por Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual
A Comissão Nacional da Verdade está a um mês de entregar o seu relatório final, depois de dois anos e meio de trabalhos, em meio a pressões tanto de ativistas dos direitos humanos como de setores favoráveis ao golpe de 1964. Em meados de outubro, um dos grupos que compõem a CNV, o dos trabalhadores, entregou recomendações para o relatório, incluindo desmilitarização das polícias militares, revisão da Lei da Anistia e punição para empresários e empresas, públicas e privadas, que colaboraram com a ditadura.
Além disso, o grupo – formado por centrais sindicais e outras entidades – quer que sejam apuradas responsabilidades em episódios que resultaram em mortes de trabalhadores. Citam, entre outros, casos ocorridos em Serra Pelada (PA), Volta Redonda (RJ), Ipatinga (MG), Morro Velho (MG) e Sampaio (TO). Outra recomendação é pela revogação de artigos do Código Penal que interferem no direito de greve.
No total, são 43 recomendações, divididas em cinco temas: crimes contra a humanidade, legislação, segurança pública, memória e direitos.
O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, representante da central no grupo de trabalho, avalia que a apresentação do relatório da CNV à presidenta Dilma Rousseff, em dezembro, está longe de significar o encerramento das atividades. “Não é para ficar na gaveta do Arquivo Nacional. A nossa disputa começa agora”, afirma.
Os representantes dos trabalhadores propõem a criação de um organismo, após a extinção da CNV, para monitorar e pressionar para que as propostas sejam atendidas. “Agora é que vem a parte mais difícil. O relatório tem de refletir as recomendações.”
A punição a empresas é parte importante do documento, considerando que várias delas colaboraram permitindo a entrada de agentes infiltrados nos locais de trabalho e entregaram listas de funcionários ao Dops. O documento fala em “investigar, denunciar e punir empresários, bem como empresas privadas e estatais, que participaram material, financeira e ideologicamente para a estruturação e consolidação do golpe e do regime militar”. Essas empresas deveriam ser punidas financeiramente, inclusive.
No primeiro dos 43 itens, o grupo dos trabalhadores defende que o Estado brasileiro acate as normas do direito internacional sobre crimes contra a humanidade e ratifique convenção das Nações Unidas sobre a imprescritibilidade de tais crimes. Também propõe suprimir artigo da Lei da Anistia de forma a permitir punição de agentes públicos, além da revogação da Lei de Segurança Nacional.
Ainda no campo legal, o grupo pede revisão da lei que criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos (9.140, de 1995) e duas relacionadas, “com reabertura de prazo indeterminado para a entrada de requerimentos com pedidos de reconhecimento e reparação”. Os trabalhadores querem ainda a formação de um grupo de trabalho interministerial para identificar e suprimir leis incompatíveis com o estado democrático de direito.
Uma reivindicação constante das centrais, a ratificação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi incluída no texto. A norma trata de proteção contra demissões imotivadas – Solaney lembra que o golpe de 1964 acabou com a estabilidade no emprego prevista em lei. Além disso, os trabalhadores querem que enfim se regulamente a Convenção 151, sobre organização sindical e negociação coletiva no setor público. Solaney também enfatiza a necessidade de acabar com o “manual“ da Escola Superior de Guerra e introduzir elementos de direitos humanos na formação militar. A proposta tem alcance além do trabalhista, observa o sindicalista, e busca “quebrar a doutrina de que todo civil é um suspeito”.
Universidades
Em outubro, a Rede Nacional de Comissões da Verdade Universitárias (RNCVU), que reúne 13 colegiados, também entregou um conjunto de sugestões à Comissão Nacional da Verdade. Segundo seus representantes, o documento contém 12 recomendações específicas sobre universidades e educação e 16 propostas gerais. Uma trata de tipificar crimes contra a humanidade e outra, a exemplo dos trabalhadores, é relativa à criação de um organismo permanente que dê continuidade ao trabalho da CNV.