Mídia Inacreditável, por Alceu Castilho

cocarPor Alceu Castilho

E eis que o portal do Estadão (não o jornal) se lembra dos Tenharim. Não por causa do apartheid em curso no sul do Amazonas – solenemente ignorado pela imprensa-aquela-tão-amiga-do-Madiba. (Racismo, para a nossa imprensa, só aquele – abjeto – sofrido pelo ator da Globo).

Os Tenharim voltam ao noticiário porque o delegado concluiu o inquérito e pediu prisão preventiva para os cinco acusados de matar três não-indígenas: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,pf-conclui-inquerito-e-pede-prisao-preventiva-de-indios-em-humaita,1134990,0.htm

Qual a base para a notícia? Informações da PF, do delegado? Aparentemente não. Tudo indica que informações do advogado dos parentes dos três mortos: Carlos Terrinha, também advogado de madeireiros, advogado dos poderosos da região.

O repórter não ouve a defesa dos Tenharim. Para nada. Em relação ao inquérito, em relação ao isolamento forçado de centenas de brasileiros na Terra Indígena, nada.

Terrinha, porém, ganha amplo espaço. Vejamos:

“Segundo o advogado Carlos Terrinha Almeida de Souza, além da modificação na prisão dos índios, o delegado também pede a prisão de outros 25 índios, acusados de coparticipação nas mortes. A informação não foi confirmada pela Justiça Federal e nem por Alves, que alegou sigilo profissional”.

Um triplo assassinato com a participação de 30 indígenas? Sim, sim, claro. Chamem imediatamente o Guiness Book. E toda a imprensa internacional para cobrir a prisão em massa de 30 Tenharim. Francamente. E o jornal amplifica a voz desse senhor – supostamente reproduzindo o que está no inquérito.

A se confirmar as versões apresentadas por Terrinha, a PF segue uma linha idêntica à propagada em forma de boatos, desde dezembro, por aqueles que odeiam os indígenas: um pajé (de outra etnia, vejam bem, pois os Tenharim não têm pajé) disse aos Tenharim que um carro preto tinha atropelado o cacique Ivan.

Diante disso (e 13 dias depois da morte de Ivan), eles pararam um carro preto e mataram, por vingança, os três moradores de Humaitá e Apuí. Com a participação de mais 25 parentes. E a PF teria seguido apenas essa “pista”, embora os corpos tenham sido encontrados ao lado da famigerada Rodovia do Estanho – rota de criminosos.

Tomando essa hipótese dos 30 assassinos, por absurdo, como a correta, ainda teríamos centenas de Tenharim inocentes. Mas são todos criminalizados pela população da região – e ignorados pela indignada imprensa brasileira.

Mas, rumo à hipótese contrária, e se Terrinha não estiver, digamos, exatamente correto? Onde estão as outras vozes, mesmo entre aqueles que acusam os indígenas? Será possível que não há um relato mais vertebrado – mais verossímil – para o motivo do triplo assassinato? (Sem pajés de outra etnia e uma visão de um carro preto?)

Será possível que continuarão achando que todo jornalista – e todo indigenista – simplesmente aceitará a versão mais estapafúrdia de plantão?

Ou esse insustentável amortecimento dos brasileiros em relação à violação de direitos indígenas permite que esse inquérito siga assim, tão sigiloso, e essa história, tão nebulosa? Afinal, são só cinco indígenas presos, não é mesmo?

Esse jornalismo policial tão pouco curioso ocorre, repito, em meio a um violento apartheid (perdão pela redundância). E segue ignorando o singelo fato de que nenhum Tenharim confessou o assassinato.

Esse jornalismo leggero também não se dá conta de que os cinco Tenharim estão sendo acusados por “testemunhas”. Que testemunhas? Quem? Em que contexto?

A PF e o Ministério Público podem dizer? Ou basta apontar alguns indígenas como culpados (com o beneplácito de nossa imprensa graúda) e está tudo certo?

Comments (1)

  1. Já que a polícia está na pura ficção baseando-se em depoimento de testemunhas, cuja sinceridade está à altura do carinho e respeito que tem pelos indígenas, gostaria que haja mais objetividade e que se responde a 2 perguntas que considero básicas para esse inquerito:
    – Qual é a placa e o dono do carro desaparecido? A unica informação que temos vem das “testemunhas” que disseram que a cor seria preta (por sinal, combinando com o sonho do pajé de outro povo!). É estranho que a identificação do carro não ineteressou nem a imprensa nem a polícia.
    – as “testemunhas” viram 05 pessoas no carro, seja três pessoas conhecidas e duas estranhas. Como explicar que ninguém reclamou o corpo dos dois estranhos e que os mesmos passaram a ser esquecidos pela polícia e pela imprensa. Pelo jeito não morreram. Quem são eles? Aonde foram?
    Porque ter abafado esses questionamentos?

    Já que estamos na ficção me permitam imaginar um cenário diferente. Dois pistoleiros são encarregados de cometer um crime dentro da Terra indígena Tenharim e se possível em 16 de dezembro, véspera da primeira sessão da Comissão Especial do Congresso que debate a PEC 215!; Pegam um carro roubado, de cor preta, e dão carona para quem quiser ir a Santo Antônio do Matupi.Quando saiem do trecho que atravessa a terra indígena, desviam o rumo e pegam a estrada do estanho. Matam os três caroneiros, escondem os cadáveres na divisa da terra indígena e fogem com o carro que irão abandonar Deus sabe aonde.

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