Jean-Pierre Leroy: É nos territórios tradicionais que podem ser encontradas as pistas para o futuro sustentável

jean pierreInforme ENSP

O filósofo francês Jean-Pierre Leroy foi o grande destaque da noite de abertura do 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente, que está acontecendo na capital mineira, Belo Horizonte.  No contexto atual, no qual vivemos a expansão cada vez mais intensa da agricultura industrial e dos latifúndios monocultores no país, Leroy defende a resistência aos processos de desterritorialização e desapropriação dos territórios tradicionais, que, em nossa sociedade, são respaldadas pelos interesses governamentais e pela política do crescimento econômico. Segundo ele, nesse sentido, os saberes e competências associados ao local passam a ser desqualificados. O filósofo alerta, no entanto, que são nestes territórios que podem ser encontradas pistas para um futuro sustentável.

Na conferência, intitulada Direitos, justiça ambiental e políticas públicas, o pesquisador –  que é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e assessor da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) -, destacou que este simpósio é uma oportunidade de experimentarmos o encontro de conhecimentos, saberes e de absorção mútua para, assim, nos prepararmos melhor para o futuro. “Quando se fala em desterritorialização de povos tradicionais, muitos pensam: uns aqui, outros ali… o que significam esses números perto da densidade demográfica das nossas cidades? Porém, junto com a desterritorialização física vem a desterritorialização simbólica destes povos. Cortam as suas raízes e, com isso, eles perdem a possibilidade de continuar seu projeto de vida de integração profunda com a natureza”, destacou. 

Leroy explicou que territórios tradicionais são entendidos como espaços necessários à reprodução social, cultural e econômica dos povos e comunidades tradicionais. Porém, para ele, trata-se de uma definição que não contempla a densidade do território e o que eles significam. “Ao longo de sua história esses espaços se tornaram locais de luta, de resistência e de organização de uma forma própria de viver e pensar sobre o futuro; de relação singular com a natureza”, disse ele. O palestrante argumentou ainda que as queimadas, falta de água e contaminações são consequência de um modelo alimentar já ultrapassado. “Esses acontecimentos e desastres vêm para mostrar que as nossas lutas devem nos fortalecer, pois são eles que têm as soluções e projetos para o amanhã. São [É] nos territórios tradicionais que podem ser encontradas as pistas para o futuro sustentável”, defendeu.

Jean-Pierre comentou que não é suficiente analisar decisões e políticas de governo. Na opinião do palestrante, é preferível falar em políticas de estado, pois estas têm uma dimensão mais profunda. “Estamos em um momento em que o capitalismo está em total internacionalização e tem a hegemonia sobre o mundo com a monopolização e oligopolização da produção. Portanto, o nosso debate parece pequeno, mas está inserido em opções mundiais. E é bom não esquecermos disso, pois não queremos apenas construir uma saúde ambiental para o Brasil. Queremos um projeto de saúde e ambiental que esteja inserido dentro de uma perspectiva global, que vai muito além do imediato e do nosso pequeno mundo”.

O conceito de justiça ambiental, defendeu Leroy, é mais que somente uma definição. É um grito, é uma luta travada para que ninguém entre na condição de atingido. É o grito dos que não aceitam ser destruídos, eliminados e silenciados pela injustiça e pelos processos de produção capitalista. E vai além. É um clamor dos povos e todos os tipos de minorias que percebem que seus modos de viver e de se relacionar com o meio ambiente são parte da solução. “Eles não querem ser vítimas enquanto o outro se beneficia do desenvolvimento, e também não são ultrapassados simplesmente porque escolheram viver em um outro modelo de desenvolvimento. A justiça ambiental é, além do grito, uma afirmação de que não se pode pensar em um futuro para a sociedade brasileira sem que o meio ambiente se torne parte da nossa vida”.

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  1. Os que integram o Grupo de Pesquisa Bio-Fauna, do Instituto Socioambiental e dos Recursos Hídricos – ISARH/UFRA, em Belém, Pará, compartilham com o pensamento crítico de Jean-Pierre Leroy e de outros filósofos da bioética. Reflexões éticas e debates que subsidiem biopolíticas para a pós-modernidade, pautadas em novos paradigmas que valorizem e aproximem por exemplo, ciência e espiritualidade, saberes acadêmicos e da tradição, sustentabilidade do desenvolvimento local. A valorização das comunidades ribeirinhas amazônicas é um de nossos mais instigantes desafios, há duas décadas. A crítica aguçada dos cenários atuais e a busca de fundamentos e métodos alternativos ao desenfreado e predatório modelo capitalista de desenvolvimento, insustentável, desigual e alienante para as comunidades locais, é hoje nossa maior preocupação. Daí estarmos vivenciando programas como o EVRA “Comunidades & universidades: uma escola de vida ribeirinha amazônica”, que se traduz como uma releitura de Paulo Freire para na educação ribeirinha (Edital PROEXT/MEC) ou o Programa de Cooperação Acadêmica – PROCAD ufra-ufrpe-unesp, intitulado “Interações homem-animal-ambiente na Amazônia oriental: implicações na saúde & produção animal”, cujo território alvo é o município de Colares, Pará, palco de ações integradas ensino-pesquisa-extensão universitária tendo à frente programas de pós-graduação das IES parceiras. Tratam-se de experiências que aliam teoria e prática numa troca de saberes voltada à sustentabilidade do desenvolvimento de comunidades riberinhas que possam ser irradiadas a outras comunidades locais. É a Amazônia ribeirinha sendo valorizada como um exemplo para o mundo, fora dos moldes da globalização capitalista. Parabéns, Jean-Pierre Leroy!!!

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