Licenciamento ambiental: o barato e rápido sai mais caro para todos – [Resposta dos servidores à entrevista da Presidente do Ibama]

Sindsep-DF

As entidades representativas dos servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente abaixo-assinadas vêm a público expressar estranheza, indignação e apreensão após a leitura da entrevista concedida pela nova Presidente do Ibama, Marilene Ramos, em 30/05/2015, ao jornal O Estado de São Paulo – imediatamente após sua posse.

“Presidente do Ibama reconhece lentidão – para Marilene Ramos, é necessário dar mais rapidez ao licenciamento ambiental”.  (Acesse AQUI a íntegra da matéria.)

Na entrevista, Marilene Ramos afirma que o licenciamento ambiental é “lento” e que há “excessos nas análises ambientais”, que recairiam inclusive em uma “agenda muito mais voltada a temas de desenvolvimento social do que ambiental”. Sugere, como justificativa para o que entende como excessos cometidos, o receio que os técnicos teriam de ser alvo de ações criminais movidas pelo Ministério Público, indicando que uma solução para esse problema seria flexibilizar a Lei de Crimes Ambientais. Por fim, afirma que sua intenção é intensificar o “monitoramento das ações de compensação após o licenciamento”.

Em resposta às falas da dirigente de nossa autarquia, temos os seguintes pontos a esclarecer:

a) Existe um processo racional de licenciamento ambiental

Há um tempo mínimo para o licenciamento ambiental de uma atividade/empreendimento, que segue um processo racional e se inicia com a elaboração do termo de referência para a realização dos estudos ambientais, segue com a realização dos estudos (que pode levar mais de um ano, dependendo da complexidade do projeto), a análise e aprovação, a elaboração do projeto detalhado e das medidas a serem adotadas para evitar, reduzir ou compensar impactos; e por aí segue. “Queimar” ou “enxugar” etapas para ganhar tempo pode prejudicar totalmente a racionalidade do processo e reduzir a efetividade do licenciamento ambiental, tornando o procedimento meramente burocrático.

b) Existe sobrecarga de demandas sobre o corpo técnico

O aumento progressivo na quantidade de processos de licenciamento ambiental ativos no Ibama não foi acompanhado por crescimento proporcional de seu quadro de servidores. Em 2004, eram 157 técnicos atuando em 563 processos ativos; em 2014, passamos a 428 técnicos em 1.884 processos ativos (dados de set/2014). Ou seja, o aumento no número de técnicos foi de 273%, enquanto que o de processos ativos foi 335%. Já havia sobrecarga para os técnicos naquele momento, mas é evidente que a situação atual é ainda mais grave. Ressaltamos ainda que a autarquia como um todo se encontra ameaçada de esvaziamento, pois já conta com quase 700 cargos vagos e 51,6% de seus aproximadamente 4.000 servidores ativos em todo o país podem se aposentar ainda em 2015.

c) Não estamos conseguindo acompanhar as licenças emitidas

Diante do quadro de sobrecarga apresentado acima, uma explicação possível para o tempo necessário para obtenção de licenças não ter sido significativamente ampliado, é que o Ibama não dedica o devido tempo de trabalho para o acompanhamento das licenças concedidas. Além de ser questão sempre destacada pelos servidores, isso já havia sido afirmado pelo TCU em 2009(1) e infelizmente a situação ainda não foi contornada, devido à ausência de pessoal e tempo disponível para tal acompanhamento.

Ou seja, para “ampliar o monitoramento das ações de compensação após o licenciamento”, conforme a nova presidente afirmou que é a prioridade, seria necessário destinar tempo e recursos para isso. Trata-se de necessidade inquestionável e resolveria uma angústia permanente dos servidores que trabalham no licenciamento ambiental do Ibama, que sabem da importância do cumprimento das condicionantes e programas ambientais exigidos no licenciamento.

Hoje, com alguma frequência ocorre de serem feitas avaliações apenas quando o empreendedor solicita renovação ou emissão de nova licença, pois para atender a solicitação é legalmente necessário avaliar se as condicionantes foram ou não cumpridas, se os programas foram ou não executados a contento. Nesse meio tempo, se algo não saiu conforme o previsto, muito tempo já terá transcorrido e o custo para corrigir os rumos do licenciamento será muito maior – isso se ainda for possível. Assim, o licenciamento muitas vezes trabalha como “despachante-bombeiro”: emite licenças rapidamente para atender as demandas dos empreendedores, mas depois é acionado para [tentar] apagar os “incêndios” resultantes das deficiências dos estudos e das medidas mitigadoras e compensatórias. Não há normas que exijam, por exemplo, a realização de vistorias regulares aos empreendimentos licenciados.

d) O conceito normativo e técnico de “ambiente” inclui sua dimensão social

Daremos destaque a este ponto, pois percebemos a permanente tentativa de excluir o social do ambiental, como se essa separação de fato existisse – o que é um equívoco técnico e legal.

