Caso Escola Base completa 20 anos e acusados ainda buscam recomeço

2014_03_escola_base_reproducao2Marcela Belchior – Adital

Uma denúncia de abuso sexual contra crianças de quatro anos numa escola da capital paulista mobilizou pais de alunos, jornalistas, a Justiça e boa parte da população brasileira em 1994. O caso que ficou conhecido como Escola Base completa 20 anos neste mês de março e, mesmo duas décadas depois, ainda não houve chance de reconstrução efetiva da vida dos acusados, processos por danos morais ainda aguardam decisão judicial e o fato continua figurando como referência de má apuração por parte da Polícia e da imprensa.

O caso histórico começou quando duas mães denunciaram os donos de uma escola infantil no bairro da Aclimação, em São Paulo, um motorista do transporte escolar e um casal de pais de um aluno por abuso sexual. A acusação foi aceita pelo delegado de polícia Edélcio Lemos e noticiado como furo de reportagem pela TV Globo. A imprensa passou, então, a cobrir a história em que os protagonistas eram crianças de apenas quatro anos de idade. O delegado passou do anonimato às manchetes dos jornais e a divulgação do suposto crime gerou uma repercussão violenta.

A escola e a casa de uma das professoras, sócia da instituição de ensino, foram invadidas e depredadas. Quando foram à delegacia para obter os detalhes da acusação, os donos da escola sofreram com o abuso das autoridades, que exerceram assédio moral e sexual sobre os acusados. Insuflada por um julgamento antecipado dos acusados por parte do Estado e dos meios de comunicação, toda uma mobilização da opinião pública foi construída em torno do caso, instalando um ambiente de hostilidade e retaliação moral contra os envolvidos.

Além dos donos da escola, Icushiro e Aparecida Shimada, e dos sócios Maurício Alvarenga e Paula Milhin, a Polícia também acusou os pais de um aluno da Escola Base de que haveriam recebido as crianças na casa deles para fotografar supostos momentos de envolvimento sexual.

Chegou-se a noticiar que, antes de praticar ações perversas, os quatro sócios cuidavam de drogar as crianças e fotografá-las nuas. “Kombi era motel na escolinha do sexo”, estampou o extinto jornal Notícias Populares, editado pelo Grupo Folha. “Perua escolar carregava crianças para a orgia”, manchetou a também extinta Folha da Tarde.

No entanto, as acusações logo ruíram e todos os indícios foram apontados como inverídicos e infundados. Sem provas, o inquérito policial foi arquivado. O que houve foi uma demonstração de ampla indução das mães das crianças e de todos os profissionais envolvidos no caso. Mesmo assim, a história nunca foi desmentida. A vida dos seis acusados nunca mais foi a mesma.

Irresponsabilidade da imprensa

Em entrevista à Adital, o presidente da Federação Nacional do Jornalistas, Celso Schröder, evita generalizar, mas aponta que o caso representa uma rotina constrangedora, tecnicamente frouxa e eticamente descompromissada a qual hoje está submersa a imprensa massiva. “Ela é a prova de uma grande irresponsabilidade, de alinhamento ideológico com a forma com que as autoridades atuam”, avalia.

Ressaltando que não fora um caso pontual, Schröder destaca que outros casos semelhantes e recentes evidenciam a tendência adotada pela imprensa de pré-julgamento e indução da opinião pública, como o caso do assassinato da menina Isabella Nardoni, em que uma grade mobilização nacional pedia a condenação dos então acusados pelo crime. Além disso, cita a jornalista Rachel Sheherazade, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), que, frequentemente, propaga comentários preconceituosos em rede nacional, como quando defendeu agressores de um jovem que fora preso sem roupas num poste nas ruas do Rio de Janeiro.

Como hoje vivem os envolvidos

Icushiro Shimada continua vivendo em São Paulo. Sua mulher, Aparecida, já é falecida. Eles nunca recuperaram a liberdade do anonimato, muito menos a vida profissional que haviam construído. “O que eu construí em 35 anos, eu perdi em cinco dias”, lamentou o ex-sócio da Escola Base em reportagem da TV Brasil. Ele prefere não manter contato com a imprensa.

Paula Milhim, que era coordenadora pedagógica da escola, hoje acumula dívidas em um emprego instável como auxiliar administrativa. “Eu queria uma chance de recomeçar tudo. Não sei como, mas uma chance de, pelo menos, tentar ter um pouco de paz. De não ficar dormindo e pensando: ‘nossa, amanhã eu tenho que pagar isso, pagar aquilo’. Eu estou para perder a casa. Voltar a ter sonhos”, lamenta. O antigo motorista da escola, agora ex-marido de Paula, Maurício Alvarenga, mora numa cidade do interior paulista.

Já o delegado responsável por disseminar acusações sem provas contra as seis pessoas, Edélcio Lemos, hoje trabalha num posto do Centro de Integração da Cidadania, em São Paulo, fazendo o papel de conciliador em brigas de família ou de vizinhos. Se a queixa não for resolvida, é encaminhada para um Distrito Policial, sob a responsabilidade de outro delegado.

Indenização por danos morais

Há dois anos, 18 após o fato, a Rede Globo de Televisão foi condenada a pagar R$ 1,35 milhão para reparar os danos morais sofridos pelos donos e pelo motorista da Escola Base. A cada um foi destinado o valor de R$ 450 mil. Já o SBT foi condenado a pagar indenização de R$ 100 mil a cada um dos acusados no caso também por danos morais. A Justiça entendeu que os ex-donos da escola tiveram a honra atingida pelas reportagens que continham acusações sem provas. Paula ainda tenta receber indenização de R$ 250 mil que ganhou na Justiça paulista.

* Com informações de TV Brasil.

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