Filme de Littin sobre golpe chileno revive últimas horas de Allende e contesta versão de suicídio

Cinebiografia ‘Allende En Su Laberinto’, de Miguel Littin, encena bombardeio ao La Moneda, pressão dos EUA e analisa traições que permitiram golpe de 1973

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Depois de diversos adiamentos, o filme Allende En Su Laberinto, do cineasta Miguel Littin, chegou aos cinemas chilenos. A obra relata as últimas sete horas de vida do presidente Salvador Allende (1970-1973), durante o golpe de Estado e o bombardeio ao Palácio de La Moneda, no dia 11 de setembro de 1973.

Também fala da pressão exercida pelos Estados Unidos para a derrubada de Allende, apesar do caráter democrático de seu governo, e faz uma análise de toda a rede de traições que possibilitaram o golpe, tanto militares quanto políticas — neste último caso, recontando a postura dos parlamentares de sua própria coligação e como chegaram a questionar sua autoridade. Apesar de encenar uma história conhecida, a película não ficou isenta de certa polêmica, pela versão apresentada pelo diretor sobre os fatos históricos.

O veterano cineasta Miguel Littin foi amigo pessoal de Allende, e é conhecido no Chile por ser um questionador da versão oficial sobre sua morte: a de que o presidente teria se suicidado durante o ataque ao palácio. O diretor não quis revelar exatamente qual é a versão do filme que apresenta, mas disse que não se baseia na história oficial. “Eu respeito muito todas as opiniões, porque é um momento realmente controverso da nossa história, mas eu tenho a minha, e ela estará reproduzida no filme”, explicou Littin, por email, a Opera Mundi.

Assista ao trailer original, em espanhol, do filme ‘Allende En Su Laberinto’ (2015)

Littin não é o único a questionar a versão sobre o suicídio de Allende. Em setembro de 2013, o jornalista e escritor Francisco Marín e o perito Luis Ravanal lançaram o livro Allende: Yo No Me Rendiré (“Allende: não irei me render”, sem edição brasileira), em que questionam as autópsias e exumações realizadas no corpo do ex-presidente e contestam a versão do suicídio. Em janeiro de 2014, a Corte de Apelações de Santiago decidiu encerrar o processo que investigava a causa da morte de Allende, encabeçado pelo juiz Mario Carroza, quem determinou que a morte por suicídio era a única que contava com evidências comprováveis.

Conflitos com Piñera e família Allende

Embora tivesse sido planejado para estrear no dia 11 de setembro de 2014, para formar parte dos eventos sobre os 41 anos do golpe de estado chilenos, o filme teve que ser adiado, e mais de uma vez, devido a diversos problemas extrafilmagem.

Primeiro, a produção encontrou problemas para gravar no Palácio de La Moneda. Embora tenha contado com o apoio do Ministério da Cultura do Chile, e também com um compromisso verbal do ex-presidente Sebastián Piñera (2010-2014), os produtores não receberam a autorização formal do palácio.

A solução para o problema foi realizar a maior parte das cenas relativas ao golpe e ao bombardeio em um casarão em Caracas, o que foi conseguido graças ao apoio do governo da Venezuela através do CNAC (Centro Nacional Autônomo de Cinematografia). Somente algumas cenas foram realizadas no Palácio de La Moneda, em 2014, já durante o atual mandato de Michelle Bachelet, inclusive utilizando o Salão Branco — antigo escritório de Allende, que foi restaurado durante o primeiro governo de Bachelet (2006-2010) e que se mantém preservado e aberto a turistas. Ainda assim, as últimas sequências só puderam ser gravadas em agosto.

Uma dessas últimas cenas gravadas são as que marcam outra polêmica em torno do filme, e mostram a relação de Salvador Allende com Miria Contreras, a Payita, sua secretária particular e amante. No filme de Littin, ela aparece interpretada pela atriz Aline Kuppenheim (que também atuou em Machuca, de Andrés Wood, em 2004) e é mostrada como a mulher que ficou com Allende até o último minuto, e seu amor mais importante.

Essa versão incomodou a família Allende, que decidiu não emitir declarações sobre a obra, na qual sua esposa, Hortensia Bussi, não aparece, e onde se explora somente a relação do então presidente com sua filha do meio, Beatriz Allende, considerada a que mais compartilhava seus ideais políticos, e que estava grávida de sete meses no dia do golpe, quando tentou acompanhar seu pai durante a resistência, mas acabou sendo convencida por ele a abandonar o palácio antes de que começasse o bombardeio.

A atriz Aline Kuppenheim não crê que o filme seja uma tentativa de afrontar a memória da viúva de Allende. “Precisava ser um documento do que aconteceu”, ressalva Kuppenheim, também por email. E acrescenta: “Ela foi a mulher que ficou com ele até o final, porque eles tinham mais do que uma relação de amor, a Payita não estava ali somente por amor a um homem, e sim por uma convicção política, porque acreditava no ideal que aquele governo representava”.

Segundo os produtores do filme, existe um projeto para levar o filme Allende En Su Laberinto a outros países, especialmente da América Latina, e que o Brasil é um dos destinos possíveis. Porém, as definições sobre essa difusão só devem ocorrer quando for encerrada a temporada nos cinemas chilenos.

Allende ESL cartaz

Destaque: Relação entre Allende e Miria Contreras, a Payita, secretária particular e amante, é um dos pontos polêmicos do filme

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