Burro não é quem escreve “errado”. Burro é quem discrimina, por Leonardo Sakamoto

laerte12Leonardo Sakamoto

Algumas das pessoas mais sábias que conheci são iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm doutorado. Às vezes, mais de um.

Significa que os iletrados são melhores que os doutores? Não.

Então, o contrário? Também não.

O nível de escolaridade e a forma através da qual uma pessoa se expressa muitas vezes é irrelevante frente ao conteúdo que pode agregar a uma discussão.

Se ela conseguiu fazer com que os outros a entendessem, ótimo, fez-se a comunicação.

Muita gente não entendeu isso ainda e desvaloriza a opinião do outro porque este separou sujeito e predicado com vírgula. Mesquinhos, sabe? Isso quando não oprimem quem não sentou em bancos de escola.

Mas o que esperar de uma sociedade em que pipocam pessoas que desconsideram o interlocutor por não saber acertar uma concordância verbal ou conjugar um verbo?

– Meu Deus! Você não sabe flexionar o verbo “funhunhar” no futuro do subjuntivo? É um desqualificado ignorante que merece meu desprezo…

E na qual o domínio da norma culta (que, convenhamos, é um porre) é alçado à condição de passaporte para a participação nas discussões sobre o destino do mundo.

A língua é construída pela boca das pessoas no dia-a-dia e não por meia dúzia de iluminados. É dinâmica, em constante mutação e, para sobreviver, não precisa de formalismos – que são exatamente isso, construções, muitas vezes definidas pelo grupo hegemônico.

Como dizer que uma pessoa que nasceu e cresceu falando português e sempre se fez entender está errada ?

Dizer que um pescador, um vendedor ambulante, a vendedora do tabuleiro de doces, uma quilombola ou ribeirinha ou um operário da construção civil que não usem a norma culta “desconhecem a própria língua” não é uma ação pedagógica e sim um ato político.

Excludente.

Que usa uma justificativa supostamente técnica para manter do lado de fora dos debates sobre o futuro a maior parte da sociedade brasileira.

A quem interessa a manutenção desse comportamento? A quem está no poder e, muitas vezes, usa a língua como instrumento de coerção.

Que faz o restante – que não foi chamado para Grande Rega-Bofe – acreditar que política é coisa de gente culta e estudada. E, portanto, melhor eles ficarem de fora e só entrarem para para encher as taças de vinho ou trazer os canapés.

No sufrágio que se aproxima, não seja niilista: defenestre – de forma paradigmática – quem maquiavelicamente oblitera a democracia por diletantismo ou dolo. Traduzindo: dê uma banana a quem não quer que você entenda nada.

Comments (1)

  1. Lamento, mas o Sakamoto, cujos textos sempre me parecem relevantes, desta vez acho que errou a mão. Também já conheci gente iletrada e sábia, além de muitos iletrados que dominam os saberes relacionados ao seu trabalho e seu tipo de vida. já conheci doutores que dominam certa área de conhecimento mas têm uma visão pobre de outras. Mas nem todos os que dominam a chamada norma culta são mesquinhos, pedantes e humilham os outros. Essa norma existe em todas os idiomas que conheço e é produto da cultura dos povos de uma ou mais nações e não apenas de formalismos arbitrários de “meia dúzia de iluminados”. Autoritários e pedantes sempre houve, em todas as áreas, mas isso não torna o domínio da norma culta “um porre”. O Sakamoto quis fazer uma crítica – necessária – a certo tipo de atitude, mas generalizou, misturou muitas coisas e sua crítica virou um desabafo. Se era para falar em poder, desigualdade, talvez não seja o caso de desvalorizar a norma culta da língua, mas de lutar para que todos tenham acesso a ela. Com escola pública, universal e de qualidade – como defendeu Gramsci – e não com tolerância em relação a um conhecimento pobre da língua.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.