Estudante da UFSCar representa os povos indígenas brasileiros em conferência da ONU

Dentre outros temas, evento em Genebra abordou questões relacionadas ao uso da biodiversidade brasileira, à educação indígena e à demarcação de terras

UFSCAR

O estudante de graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marcondy Maurício de Souza, da etnia Kambeba do Amazonas, participou da 8ª Sessão de Mecanismos de Especialistas sobre Direitos dos Povos Indígenas, conferência do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento, realizado na sede europeia da ONU em Genebra, entre os dias 19 e 24 de julho, reuniu lideranças indígenas e não indígenas de todo o mundo para discutir formas de garantir os direitos dos povos tradicionais.

Como único indígena brasileiro selecionado através de edital para a participação, o estudante representou, além de seu povo, a UFSCar e o Centro de Culturas Indígenas da Universidade, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e, dessa forma, os mais de trezentos povos indígenas brasileiros.

Durante as plenárias da Sessão, o estudante leu dois documentos, nos quais cobrou a ampliação do acesso dos indígenas a todas as universidades por meio de ações afirmativas, a exemplo do que acontece na UFSCar, e a garantia da permanência com qualidade. Outro destaque dos documentos é a necessidade de aprimorar o ensino em diferentes níveis para permitir a inclusão, de fato, das culturas indígenas nos currículos, com a participação dos povos brasileiros para a valorização dos conhecimentos tradicionais.

Além disso, as falas contemplaram violações de direitos humanos dos povos indígenas do País, apontando para a urgência da retomada do processo constitucional de demarcação das terras indígenas. Junto com o Presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, que participou da Sessão como ouvinte, Marcondy de Souza reuniu-se também com a Relatora Especial da ONU Victoria Tauli Corpuz, ocasião em que entregou uma carta na qual detalha a situação dos povos indígenas do Brasil, explicitando as falhas legais que impedem a efetivação de direitos. Outro encontro realizado na ONU foi com o representante do Itamaraty, Carlos Eduardo da Cunha de Oliveira. Na conversa, o estudante relatou a experiência da UFSCar com o Programa de Ações Afirmativas e o acesso dos estudantes indígenas.

Biodiversidade

Dentre os temas pautados na Sessão, Marcondy destaca a discussão das relações com as indústrias, que, como relata o estudante, se apropriam de conhecimentos tradicionais e plantas nativas sem observação da regulamentação e, consequentemente, sem oferecer contrapartida. Evidenciou-se a necessidade de criar novas estratégias para que as parcerias possam gerar benefícios para ambos os lados, reconhecendo a participação dos povos indígenas, e garantir que as leis de proteção sejam respeitadas. Nesse sentido, um passo importante é o protagonismo dos indígenas nessa discussão, por meio da consulta formal para estabelecer parcerias. “Apontamos frequentemente a necessidade de fortalecimento do diálogo entre o Estado e as comunidades indígenas, para garantir que os interesses econômicos não se sobreponham aos direitos humanos. Para isso, precisamos criar novas leis de proteção ao patrimônio cultural dos nossos povos e aperfeiçoar as já existentes, que não dão mais conta do complexo contexto em que nos inserimos.

As pesquisas com povos indígenas e a interação com as indústrias e a Ciência pode ser muito positiva quando somos respeitados, quando se aceita que somos povos deste País. Só conseguimos caminhar nessa direção quando ocupamos os espaços de tomada de decisão, quando falamos por nós mesmos, e não por meio de representantes com interesses diversos. Enquanto não formos reconhecidos autônomos pelos Estados, não temos condições de ocupar os espaços, e fora desses espaços não estamos verdadeiramente em diálogo. Não é possível sentar para conversar se formos vistos como incapazes, se não houver o entendimento de que podemos chegar a decisões em que todos possam se beneficiar”, afirma o estudante.

Conquistas

Marcondy de Souza pontua a importância da participação na Sessão situando sua ida como mais um passo na construção da história dos estudantes indígenas na UFSCar. “Chegar a este espaço na ONU é uma conquista que vimos construindo desde a chegada dos primeiros estudantes indígenas na UFSCar, e muito antes disso, com a luta de outras lideranças que tornaram reais as condições para que pudéssemos estar aqui. Na Universidade, a Pró-Reitoria de Graduação e, mais especificamente, a Caape [Coordenadoria de Ações Afirmativas e outras Políticas de Equidade], são parceiras na criação de estruturas para a nossa permanência e para continuarmos desenvolvendo as ações afirmativas. Hoje, ocupamos um espaço na Universidade, e estamos vendo o surgimento de novas lideranças, que agregam os conhecimentos tradicionais com os conhecimentos acadêmicos e promovem o diálogo entre eles. Isto nos ajuda a criar novos caminhos e a garantir que não haja retrocesso nas nossas conquistas. Agora, depois de conseguirmos realizar eventos como o Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas, a Semana dos Estudantes Indígenas e a SBPC Indígena, chegamos ao nível internacional, e precisamos continuar trabalhando para consolidar esse espaço”, avalia.

Com caráter decisório, a Sessão serviu para apontar as diretrizes mundiais no âmbito dos direitos dos povos indígenas. Entre elas está a melhoria da qualidade de dados gerados, uma vez que há grande quantidade de informações sobre a violação dos direitos indígenas, bem como sobre as questões indígenas nas mais diversas áreas, mas a baixa qualidade dessas informações, segundo o estudante da UFSCar, dificulta até mesmo a produção de investigações e pesquisas pela própria ONU. As lideranças sugeriram também a realização de reuniões locais, que contemplem a heterogeneidade dos povos indígenas do mundo.

“A troca de experiências com lideranças de outros países é fundamental nesse sentido, para que possamos aprender com os sucessos e tropeços que nos antecederam e criar redes entre organizações, povos e universidades para discutir os temas que nos são comuns e atingem as conquistas dos nossos direitos. A ONU pauta as discussões do mundo e, com a diversidade de povos que temos no Brasil, não podemos nos furtar a participar desse espaço. Estamos ao lado de outras lideranças pensando em novas formas de garantir direitos, inclusão social e proteção em consonância com o desenvolvimento econômico. E termos a presença tanto de jovens, como eu, como de pessoas mais experientes é importante para que possamos nos formar, e também contribuir com novos pontos de vista. Por isso, é um privilégio tão grande poder estar nesse espaço onde posso conhecer as realidades que povos indígenas do mundo todo vivem, expor a situação do Brasil, e ainda representar os nossos povos, falando em nome deles”, conclui o estudante.

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