Persistem barreiras à educação de meninas e mulheres

Em alguns lugares do mundo o acesso à educação das meninas continua sendo uma proeza, como ocorre na selva amazônica do Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS
Em alguns lugares do mundo o acesso à educação das meninas continua sendo uma proeza, como ocorre na selva amazônica do Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS

por Gustavo Capdevila, da IPS

Genebra, Suíça – A meta fixada pela Organização das Nações Unidas (ONU) de eliminar até 2005 as desigualdades entre os gêneros no ensino primário e secundário não foi alcançada, disseram à IPS especialistas mundiais no assunto. Essa declarações, feitas em Genebra, contrastaram com o anúncio do dia 7 feito pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em Nova York, de que se já se conseguiu a paridade de gênero no ensino primário no mundo, entre outros êxitos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000.

A acadêmica jamaicana Barbara Bailey afirmou que “se nega a 41 milhões de meninas, em todo o mundo, acesso à educação primária. “Isso determina que as mulheres representem cerca de dois terços dos 780 milhões de pessoas no mundo que não sabem ler”, destacou à IPS. Esses números, prosseguiu a especialista, indicam que “não só fracassamos em conseguir o terceiro ODM (igualdade de gênero) como também é improvável obtermos melhores resultados nas novas metas sobre educação que serão propostas para depois de 2015, a menos que esse assunto de gênero se integre plenamente a esses objetivos”.

Em setembro de 2015, os Estados membros da ONU deverão adotar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), para entrarem em vigor em dezembro do mesmo ano, quando prescrevem os oito ODM, que foram assinados por 193 governantes do mundo. O terceiro ODM promove com um grupo de metas o avanço para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres. Uma das metas desse objetivo é “eliminar as desigualdades entre os gêneros nos ensinos primário e secundário, preferivelmente em 2005, e em todos os níveis de escolaridade antes de terminar 2015.

O costarriquenho Vernon Muñoz, assessor em educação da Plan, um organização internacional dedicada à atenção à infância, expressou dúvidas sobre o êxito do terceiro ODM, que promove o empoderamento das mulheres e a igualdade entre os gêneros. “A paridade de gênero na educação, prevista por esses objetivos, continua sendo um desafio em 94 dos 149 países sobre os quais se dispõe de informação”, apontou à IPS.

Bailey preside um grupo de trabalho criado pelo Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres (Cedaw). O grupo manteve seu primeiro encontro no contexto de uma das sessões anuais do Comitê da Cedaw, que começou em 30 de junho e vai até o dia 18 nesta cidade suíça. Assim, começou um período de consultas para a redação de uma recomendação geral sobre o direito à educação das meninas e das mulheres.

O Comitê, composto por 23 grandes especialistas independentes, emprega habitualmente o instrumento das recomendações gerais como mecanismo para impulsionar o cumprimento das disposições da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.

Segundo Bailey, é muito estreita a interpretação que fazem os Estados membros do Artigo 10 da Convenção, referente à igualdade de direitos de mulheres e homens na esfera educacional. Os informes periódicos dos Estados ao Comitê omitem referências à forma como o regime escolar, “marcado por ideologias, práticas e estruturas patriarcais, molda a experiência cotidiana das meninas e as expõe a um ambiente físico, moral e sexual abusivo”, afirmou a especialista.

Também estão ausentes com frequência dos informes estatais as referências à violência de gênero nas escolas, acrescentou Bailey. O abuso sexual contra meninas, nas escolas ou a caminho delas, é um fenômeno denunciado anualmente por cerca de 60 milhões de meninas afetadas, pontuou. Bailey insistiu que as escolas podem ser espaços violentos. “Na minha opinião, a avaliação de que a instrução é uma contribuição principal para a construção de masculinidades hegemônicas e de feminilidades submissas, e que a escola representa um local onde a violência se reproduz, está subestimada”, ressaltou.

A recomendação geral do Comitê deve atender “assuntos como o efeito dos casamentos precoces na educação das meninas, a necessidade de uma educação sexual integral e a responsabilidade dos governos para acabar com a violência sexual e o assédio nas escolas”, disse à IPS a representante da Human Rights Watch, Amanda Klasing.

Klasing pontuou que “os conflitos armados às vezes criam barreiras contra a educação”. Nesses casos, as meninas enfrentam desafios específicos e adicionais, quando são deliberadamente atacadas estudantes e professoras, afirmou. “Grupos armados tacam assassinam e raptam mulheres estudantes porque se opõem a que meninas e mulheres recebam educação. Desde 2005, forças armadas governamentais e grupos armados irregulares ocupam e usam escolas e universidades com fins militares em 23 países”, ressaltou.

Em uma descrição preliminar da recomendação geral do Comitê, há um ponto que propõe aos Estados a adoção de disposições que garantam planos de estudo que “respondam ao mercado”. O texto afirma que “os Estados parte devem incentivar mulheres e meninas – por meio de um currículo baseado no gênero ou em uma estrutura de incentivos – a perseguirem objetivos educacionais que atendam às variantes necessidades do mercado”.

Sobre esse ponto, Muñoz destacou à IPS que “a educação, naturalmente, tem uma relação com a economia e precisa responder de alguma forma às necessidades da economia, mas outra coisa completamente diferente é pensar que deve estar subordinada a ela”. O especialista costarriquenho disse que “os objetivos da educação estão definidos pelos instrumentos do direito internacional dos direitos humanos, concretamente pela Convenção sobre os Direitos da Criança e pela Cedaw, e vão muito além de atender as necessidades dos empregadores”.

“Devemos procurar construir conhecimento para dignificar a vida, e isto, naturalmente, vai além das necessidades do mercado”, enfatizou Muñoz, que foi relator especial sobre o Direito à Educação na Comissão de Direitos Humanos da ONU, que em 2006 se transformou no atual Conselho de Direitos Humanos. Outra representante da sociedade civil, Lucy McKernan, da Iniciativa Mundial pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, expressou à IPS suas preocupações pela discriminação de gênero no contexto da privatização da educação.

A recente tendência à privatização do ensino em muitos países “está demonstrando ter consequências significativas no direito humano à educação, em termos de qualidade e também de acessibilidade”, ressaltou McKernan. A privatização “significa frequentemente um aumento relativo do valor das matrículas escolares e aí reside um dos mais importantes aspectos do ponto de vista da igualdade de gênero”, alertou.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.

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