Jovem de 13 anos pode vender sexo, diz Justiça. E se fosse sua filha?, por Leonardo Sakamoto

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O Tribunal de Justiça de São Paulo inocentou um homem que havia sido preso, em 2011, por fazer sexo com uma menina de 13 anos. Na decisão, os desembargadores consideraram que era uma prostituta e que o réu teria sido induzido a acreditar que ela teria mais que 14 anos – abaixo disso, é considerado estupro de vulnerável. O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a exploração sexual de quem tem menos de 18 anos.

Morador de Pindorama, no interior paulista, o fazendeiro (cujo nome é protegido por segredo de Justiça) foi flagrado também com uma menina de 14 anos. Elas teriam recebido R$ 50,00 e R$ 30,00 respectivamente. À decisão cabe recurso.

Que a exploração sexual de crianças e adolescentes encontra no Brasil um terreno fértil com muitos seguidores, isso é sabido. Imaginem o que seria desta nossa sociedade patriarcal e machista sem as revistas masculinas que maquiam moças de 18 anos para parecerem meninas de 12? Afinal de contas, se tem peito e bunda, se tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é mesmo? E se está pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para ajudar no orçamento familiar? E se está se oferecendo, seja por fome, obrigação, nóia ou curiosidade, a culpa é minha?

Não é a primeira vez que uma decisão judicial relativiza a gravidade de sexo com quem tem menos de 14 anos.

Ao julgar o caso de um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos, em 2012, o Superior Tribunal de Justiça chegou a considerar que ele não cometera crime porque as meninas já seriam prostitutas. “As vítimas (…) já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmava o acórdão.

Essa discussão não é sobre o sagrado direito da mulher ao seu corpo (que deveria ser inquestionável e protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas de defender que crianças e adolescentes não sejam inseridos precocemente na prestação de serviços sexuais sem estejam preparados física, social e emocionalmente para isso.

Também não estou discutindo o sexo dos adolescentes, mas sim o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da prostituição (e enquanto se discutia isso, mulheres que trabalhavam pesado a vida inteira sofreram na velhice, desamparadas e desassistidas). Estamos falando de meninas de 13 anos que podem ter sido empurradas para essa condição por pressão familiar e necessidade econômica ou sofreram influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos amigos, de vizinhos, de ofertas irrecusáveis de bens materiais ou dinheiro.

Por isso, a decisão de entrar no mercado de sexo antes de determinada idade mínima não é individual e não pode ser. O Estado e a sociedade vão tutelar essa criança até que ela tenha maturidade para tanto. E quando isso ocorre? A idade de 14 anos é um referencial. Bem como o trabalho a partir dos 14 (no caso de aprendiz) também o é. Há, claro, quem amadureça antes ou depois. Mas é um importante ter um referencial. Uma marca que garanta um certo número de anos para os mais jovens se desenvolverem, sendo protegidos, antes de cair na selva.

É claro que o tipo de pessoa que enxerga apenas a parte externa da criança ou adolescente ignora um processo de formação interna, que é irremediavelmente prejudicado quando ele ou ela é despido de sua dignidade.

Nunca vou esquecer a patética intervenção do então vereador paulistano Agnaldo Timóteo a favor da exploração sexual juvenil há cinco anos. Em um discurso na Câmara, ele disse que o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. “Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A moça tem consciência do que faz”, declarou. “O cara (turista) não sabe por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.” Para Timóteo, havia “demagogia e frescura”.

Em bom português, o que se propõe é o seguinte: já que o Estado e a sociedade são incompetentes para garantir que seus filhos e filhas dediquem sua infância aos estudos e ao desenvolvimento pessoal, vamos aceitar isso e legalizar o trabalho de crianças de 12 anos, incluindo aí a sua exploração sexual.

Por que o trabalho forma o cidadão. Na verdade, vamos além: “o trabalho liberta”, como diria as frases grafadas nas portas de campos de concentração.

Em 2009, o STJ também havia afirmado que não há exploração sexual contra uma criança ou adolescente quando o cliente é ocasional. A corte chegou a manter decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que rejeitou acusação de exploração sexual de menores por entender que cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta não se enquadra em crimes contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Dois réus contrataram serviços sexuais de três garotas de programa que estavam em um ponto de ônibus, mediante o pagamento de R$ 80 para duas adolescentes e R$ 60 para uma outra. O programa foi realizado em um motel. O TJ-MS absolveu os réus do crime de exploração sexual de menores por considerar que as adolescentes já eram prostitutas. E ressaltou que haveria responsabilidade grave caso fossem eles quem tivesse iniciado as atividades de prostituição das vítimas.

Alguns vão dizer que é uma questão técnica, de interpretação – como se o conhecimento da realidade e a subjetividade não influenciassem nessas decisões. Enfim, pimenta nos olhos das filhas dos outros é refresco.

Passando o município maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte sobre o rio Tocantins e entrando no estado homônimo, há um posto de combustível. Entre bombas de combustível e caminhões estacionados, meninas baixinhas oferecem programas. Entram na boleia por menos de R$ 30, deixando a inocência do lado de fora.

Exploração sexual de crianças e adolescentes não é novidade. E nem é vinculada apenas a uma classe social: há denúncias e mais denúncias de políticos e empresários que alugam barcos e hotéis para consumir as crianças que compraram. Ou festas regadas a uísque nas grandes cidades. Mas é ruim quando a gente se depara com isso. Ver meninas e meninos que deveriam estar estudando para uma prova de sexta série prestarem serviços sexuais e encararem isso como parte da vida dá um misto de raiva e sensação de impotência.

Anos atrás, não muito longe dali, no Pará, me apontaram bordéis onde se podia encontrar por um preço barato “putas com idade de vaca velha”. Ou seja, 12 anos.

“Ah, mas tem menina que gosta.”

E, por trás desta justificativa, muito homem que gosta ainda mais.

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