Anaí: Nota Pública de Esclarecimento sobre a Terra Indígena Tupinambá de Olivença e a Prisão do Cacique Babau Tupinambá

logo ANAÍA Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) vem mais uma vez a público manifestar sua posição acerca dos últimos acontecimentos envolvendo o grave conflito estabelecido na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Sul da Bahia, entre indígenas Tupinambá e não índios que culminou, mais uma vez, com a prisão do Líder Indígena Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau.

Como já esclarecemos em outras ocasiões, é indiscutível a presença indígena na área historicamente reivindicada pelos Tupinambá,conforme consta na vasta literatura etnológica e histórica sobre este povo, corroborada por vários pesquisadores da atualidade, vinculados a renomadas universidades nacionais e estrangeiras.

A Terra Indígena Tupinambá, que se estende por partes dos municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, conforme relatório circunstanciado de identificação e delimitação publicado pela FUNAI em 2009, se constitui em terra de habitação tradicional do referido povo, estabelecido na região desde antes da chegada do colonizador português e posteriormente fixado, pelos jesuítas, no início do século XVII, no aldeamento de Nossa Senhora da Escada (atual vila de Olivença), na porção litorânea desse território, que abriga ainda cerca de outras trinta comunidades locais do povo Tupinambá.

A comunidade da Serra do Padeiro, uma das que compõem a referida Terra Indígena, vem se destacando ao longo dos anos pela contundente atuação na luta pelos seus direitos, sobretudo o direito à terra, o que, por sua vez, vem suscitando uma intensa campanha, notadamente por parte da elite e da mídia nacional e local contra seus líderes, a exemplo de Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau, que tem sido vítima de inúmeros insultos e acusações que culminaram com sua prisão no ano de 2010, o que gerou grande repercussão nacional e internacional, e que agora em 2014 se repete, sob a acusação de assassinato, dentre outras.

A Anaí desde o ano de 2001 vem acompanhando a trajetória dos Tupinambá de Olivença e notadamente, a partir do ano de 2006, vem desenvolvendo em parceria com os Tupinambá, na comunidade da Serra do Padeiro, projetos que incentivam suas ações em áreas como educação e agroecologia, tendo sido testemunha, portanto, da extrema organização presente nesta comunidade, o que a tornou referência para os demais povos do nordeste e do Brasil em termos de articulação interna e de sustentabilidade, o que, por sua vez, a tem feito alvo de tantas acusações e especulações negativas por parte dos setores ligados ao agronegócio.

A campanha anti-indígena que vem se instalando nos meios de comunicação, e permeando vários setores da chamada sociedade civil, tem como claro objetivo minar qualquer tentativa por parte dos povos indígenas de efetivarem seus direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, ganhando força e pondo em risco diversas nações indígenas no Brasil, sendo a criminalização dos líderes dessas uma das suas principais estratégias de ação, a qual repousa no desconhecimento histórico profundo da sociedade nacional acerca dos povos indígenas.

(Ver Os índios Tupinambá e a cobertura enviesada).

Termos como “falsos Índios”, “supostos Índios”, “pretensos índios”, dentre outras designações preconceituosas veiculadas pela mídia, reforçam a idéa do senso comumde um estereótipo de índio que nos remete ao século XVI, do “índio puro”, do “ìndio legítimo”, que descartaria completamente os índios do presente, que, assim como outros povos, têm sua cultura dinâmica, e, portanto, capaz de mudar e se reinventar ao longo da história, não obstante isso, preservando sua identidade.

O Povo Tupinambá, primeiro povo a estabelecer contato com o colonizador português no litoral sul da Bahia em 1500, vítima de tantos esbulhos, muitas vezes compelido a migrar de seus territórios tradicionais para não ser dizimado, proibido de exercer livremente sua cultura, e, via de regra, forçado a negar sua própria identidade étnica diante de ameaças de retaliações,se coloca na atualidade, século XXI, diante da sociedade nacional como sujeitos de direitos, e, mais do que isso, como agentes capazes de fazer valer estes direitos, ação que lhes custa muito caro, como podemos constatar quando verificamos os inúmeros casos de criminalização e prisão arbitrária de lideranças indígenas, ademais de outras formas de violência contra estes povos.

A Anaí reafirma a necessidade urgente de conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá, que está em curso, mediante assinatura de portaria declaratória de posse permanente indígena pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, uma das últimas etapas do processo de regularização fundiária de uma terra indígena, para que, deste modo, o processo siga seu curso legal e o conflito não tome proporções ainda maiores.

A Anaí entende ser de suma importância a intercessão do governo do Estado da Bahia e do governo Federal para que o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá seja concluído com a maior brevidade possível.

Entendemos ainda que a presença do exército e da Força Nacional de Segurança na Terra Indígena somente tem acirrado o conflito e que a prisão de Líderes indígenas,como a de Rosivaldo Ferreira da Silva, não pode e não deve ser prática corrente do governo brasileiro sob o pretexto de “minimizar conflitos” em terras indígenas, devendo sim se efetivar o cumprimento dos processos legais de regularização das terras indígenas no país com a maior celeridade possível, o que infelizmente vem sendo cada vez mais desconsiderado pelo governo Brasileiro, gerando consequências trágicas para os povos indígenas no Brasil, com prisões indevidas e assassinatos de líderes indígenas e trabalhadores rurais em todo território nacional.

Salvador, 27 de Abril de 2014

Anaí – Associação Nacional de Ação Indigenista

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.