A nova presidente afirmou que seria necessário retirar “excessos” e complementar “lacunas” do licenciamento, que resultariam atualmente em uma “agenda muito mais voltada a temas de desenvolvimento social do que ambiental”. Destacamos que são temerárias tais afirmações, em tom genérico, realizadas pela Presidência do Ibama, diante da gravidade dos assuntos tratados. Dá-se margem a questionamentos sobre possíveis “excessos” e “lacunas”, sem que fique nem ao menos indicado qual a concepção do que seriam.

Seriam “excessos” a obrigação de o empreendedor dar suporte à elaboração dos planos diretores municipais, como forma de evitar os significativos impactos ao ordenamento e desenvolvimento municipal que resultam dos grandes empreendimentos licenciados pelo Ibama? Ou a obrigação de assegurar a indenização e/ou realocação das comunidades vulneráveis que são removidas dos locais onde moravam, para instalação dos empreendimentos e/ou realização das atividades licenciadas? Ou então a necessidade de monitoramento arqueológico para evitar que se perca, irremediavelmente, o conhecimento sobre a história (e pré-história) do local onde se implantam atividades/empreendimentos? Seria um “excesso” a avaliação específica dos impactos sobre comunidades quilombolas e povos indígenas?

Ou seriam excessos as exigências relativas ao saneamento ambiental de Altamira/PA, no licenciamento da UHE Belo Monte? Tendo em visto os significativos impactos socioambientais identificados como decorrência do empreendimento, que traria e de fato trouxe imenso aporte populacional para a cidade, a exigência de implantação de sistema de saneamento ambiental foi colocada como condição para a viabilidade ambiental do empreendimento. A alternativa possível, evitando-se incluir tal exigência como condicionante do licenciamento, seria declarar a inviabilidade de implantação da UHE no local, devido aos importantes impactos que seriam ocasionados e não solucionados.

O caso de Altamira/PA se repete pelo Brasil, devido ao quadro de precário desenvolvimento social que ainda predomina, em especial nos lugares que são alvo de grandes empreendimentos de infraestrutura, licenciados pelo Ibama. Sendo intenção da Presidência de nossa autarquia atender aos anseios dos empreendedores e negar a inclusão de condicionantes relativas ao desenvolvimento social, vislumbramos como inevitável a significativa ampliação das manifestações técnicas demonstrando a inviabilidade locacional de tais empreendimentos, movidas pela consideração dos significativos impactos que seriam causados, sem que pudessem ser exigidas as contrapartidas necessárias para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los.

Cada uma dessas exigências decorre de disposições legais/constitucionais e remete, direta ou indiretamente, à Resolução Conama nº 01/1986 e seu conceito de impacto ambiental, que guia a elaboração dos estudos de impacto ambiental. Via de regra, elas remetem aos grupos sociais mais vulneráveis, que frequentemente ainda não são ouvidos nos processos de licenciamento ambiental, já que a participação pública/social é comumente tratada por nossa autarquia como mera exigência legal a ser burocraticamente atendida em audiências públicas sem a devida preparação e sem a devida consideração no processo de licenciamento ambiental.

Contudo, não se trata apenas de exigência legal, mas de entendimento técnico. Os técnicos da Diretoria de Licenciamento Ambiental há alguns anos vêm recebendo capacitações em Avaliação de Impacto Ambiental ministradas pelo expoente nacional no tema, Luis Enrique Sánchez, o qual ao discutir o conceito de ambiente no livro que utilizamos como referência para nosso trabalho2 (p. 19), concorda com o que aqui apresentamos e que utilizamos nas análises técnicas.

Seriam esses os “excessos” a serem retirados do licenciamento ambiental do Ibama? À luz dessa primeira entrevista, ganha maior relevância o fato de que, em seu discurso de posse, Marilene em nenhum momento se referiu aos movimentos sociais como atores a serem ouvidos – são citados, repetidamente inclusive, apenas os empreendedores e as ONGs, com destaque para os primeiros.

e) Não há “rigor excessivo” e sim análise criteriosa, visando o interesse público

A nova Presidente afirmou que há “rigor excessivo” dos técnicos nas análises dos projetos, por receio de processos criminais movidos pelo Ministério Público Federal.

