Meu salmo pagão de Manoel de Barros, por Roberto Malvezzi* (Gogó)

manoel-de-baroos

Aprendo com abelhas mais do que com aeroplanos
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
È um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata – cresce de importância para o meu
olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar
para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades
machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão –
antes que das coisas celestiais.
Pessoas parecidas de abandono me comovem:
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.

in “Retrato do Artista quando Coisa” (1998)

Nunca li um texto alheio com o qual me identifiquei tanto como esse de Manoel de Barros. Por isso, pincei o texto e o arquivei num fácil acesso do computador. Vez em quando rezo esse salmo pagão. Eu o acho mais bonito que certos salmos bíblicos, particularmente aqueles nos quais o salmista invoca Deus para destruir seus inimigos.

Talvez porque vejo “nas coisinhas do chão – antes que das coisas ‘ditas’ celestiais” os mistérios de Deus e da vida.

Quem me chamou a atenção para a poesia de Manoel de Barros foi Jelson Oliveira, também poeta, velho “cum panis” da CPT.

Manoel de Barros fez sua passagem. Deve estar contemplando grilos, abelhas e águas no lugar onde está.

*Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

Comments (1)

  1. Como é bom ler coisas bonitas como a poesia do Manoel de Barros e as palavras que a seguem! Obrigadíssima!

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.