Memórias sobre indígenas e araucárias, de um Paraná destruído pela ganância, por Lidia Lucaski*

Araucária centenária, município da Lapa (Foto: Lídia Lucaski)
Araucária centenária, no município da Lapa (Foto: Lídia Lucaski)

Apesar da luta dos povos indígenas e de alguns abnegados  “brancos”, a situação dramática pela vida não mudou muito. Ainda não tive tempo de ler todos os longos documentos, mas isso me faz lembrar , com muito sofrimento, quando no final da década de 60 fiz pesquisas de campo pela faculdade (UFPR/Fundepar) no Oeste do Paraná. Já naquela época a situação de miséria, abandono e violência contra os índios era algo inimaginável. Suas terras eram invadidas por poderosos madeireiros que abatiam colossais áreas de centenários pinheirais. Estabeleciam as então chamadas serrarias-relâmpago, devastando tudo, abrindo clareiras e estradas em meio às densas florestas, não tendo divisas ou limites para a rapina.

As tais serrarias-relâmpago operavam com potentes motores estacionários , que forneciam toda a energia que os devastadores necessitavam durante o dia e à noite. Terminada a devastação em um ponto, rapidamente o equipamento e homens eram transferidos para áreas onde havia pinheiros seculares ou imbuias “boas”. O resto do “mato sem valor”, não interessava.

As trilhas abertas na mata só davam trânsito a grandes caminhões, muitas vezes puxados por tratores, pelo lamaçal que havia. Esses caminhões transportavam, às vezes, apenas uma tora de araucária, pelo colossal tamanho das árvores. Quando eram “finas” cabiam até três em uma carga. Para se ter uma ideia da densidade da floresta, da escuridão, os caminhões trafegavam com luz alta até quando o sol brilhava forte, ao meio dia, por exemplo. E que nem um intruso se metesse no caminho deles, pois a pistolagem era a lei.

Certa vez, naqueles ermos, indo com o veículo oficial da pesquisa, um jipe Toyota, a uma escola isoladíssima, nos deparamos com um colossal caminhão carregado, descendo meia encosta, vindo com uma tora de araucária. Estávamos na “estrada”  afundada do caminhão, onde só cabia um veículo. Portanto, um dos dois deveria sair da trilha. Evidentemente, pela lei da força, tínhamos que sair.  Só pela extrema perícia do nosso motorista, que conhecia bem o modus operandi dos madeireiros, saímos vivos quando, num golpe de mestre, o motorista tombou nosso jipe para escapar das rodas do caminhão.

Mesmo tombados, não obtivemos qualquer ajuda de ninguém que operava na clareira nem para sairmos do jipe. Estavam instruídos para isso. O jipe ficou lá, tombado, saímos, com muita dificuldade, com escoriações, perdemos todo material de pesquisa, máquinas fotográficas inutilizadas, pastas com documentos danificados… e aí era caminhar, quilômetros e quilômetros até pedir ajuda.

Se isso aconteceu com a nossa pequena equipe, que de qualquer modo representava o Estado, pode-se imaginar o tratamento dispensado aos bugres (assim os chamavam lá), que não eram “brancos”, que não tinham roupas mais ou menos (vestiam andrajos), e nem tinham jipe do Estado….

Mais tarde, em trechos mais abertos, já distante da floresta que era abatida, à beira de estradas com algum movimento, encontravam-se famílias de índios, a maioria delas doente, vivendo em ranchos miseráveis e sobrevivendo pela venda de algum artesanato ou pedindo ajuda. Genocídio perfeito e acabado !!!

Seria muito interessante, se Justiça houvesse (coisa de sonho no Brasil) que se investigasse a origem da fortuna de certa família da “alta sociedade” de Curitiba e de Santa Catarina também. A origem é a dor, o sofrimento e as mortes de incontáveis membros de nossos irmãos indígenas.

Como a  política de rapina permanece inalterada, só resta pedirmos à Justiça Divina que condene esses bandidos pelos crimes que cometeram.

Sem outra esperança.

*Lídia Lucaski é ambientalista e vice-presidente da AMAR – Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária (sede em Araucária , Paraná).

Foto: Lídia Lucaski
Foto: Lídia Lucaski

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