Esclarecemos que não há “rigor excessivo” na opinião dos próprios técnicos que trabalham no licenciamento do Ibama, que são criteriosos não por medo e sim por domínio técnico de seu campo de trabalho (que inclui a consideração das preocupações dos grupos sociais interessados no licenciamento em relação ao seu ambiente); tampouco na opinião do Ministério Público, das ONGs e dos movimentos sociais – frequentes críticos do licenciamento ambiental do Ibama, que entendem ser permissivo e não excessivamente rigoroso.

Não se trata nem mesmo de opinião pública, pois ainda que a mídia de massa insista no discurso da “lentidão” e “rigor excessivo”, é evidente o apoio popular ao licenciamento realizado pelo Ibama – quando ocorre de haver resistência popular ao licenciamento, é por entendê-lo permissivo. Destaque-se que esses casos são frequentes quando as decisões sobre o licenciamento são tomadas em contrariedade às sugestões apresentadas pelos técnicos do Ibama, que costumam se mostrar muito mais atentos às demandas socioambientais do que os dirigentes da autarquia.

Então indagamos: para quem há “rigor excessivo” em nossas análises? Provavelmente para os empreendedores que apresentam estudos ambientais de baixa qualidade e propostas de medidas mitigadoras e compensatórias de impactos ambientais inconsistentes, que resultam em necessidades de complementações e consequentes atrasos no licenciamento.

Destaque-se, portanto, que o licenciamento seria mais rápido caso os empreendedores de fato dessem a importância necessária para os estudos e programas ambientais, assegurando qualidade ao menos satisfatória dos trabalhos a serem entregues ao Ibama – a crítica à qualidade desses trabalhos não é feita apenas pelo corpo técnico do Ibama, mas por diversos atores envolvidos no licenciamento, como o Ministério Público da União3 e a sociedade civil organizada:

Habituados a jogar todos os problemas dos atrasos de empreendimentos em demoras do Ibama e da Funai, empreendedores costumam esconder suas próprias incompetências técnicas atrás de supostos atrasos do licenciamento ambiental e demais autorizações públicas para instalação e operação de grandes empreendimentos. 4

É aceitável, então, que o Ibama dê maior importância à opinião de um dos atores envolvidos no licenciamento, os empreendedores (Petrobras, Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – IBP, Empresa de Planejamento Energético – EPE/MME, para se limitar aos citados no discurso de posse da nova presidente, em 14/05), e reproduza acriticamente seu discurso?

Entendemos que os empreendedores representam um dos atores interessados no licenciamento ambiental e devem sim ser ouvidos pelo Ibama, porém temos clareza de que assumir o discurso dos empreendedores como o discurso da autarquia atenta contra os princípios que deveriam nos guiar. Não aceitaremos que, por meio da deturpação dos princípios de nossa autarquia, seja cerceado o nosso trabalho e os empreendedores recebam tratamento especial, em detrimento de os demais grupos sociais interessados no licenciamento ambiental.

Propostas para um licenciamento ambiental mais efetivo

Como trabalhadores da área ambiental comprometidos com a missão socioambiental do Ibama e o interesse público, não apenas seguimos as normas, procedimentos e práticas existentes, mas também elaboramos, apresentamos e implementamos em nosso trabalho cotidiano, individualmente ou organizados em grupos de trabalho, propostas para tornar o licenciamento ambiental mais efetivo. Muitas dessas propostas já foram tornadas normas, procedimentos e práticas que hoje fazem parte de nossa rotina de trabalho. Contudo, há propostas históricas que até hoje não foram implementadas. Apresentamos aqui apenas duas, para indicar a existência de caminhos que tornariam o licenciamento ambiental mais efetivo e até mesmo mais rápido:

a) Avaliação ambiental estratégica (AAE)

Com a realização prévia de avaliação ambiental estratégica (AAE) para orientar o planejamento dos empreendimentos, a avaliação de impactos ambientais (AIA) realizada no licenciamento ambiental seria mais direcionada, por já terem sido identificados e evitados os principais impactos desde o momento de concepção dos empreendimentos, além de já se dispor de hipóteses sobre os potenciais impactos. Essas hipóteses orientariam a elaboração do termo de referência mais consistente para os estudos ambientais para o licenciamento.

Articulando o uso da AAE com o problema do baixo grau de desenvolvimento social no país, poderiam ser seguidos dois caminhos: 1) evitar regiões onde se constate ser atualmente inviável a implantação de empreendimentos pretendidos ou; 2) identificando o baixo grau de desenvolvimento social e prevendo os significativos impactos socioambientais resultantes de empreendimentos pretendidos, implantar previamente as condições de desenvolvimento social necessárias para evitar tais impactos, de modo que as condições necessárias já estejam implantadas quando da solicitação da licença prévia (LP).

