Mulheres tiram a roupa em Uganda para defender suas terras

Para expressar sua revolta, um grupo de idosas em um vilarejo no norte de Uganda fez algo considerado um tabu na região: tirou a roupa.

Diante de dois ministros, soldados, policiais e centenas de pessoas da comunidade, elas começaram a se despir.

Algumas sem blusas e outras totalmente nuas, elas gritavam: “Lobowa, lobowa!”, que significa “nossa terra” no dialeto Luo.

As que não se despiram, mostraram seu apoio com cantos de lamento, enquanto as outras tiravam a roupa.

O protesto, que ocorreu no vilarejo de Apaa, no distrito de Amuru, não é um evento isolado. Há quase 10 anos os moradores do local travam um disputa com as autoridades sobre a posse das terras.

No dia do protesto, dois ministros chegaram ao local com inspetores que demarcariam as terras onde vivem as mulheres e seu povo, conhecido como acholis.

Mas eles foram surpreendidos com o que viram.

Quando um policial começou a tirar fotos, uma das mulheres se aproximou dele rolando no chão e ergueu as pernas. O policial fugiu.

Nas crenças locais, o ato evoca as piores maldições para os inimigos de quem está tirando a roupa
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Maldição

Para os acholi do norte de Uganda, uma mulher se despir em público é um gesto carregado de significado.

É um ato mais poderoso que um combate, já que eles acreditam que ele evoca as piores maldições para os inimigos de quem está tirando a roupa.

Nessa disputa de terras, de um lado está o governo, que afirma que a terra não pertence ao povo de Apaa.

Mas a comunidade não concorda e garante que a área pertencia a seus ancestrais.

Karamela Anek diz que vai ficar nua de novo se suas crenças não foram respeitadas
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Filhos mortos

No entanto, para o grupo de cerca de 15 mulheres que se despiram, a questão não é apenas a propriedade das terras. Para elas, é um protesto contra os abusos que elas dizem terem sofrido por parte das forças de segurança ao longo dos anos.

Magdalena Alum, de 58 anos, conta que seu filho foi morto pelas autoridades em 2012. “Eu tirei minha roupa porque estou sofrendo demais. Meu filho, Olanyah, foi morto. E agora eles voltaram para nos expulsar das nossas terras”, disse.

“Mas essa é a terra do meu avô. Eu tinha 15 cabras e agora oito delas foram mortas.”

Karamela Anek, de 62 anos, que também participou do protesto, disse que seu filho morreu após ter sido espancado.

“Ele sempre reclamava de dor no peito, o tempo todo. Até que dois anos depois ele morreu.”

Anek conta que ela é proprietária de uma terra medindo 5 quilômetros quadrados e que fará qualquer coisa para defendê-la.

Caça

O vilarejo de Apaa é apenas um exemplo dos conflitos no norte de Uganda. O problema começou com a insurgência violenta do grupo rebelde Exército da Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês), há mais de 15 anos.

Muitos dos acholi foram, para a segurança deles, tirados de suas terras e reinstalados em campos de refugiados pelo governo.

Mas quando eles voltaram, muitos foram questionados sobre se eles realmente possuíam aquelas terras.

As autoridades do país querem demarcar 827 quilômetros quadrados – uma área equivalente a 92 campos de futebol – e o vilarejo de Apaa está nos limites dessa terra.

A Uganda Wildlife Authority (UWA – órgão que cuida da vida selvagem do país) não nega acusações de que a área será arrendada para investidores – e sabe-se que um executivo sul-africano já mostrou interesse em transformar o local em um parque para caça.

Cerca de 21 mil pessoas seriam afetadas por possíveis expulsões. O governo não divulga quantas pessoas vivem no local.

O diretor da UWA, John Makombo, cujo trabalho é deixar a área pronta para investimentos, admite que agentes de segurança usaram a força contra pessoas que disputam a propriedade da terra, em confrontos como o que matou o filho de Alum.

O governo insiste que trazer investidores para a área iria beneficiar a economia local ao encorajar o turismo e garante que vai formalizar o controle da região em breve.

Mas Makombo admite que o protesto das mulheres fez as autoridades a repensar a maneira que isso será feito.

“Os protestos com certeza mandaram uma mensagem clara. Agora, precisamos voltar e conversar com essas pessoas e lhes dizer a verdade”, disse.

De acordo com o governo, as pessoas removidas podem receber uma compensação ou serem relocadas.

Líderes da comunidade disseram à BBC que estão abertas a negociações, mas algumas das mulheres que se despiram disseram que vão tirar a roupa novamente se suas opiniões não forem respeitadas.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ricardo Álvares.

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