Os Camargos: Família se espalhou e terras foram invadidas

Camargos

Luta pela recuperação territorial e de direitos teve início há cerca de 100 anos, com um dos netos de José Joaquim de Camargo

Por Daniela Jacinto, em Cruzeiro do Sul

“Somos os verdadeiros donos destas terras”, desabafa João Fernandes, vice-presidente da Associação Remanescentes de Quilombo José Joaquim de Camargo – Núcleo Votorantim. A vontade maior dos descendentes de José Joaquim de Camargo é serem incluídos na história das cidades da região, onde seu familiar adquiriu as terras. “Nós temos história, que é de 1874 para trás”, afirma. A contribuição dos bandeirantes, dos tropeiros para a formação das cidades é sempre lembrada, mas a dos negros não, o que desagrada muito a comunidade, que quer ser reconhecida como contribuidora da história e que sejam relatadas as suas ações na sociedade.

João Fernandes lembra que José Joaquim de Camargo, seu tataravô, era negro e escravo. “Ele foi braço direito do capitão Jesuíno de Cerqueira Cezar”, relata.

Como tinha algumas economias resultantes de seu trabalho, José Joaquim pôde comprar as terras, que eram ricas em minério. A primeira coisa que ele fez foi construir uma capela onde hoje é o bairro Itinga, a capela existe ainda nos dias atuais e é conhecida como Capela do Itinga. As terras onde hoje está esse bairro eram usadas para plantar arroz.

José Joaquim foi casado por duas vezes e teve sete filhos. Casou primeiro com Benedita Maria Nogueira, da Fazenda dos Pretos, com quem teve seis filhos. Anos depois realizou o segundo casamento com Delfina Leme do Espírito Santo, com quem teve um filho. Delfina era sobrinha do prefeito de Salto de Pirapora, Agenor Leme dos Santos.

A família se espalhou, as terras foram invadidas e a luta pela recuperação territorial e de direitos teve início há cerca de 100 anos, com um dos netos de José Joaquim, João Batista de Camargo, pai de Luiz Carlos Batista de Camargo, que desde os 14 anos de idade acompanha seu pai nessa verdadeira batalha. Luiz hoje está com 56 anos, são portanto 42 anos de visitas a terras, que ele diz conhecer muito bem. “Conheço toda a área ponto por ponto, sei inclusive como começaram as invasões”, afirma ele, que é presidente da Associação Remanescentes de Quilombo do bairro do Itinga – Núcleo Sorocaba. Aqui na cidade, Luiz afirma que 27 famílias são quilombolas. “O bairro Inhayba pertence à gente também. Poucos sabem, mas lá tem um cemitério de escravos datado de 1730”, revela.

Mesmo com a certidão de compra das terras deixada por José Joaquim, a comunidade quilombola está com dificuldade em ser reconhecida como tal. Primeiro a documentação ficou parada durante oito anos na Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Quando a responsabilidade passou para o Incra, em 2003, Os Camargo esperavam ter o problema solucionado de forma mais rápida, no entanto ainda aguardam a regularização de sua situação. “Só falta a demarcação, dizem que não tem verba, mas para fazer coisas da Copa eles têm, custa R$ 60 mil para fazer essa demarcação, mas não fazem. Nossa surra hoje é a caneta”, diz João Fernandes.

As lutas pelas terras são feitas de forma organizada e as responsabilidades divididas em três associações: a de Votorantim, Sorocaba e Salto de Pirapora. Eles sabem que a maioria das terras hoje está ocupada e que será impossível reaver essas áreas, mas querem o direito dos impostos recolhidos pelos municípios ou as respectivas indenizações.

1.281 processos em andamento no Incra

 Em todo o Brasil, o Incra possui 1.281 processos de regularização de territórios quilombolas em andamento. Até o momento, foram publicados 160 editais de Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs), totalizando 1.651.425,5375 hectares em benefício de 21.758 famílias. Quinze deles foram publicados em 2012 e 2013. Outros 215 RTIDs estão em elaboração no Incra. O RTID é um documento essencial para a regularização das terras e é composto por relatório antropológico, relatório agroambiental, cadastro das famílias, levantamento fundiário da região, planta e memorial descritivo do território. (Fonte: Incra)

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