Apesar da evidente importância desse instrumento, na entrevista que falou sobre as dificuldades no licenciamento, não foi feita nenhuma menção a esse importante instrumento da política ambiental, que deveria ser prévio e depois ser complementado pela avaliação de impacto ambiental (AIA). A ausência da AAE certamente sobrecarrega e torna mais lenta a AIA, que deveria ser o segundo momento de avaliação socioambiental, e não o primeiro. A implementação da AAE deve entrar na ordem do dia da nova Presidência, para tornar mais direcionado o licenciamento ambiental e apresentar resultados socioambientais efetivos.

b) Integração dos trabalhos e informações ambientais

Outra questão sempre destacada pelo corpo técnico do Ibama é a necessidade de assegurar a integração dos trabalhos realizados e informações disponíveis não apenas no âmbito da própria autarquia, mas de todo o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama): Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro, Agência Nacional de Águas, órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. E não apenas do Sisnama, mas também dos demais órgãos e autarquias públicos, inclusive universidades e centros de pesquisa, dos quais o Ibama deve se aproximar mais. Existindo banco de dados compartilhado, especialmente com informações geoespaciais, seria possível realizar análises mais efetivas e até mesmo mais rápidas – talvez fosse possível reduzir a quantidade de estudos e/ou programas ambientais solicitados no âmbito do licenciamento, e/ou integrar estudos/programas em curso para otimizá-los, a partir do momento em que se constate a sobreposição em diferentes empreendimentos – até mesmo em diferentes esferas de competência (federal, estadual e municipal).

Preocupações quanto ao futuro do Ibama

Reafirmamos o receio de que a nova Presidência, seguindo a linha do discurso apresentado na primeira entrevista que concedeu à frente do Ibama, adote medidas com visões unilaterais, ditadas pelo poder econômico, que contrariem o interesse público e resultem em prejuízos socioambientais.

Receamos, por exemplo, que sejam deferidos ataques a um trabalho que vem sendo executado com sucesso pela Diretoria de Licenciamento Ambiental, obtendo montantes significativos de recursos oriundos da compensação ambiental no âmbito do licenciamento de empreendimentos/atividades, instituída pelo art. 36 da Lei nº 9.985/2000, para aplicação nas unidades de conservação da natureza (UCs), contribuindo para sua regularização fundiária, elaboração de planos de manejo, gestão das UCs e até mesmo criação de novas UCs. A partir da organização de estrutura interna da diretoria para o trabalho de cobrança e destinação de tais recursos, os valores destinados às UCs subiram de aproximadamente R$ 10,5 milhões, em 2010, para mais de R$ 487 milhões, em 2014.

É possível que esse sucesso na implementação da lei esteja incomodando os empreendedores, assim como o início da implementação efetiva do Código Florestal anterior (Lei nº 4.771/1965) incomodou e levou a bancada ruralista a se organizar e conseguir a revogação da lei anterior e promulgação de nova lei pelo Congresso Nacional (Lei nº 12.651/2012).

Preocupados com os possíveis retrocessos socioambientais sinalizados, pedimos a todos que estejam atentos e fortes, pois o primeiro sinal dado pela nova Presidência do Ibama não foi animador para aqueles que se importam com o meio ambiente e não acreditam em desenvolvimento que não seja socioambiental.

Brasília/DF, 03 de junho de 2015

Condsef, Ascema Nacional, Sindsep-DF (Seção Sindical Ibama), Asibama-DF, Asibama-RJ e Assemma.

Notas:

1 TCU – Tribunal de Contas da União. Relatório de levantamento de auditoria – Fiscobras 2009, TCU009.362/2009-4. Brasília, 2009. Disponível em http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/documentos-e-publicacoes/docs_acordaos/Ibama_2009.pdf. Acesso em: 01/6/2015.
2 SÁNCHEZ, Luís Enrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. 2. ed. São Paulo: Oficina de textos, 2013
3 MPU – Ministério Público da União. Deficiências em estudos de impacto ambiental: síntese de uma experiência. Brasília: Escola Superior do MPU, 2004. 48 p. Disponível em http://escola.mpu.mp.br/linha-editorial/outras-publicacoes/impacto_ambiental3.pdf. Acesso em: 01/6/2015.
4 ISA – Instituto Socioambiental. Blog do ISA. Atraso de Belo Monte: licenciamento ambiental não é mera burocracia. Disponível em http://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/atraso-de-belo-monte-licenciamento-ambiental-nao-emera-burocracia>. Acesso em: 01/6/2015.

Imagem: Crianças em Altamira (Foto: Anderson Barbosa / Fotoarena)

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