Cartas dos povos indígenas e participantes do seminário: “Petróleo, você compra, a natureza é quem paga: Vale do Juruá construindo outras alternativas”

O 2º Seminário promovido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Amazônia Ocidental aconteceu entre os dias 28 de abril e 01 de maio, no Centro de Formação da Diocese de Cruzeiro do Sul (Acre)

Carta 1:

“Ao
Dr. Thiago Pinheiro Correa
Procurador da Republica
Ministério Publico Federal/AC

Nós, Lideranças dos povos Apolima-Arara do Amônia; Huni kuin do Breu, do Jordão e do Envira; Nawa e Nukini de Mancio Lima – Rio Môa; Shawãdawa do Cruzeiro do Vale; Katukina BR 364 – Cruzeiro do Sul; Jaminawa Arara do Bagé e Igarapé Preto; Apurinã do Purus-AM; Marubo do Alto Rio Ituí-AM; Yawanawa Rio Gregorio, Tarauacá; Shanenawa do Envira Feijo; CIMI; Diocese de Cruzeiro do Sul; CPT de Cruzeiro do Sul; estudantes universitários e secundaristas, e professores; agentes de pastorais; jornalistas; associação de moradores; movimento de luta pela moradia; e membros da sociedade civil organizada, reunidos no Seminário “Petróleo, você compra a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo alternativas”, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e realizado de 28 de abril a 1º de maio 2015, vimos expor à sociedade o nosso manifesto em defesa da vida, estando portanto preocupados com a exploração de petróleo e gás na nossa região, bem como com a implementação de projetos de pagamentos por serviços ambientais, a exemplo do REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).

Discutimos amplamente sobre a implementação do Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais – SISA, criado através da Lei Estadual No 2.308, de 22 de outubro 2010. Chegamos a conclusão que a lógica da compensação ambiental contradiz os valores tradicionais dos povos Indígenas e demais povos floresta e sua relação com a natureza.
Não concordamos com a politica de Serviços Ambientais promovida pelo Governo do Acre, da maneira que é imposta, utilizando os povos tradicionais para apresentar o Acre como “vitrine de REDD+ e Serviços ambientais” e assim atraindo recursos de Bancos e agências internacionais de desenvolvimento.

O governo, Empresas e Fundações nacionais e internacionais utiliza as reuniões que promove com os agentes agroflorestais, professores e algumas representantes destes povos, afirmando que se trataria de consulta pública e fere assim os princípios estabelecidos na Convenção 169 da OIT.

Somente neste seminário, tomamos conhecimento do GT Indígena do SISA, nomeados através da Resolução Nº 001, de 20 de agosto de 2012, que tem a intenção de validar os temas de REDD+ nas comunidades indígenas, a qual não foi esclarecido pelos povos presentes se as pessoas nomeadas participam das reuniões do grupo.

Denunciamos a falta de transparência no que se refere a utilização destes recursos oriundos do Programa REDD+ por meio de contratos firmados entre o Governo do Acre, fundações internacionais e outros Governos da Europa e Estados Unidos, e a falta de consulta pública para implementação destas políticas em territórios indígenas, de acordo com o artigo 6° da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Exigimos que os órgãos de defesa de direitos dedique especial atenção aos testemunhos, denuncia, esclarecimento e real situação das comunidades impactadas pelos projetos privados de Redd+ no Purus e Russas/Valparaíso, que foram formalmente protocolados no SISA e receberam cartas de apoio de órgãos do governo estadual.

Recomendamos ao Banco Alemão KFW e demais financiadores do SISA, que se abstenham de financiar o Sistema, enquanto o mesmo esteja sendo questionado pelas comunidades impactadas.

Quanto aos temas debatidos sobre a possível Exploração Petroleira no Bloco 09 no Vale Juruá concedida pela Agencia Nacional de Petróleo – ANP para a PETROBRAS realizar as explorações, chegamos aos seguintes encaminhamentos:

– De acordo com Artigo 232 da CF, Exigimos do Ministério Público Federal que acompanhe os povos indígenas e comunidades tradicionais em todos os debates sobre petróleo;

– Exigimos da PETROBRAS o esclarecimento sobre as ações que serão realizadas na possível exploração, se, será para a retirada de Gás e/ou Petróleo;

– Exigimos que sejam realizados os devidos Estudo de Impactos Ambientais (EIA) e Relatório de Impactos Ambientais ( RIMA) que afetarão as comunidades indígenas e não indígenas, direta e indiretamente;

– Exigimos do Ministério Público Federal a realização de uma audiência pública para esclarecimento sobre a exploração de petróleo e seus impactos na região do Vale do Juruá.

– Exigimos do órgão oficial do Estado Brasileiro de defesa dos direitos dos povos indígena, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, uma posição oficial sobre os temas debatidos (Petróleo e REDD+ /PSA).

Mediante os temas debatidos e as conclusões das lideranças dos povos indígenas presentes e demais instituições, declaramos contrário a implementação destes mega empreendimentos no Vale do Juruá, em vista que beneficiará uma pequena minoria, sobre a destruição da grande maioria dos povos da floresta e da cidade.

