Morte de índios é a maior desde 1988, diz Pastoral da Terra

Cacique Ivan Tenharim, Foto: Funai
Cacique Ivan Tenharim, Foto: Funai

Entidade de direitos humanos afirma que, em 2013, 14 pessoas morreram em disputa por terras; no ano anterior, foram seis

Gustavo Uribe, O Globo

As tensões causadas pelas disputas por territórios indígenas têm se agravado nos últimos anos e elevaram o número de assassinatos a índios em conflitos de terra no Brasil. No ano passado, segundo dados parciais obtidos pelo GLOBO com a Comissão Pastoral da Terra, o total de mortes cresceu pelo terceiro ano consecutivo e chegou a 14, o maior número verificado desde 1988 na série histórica dos dados de assassinato da entidade de direitos humanos.

Em 2012, foram mortos seis índios em conflitos de terra e, em 2011, foram assassinados quatro. Atualmente, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 155 pessoas estão incluídas, em áreas de conflito de terra, no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Do total, 37 são indígenas, que já representam 23,8% do total. A maior parte dos protegidos pelo governo federal atuam na Região Norte, sobretudo no Pará.

No ano passado, as mortes de indígenas ocorreram, em sua maioria, em Roraima, Bahia e Mato Grosso do Sul, estados onde as disputas por terras têm recrudescido nos últimos anos. Em Roraima, na cidade de Alto Alegre, cinco índios da etnia Yanomami, entre eles uma criança, foram mortos em abril do ano passado. Segundo lideranças indígenas, a atividade ilegal de extração de minérios tem se intensificado na região e garimpeiros têm atuado inclusive na Terra Indígena Yanomami.

Na Bahia, três índios da etnia Tupinambá foram assassinados por pistoleiros em novembro, na cidade de Ilhéus, após emboscada que teria sido preparada por fazendeiros. As lideranças indígenas da região, onde habitam cerca de 4,7 mil índios, têm cobrado desde 2004 o governo federal pela demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que tem sofrido invasões de produtores locais.

Uma das mortes presentes no levantamento é a do cacique Ivan Tenharim, em dezembro do ano passado, em área próxima à reserva Tenharim Marmelos, em Humaitá (AM). A morte acirrou os conflitos na região entre indígenas e moradores locais e teve como desfecho, na semana passada, a exoneração do coordenador regional da Funai. Na segunda-feira, o Ministério da Justiça determinou que a Força Nacional de Segurança prolongue por mais três meses o período de atuação em Humaitá para pacificar a situação local.

— Infelizmente, o nível de violência praticado contra indígenas no país é muito grave. E, quando falamos de violência, incluímos também o racismo, o preconceito e a exclusão social — afirmou a presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, segundo a qual a entidade tem articulado um plano de enfrentamento à violência contra os povos indígenas no país.

Segundo dados parciais do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, foram mortos 41 indígenas, 26 dos quais no Mato Grosso do Sul, onde está localizada a segunda maior comunidade indígena do Brasil. No sudoeste do estado, índios da etnia Guarani-Kaiowá disputam terras com fazendeiros, muitas das quais ainda passam por processo de demarcação. Os dados de mortes do Conselho Indigenista Missionário são maiores que os da Comissão Pastoral da Terra porque incluem, entre outros assassinatos, os que não estão relacionadas com conflitos de terra.

Governo estuda mudar processo de demarcação

O acirramento dos conflitos de terra entre índios e fazendeiros tem levado o governo federal a estudar mudar o processo de demarcação das terras indígenas. Para o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Cleber César Buzatto, o governo federal tem atuado de maneira lenta para o reconhecimento de territórios indígenas, demora que, segundo ele, se aprofundou no governo da presidente Dilma Rousseff.

— Agora, com a Dilma Rousseff, mais que uma lentidão, há uma moratória, uma paralisação nas demarcações e isso influi também no processo de potencialização dos conflitos e, conseqüentemente, no aumento da violência contra os indígenas — criticou.

Na avaliação de Edmundo Rodrigues Costa, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra, o aumento da violência contra os índios em conflitos de terra pode ser explicado tanto pela maior articulação dos povos indígenas, que têm cobrado mais a demarcação de terras, como pela demora do governo federal em cumprir o processo legal.

— A tendência, se não forem resolvidas logo essas questões, vai ser o aumento cada vez maior do número de indígenas assassinados no país — avaliou.

Comments (2)

  1. A violência no campo historicamente decorre de interesses particulares das elites constituídas no país, fatos que tem gerado conflitos pela posse da terra, comprometendo valores, culturas e tradições das populações brasileiras. No Pará, essa realidade não é diferente, inclusive em terras indígenas, realidade que tem gereado situações de abandono, pobreza preconceitos e exclusão social em decorrência dessa lógica do latifundio e capital nacional e internacional.

  2. O caso da UNI Nacional, que já não mais existe, é ilustrativo das dificuldades dos índios construírem formas estáveis e permanentes de representação de interesses no Brasil, com uma base tão profun­damente diversa e dispersa. Fundada em 1979, num encontro patrocinado pelo governo estadual do Mato Grosso e sem conexão direta com as várias, assim chamadas, Assembléias de Lideranças Indíge­nas da década de 70, incentivadas pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) , a UNI desempenhou com eficácia o papel de referên­cia simbólica da indianidade genérica na conjuntura de democrati­zação pela qual passou a sociedade brasileira nesse período, até o processo de elaboração da nova Constituição Federal (1986/88). Para tanto, valeu-se de um conjunto de alianças não-indígenas que in­cluiu, entre outras, várias organizações não-governamentais de apoio, o próprio Cimi, parlamentares de vários partidos políticos, associa­ções profissionais como a Conage (Coordenação Nacional dos Geólogos) e a ABA (Associação Brasileira de Antropologia) . A “cena indígena” que foi se compondo em Brasília neste período contou com a presença de representantes de cerca de metade dos povos indígenas do país, viabilizada pelo apoio que receberam dos seus aliados não-indígenas. Porém, na comissão de frente que acompanhou os mo­mentos decisivos das votações dos direitos indígenas no Congresso Nacional, havia um expressivo e aguerrido grupo de Kayapó, a única etnia que chegou à capital do país com recursos próprios, seja por controlar conexões chaves com a burocracia da Funai, seja por se valer da venda de mogno e das taxas cobradas aos garimpeiros que extraíam ouro de suas terras.

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