BHP Billiton), por delegação direta ou omissão de apoio, dirigir as ações relacionadas ao atendimento direto aos atingidos. Em verdade, o desastre de Mariana revela a relação promíscua entre governo e empresa em prejuízo do bem comum e das garantias básicas dos atingidos.

QUINTO. Delegar a mediação de um complexo conjunto de crimes que envolve a empresa SAMARCO, além de medida improcedente, desvia a frágil capacidade operacional da Mesa de Negociação de seu foco – o de dar respostas efetivas e proporcionar soluções dignas que assegurem os direitos das milhares de famílias que hoje vivem em situação de insegurança da posse no Estado de Minas Gerais.

Somos contra e repudiamos a tentativa da empresa SAMARCO (Vale/BHP Billiton) de firmar acordos individualizados com as famílias atingidas, com nítido propósito de fragmentar e fragilizar ainda mais as comunidades vítimas do rompimento das barragens e submetê-las a reparações díspares, uma vez que estarão lidando com profissionais experientes sob coordenação da empresa.

A alternativa mais justa para reparação e ressarcimento de todas as pessoas atingidas direta e indiretamente é a negociação coletiva, não nos restam dúvidas. Porém, dadas as razões expostas e outras que não se esgotam nos cinco pontos acima, somos contra a postura do governo de levar a questão para a débil Mesa criada pelo Decreto nº 203/2015, situando a tragédia estritamente no campo negocial, como conflito de interesses a ser mediado pelo governo, sob a presidência da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais.

O maior crime ambiental da história do Brasil causado pela mineração não pode ficar refém de questões políticas e relações espúrias entre empresas mineradoras e governos federal, estadual e municipal (o que está claro na relação subserviente da Prefeitura de Mariana com a SAMARCO). Por isso, defendemos que a questão seja conduzida por um  Fórum Permanente coordenado por órgãos idôneos e isentos neste caso, quais sejam, o Ministério Público Estadual e Federal, Defensoria Pública Estadual e da União, com o protagonismo dos(as) Atingidos(as) e a participação efetiva dos movimentos sociais, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, ATERs, INCRA, FUNAI, Fundação Palmares, IPHAN, bem como especialistas correlacionados com as temáticas que deverão tratar das questões emergenciais necessárias para garantir as condições dignas de existência aos atingidos, bem como elaborar conjuntamente com os mesmos planos de construção do futuro, sem a interferência da empresa SAMARCO ou seus agentes.

Direitos e vida não se negociam; Reparação Justa; Negociação Coletiva; Direito de escolha dos fóruns de mediação; Definição pelos atingidos, após diálogo com os MPs e os movimentos sociais, dos pontos de partida para eventuais negociações; Acesso pleno às informações sobre os danos humanos, sociais e ambientais e os princípios de negociação.

Assinam a nota:

Aclac – Academia de Ciência, Letras e Artes de Congonhas
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade –  AFES
ASF-Brasil (Arquitetos Sem Fronteira Brasil)
Brigadas Populares
CASa – Centro Acadêmico de Ciências Socioambientais da UFMG
Centro Acadêmico dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (CAEAU) da UFOP
Cinecipó – Festival de Cinema Socioambiental
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Coletivo Mineiro Popular Anarquista – COMPA
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Espaço Comum Luiz Estrela
ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
Fórum em Defesa do SUS e Contra as Privatizações – MG
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH)
Frente Terra e Autonomia –  FTA
GESTA – UFMG
Juventude Franciscana do Brasil – JUFRA DO BRASIL
JUNTOS!
Instituto HÓU
Insurgência
Movimento Pela Preservação da Serra do Gandarela
Movimento Pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)
Movimento Passe Livre – Belo Horizonte – (MPL-BH)
Movimento Salve a Mata do Planalto
Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de São João Del-Rei
ONG Abrace a Serra da Moeda
PSOL-MG
REAJA – Rede de Articulação dos Atingidos pelo Projeto Minas Rio
Rede Verde
Serviço inter-franciscano de Justiça, Paz e Ecologia – Sinfrajupe
SOS Serra da Piedade
Tarifa Zero
Unaccon- União das Associações Comunitárias de Congonhas
UNICON – Unidos por Conceição do Mato Dentro

Para novas assinaturas: contatobrigadaspo[email protected] ou minasgerais@brigadaspopulares.org.br

 

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