Solicitamos do Ministério Público Federal as intervenções necessárias, afim de barrar as implementações dessas ações, em vista da defesa dos seres humanos que habitam, bem como a rica e grande biodiversidade, a fauna e a flora, garantindo assim boas novas as futuras gerações”.

* * *

Carta 2:

“Ao
Ministério Público Federal – MPF
Dr. Thiago Pinheiro Correa
Procurador da República

Nós, os povos Apolima Arara da Terra Indígena Arara do Amônia no Município de Marechal Thaumaturgo e Povo Nawa da Terra Indígena Nawa do município de Mâncio Lima, reunidos em Seminário “Petróleo, você compra, a natureza é quem paga: Vale do Juruá construindo outras alternativas” entre os dias 28 de abril a 1º de maio, no centro de formação da Diocese de Cruzeiro do Sul, decidimos encaminhar ao MPF, FUNAI e ICMbio denuncia das ações e negligências que vem sendo praticados contra nós.

As duas TIs têm problemas parecidos por terem suas áreas sobrepostas às Unidades de Conservação – UCs Federal geridas pelo ICMbio; na TI Nawa, o Parque Nacional da Serra do Divisor- PNSD e na TI Arara do Amônia a Reserva Extrativista do Alto Juruá .

Considerando que desde 1999 a TI Nawa está em processo de demarcação e reconhecimento do território, solicitamos ao MPF reunião com Instituto Chico Mendes de proteção da biodiversidade – ICMbio e Fundação Nacional do Índio – FUNAI para que esclareça os fatos que vem ocorrendo dentro da Terra Indígena TI:

• O Parque Nacional da Serra do Divisor, foi criado no ano de 1989 com a intensão de preservar a região da Serra do Divisor, mas foi feito de forma negligente por parte do Governo brasileiro, uma vez que naquela região habitavam povos indígenas e ribeirinhos que necessitam da natureza para a sobrevivência, reprodução do seus modos de vida e cultura, além de há muitos anos virem convivendo de forma harmônica com a natureza. O povo Nawa sofreu e continua a padecer com os desmandos do Estado brasileiro e deste modelo de desenvolvimento pautado na desigualdade social e falta de respeito pelos costumes e crenças nos quais os povos estão firmados;

• Foram feitos 3 laudos sobre a situação fundiária da Terra dos Nawa, primeiro atestando a necessidade de uma área com 83 mil Ha tendo em vista que o povo continua a crescer. Algum tempo depois o IBAMA, responsável pela gestão do Parque na época, contestou o laudo e ofereceu apenas 53 mil Ha, o povo Nawa não aceitou a proposta e o processo foi judicializado e desde 2004 não tivemos resposta por parte da FUNAI ou do MPF ;

• Desde o início do ano, o ICMbio tem entrado na terra indígena para fazer levantamento sobre os moradores da terra a qual é sobreposta ao Parque Nacional da Serra do Divisor – PNSD, deixando documento solicitando a ida das pessoas em 15 dias até a sede do ICMbio em Cruzeiro do Sul . Solicitamos o que a FUNAI se pronuncie e tome providências quanto a entrada destas pessoas, uma vez que pela legislação vigente não é permitida a entrada de pessoas sem a autorização do povo ou da FUNAI;

• A demarcação da Terra Indígena Arara do Rio Amônia do povo indígena Apolima-arara teve sua demarcação física concluída em 2011, porém 03 anos se passaram e as famílias não indígenas continuam ocupando a TI causando diversos problemas para o povo. A RESEX Alto Juruá foi homologada em 1996 sem que fosse levado em consideração a existência do povo Apolima-Arara que tradicionalmente ocupa aquela região;

• Famílias não indígenas que habitavam o território peruano a mais de 30 anos começaram a ocupar área dentro da TI Arara do Amônia em 2013 com autorização do chefe da RESEX Alto Juruá; no local, estas famílias tem feito grande desmate causando sérios impactos ambientais sobre os limites da TI. Além de outras famílias que insistem em não desocupar a área que já teve processo de demarcação física concluído;

• Pessoas que já haviam saído da TI em 2013 por terem sido indenizados estão retornando a TI ocupando a área que anteriormente fazia parte da RESEX Alto Juruá, mas que de acordo com documento de reconhecimento da terra, está na posse do povo Apolima-Arara; as referidas pessoas estão causando grande matança de animais silvestres, parte das caças são comercializadas na cidade de Marechal Thaumaturgo;

• Constante entrada de caçadores, tanto da cidade quanto pessoas da própria RESEX, eles utilizam cachorro na caça, afugentando os animais e fazendo grande matança;

• Dentro da área já demarcada do povo Apolima-Arara existe desmate realizado por moradores da RESEX, parte da madeira é vendida em Marechal Thaumaturgo;

• A comunidade solicita que sejam tomadas providências quanto ao narcotráfico que utiliza a Terra Indígena como rota para entrada no Peru;

Diante de todos os fatos apresentados, solicitamos que sejam tomadas as devidas providências a fim de que se garantam os direitos garantidos pela Constituição Federal do Estado brasileiro de 1988.

Att,
Povos Indígenas e demais participantes.”

Imagem reproduzida do perfil do Facebook de Paloma Ramos.

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