A história do sertanista que tentou salvar povos isolados da Amazônia

Expedição de três meses atravessou áreas selvagens do Vale do Javari, no Amazonas Divulgação Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ciencia/revista-amanha/a-historia-do-sertanista-que-tentou-salvar-povos-isolados-da-amazonia-11147413#ixzz2oa3byHnl  © 1996 - 2013. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
Expedição de três meses atravessou áreas selvagens do Vale do Javari, no Amazonas 

Livro ‘Além da conquista’, do jornalista Scott Wallace, conta a luta de Sidney Possuelo para resguardar a tribo dos Flecheiros

Por Bolívar Torres em O Globo

RIO – Em algum lugar no território indígena do Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, há um pedaço da Amazônia que permanece intocado. É lá, nas profundezas da selva hostil, que uma tribo de origem desconhecida tenta resistir a toda e qualquer tentativa de contato com homens brancos e índios aculturados. Conhecidos como Flecheiros, por causa das flechas envenenadas que usam para expulsar os forasteiros, eles se enclausuraram voluntariamente em um território remoto. Há séculos, resistem às ameaças externas que já dizimaram tantos outros povos indígenas.

Em 2002, quando recebeu um convite da “National Geographic” para acompanhar uma expedição em busca desta misteriosa tribo, o foto-jornalista americano Scott Wallace logo percebeu que estava diante de uma oportunidade única. Em outras colaborações para a revista, ele se especializou em aventuras por lugares pouco habitados, como o Corredor de Whakhan, no Afeganistão. Agora, porém, tinha a chance de registrar algo ainda mais radical: uma espécie de reino paralelo, imune aos processos civilizatórios e raramente avistado. Pisar nas suas terras seria como voltar no tempo.

O relato está em “Além da conquista” (Objetiva), livro que conta as minúcias da quase suicida expedição liderada, há onze anos, pelo sertanista brasileiro Sidney Possuelo e uma equipe de 34 ajudantes. Recém-lançado no Brasil, joga luz sobre um tema cada vez mais urgente: a condição dos povos isolados na Amazônia e a proteção do ambiente em que vivem. Para Wallace, tribos como a dos Flecheiros nos lembram que a Humanidade nem sempre foi o rastro de destruição que se tornou hoje. E também nos lembram que ainda persistem estilos de vida muito mais sustentáveis, apartados da civilização.

– Estas tribos não estão totalmente intocadas. Elas sabem que há estranhos lá fora, e que isso significa perigo — explica o jornalista, em entrevista por e-mail. – Pessoas de fora cobiçam suas terras e recursos. Há garimpeiros, madeireiros, caçadores… A pressão está crescendo em torno dessas terras indígenas. Tais tribos podem permanecer independentes para sempre? Eu não sei. Mas acho que é nossa responsabilidade protegê-las agora, hoje e amanhã. Já deveria estar claro para qualquer pessoa que nossa sociedade é capaz de grande destruição. Nós estamos modificando o planeta e o clima, com consequências terríveis. Temos de aprender a mudar, ou todos nós morreremos.

Mais tribos vivem em total isolamento na Amazônia do que em qualquer outro lugar do mundo. Elas estão ameaçadas pelo avanço do desenvolvimento da Amazônia. Até mesmo o contato com pessoas com a intenção de ajudá-los pode ser fatal para estes povos, já que geralmente ao primeiro contato se segue a disseminação de doenças epidêmicas capazes de dizimar toda uma população vulnerável. Por isso, a missão de Possuelo era paradoxal. Para ajudar na sobrevivência dos Flecheiros, deveria coletar dados e informações sobre a tribo, dentro de seu território, mas sem nunca entrar em contato com ela.

Durante três meses, a equipe penetrou a selva a procura de pegadas e outros vestígios, com o objetivo de verificar as condições em que vivia a tribo, seus deslocamentos, a saúde de suas comunidades e suas condições de caça e pesca. A qualquer momento, Wallace e a equipe de Possuelo poderiam virar alvo das flechas venenosas. Sabendo que suas terras estavam sendo “invadidas”, os flecheiros mantinham-se invisíveis, observando tudo escondidos. Na casca das árvores, deixavam sinais pictóricos que, na linguagem universal da floresta, diziam claramente: “fiquem longe”.

Rei da floresta

Ao longo das 528 páginas do livro, Wallace fornece detalhes de uma expedição do gênero e suas inúmeras dificuldades. Condições extremas que incluem “índios bravos”, onças, sucuris e piranhas — todos espalhados por uma área acidentada e escorregadia. Qualquer passo em falso poderia resultar num acidente grave. Mas, além do aspecto aventureiro, o relato traz um perfil de Sidney Possuelo. Figura polêmica, o líder da expedição é responsável pela demarcação da terra indígena Yanomami e por institucionalizar o conceito de não contato com os povos isolados. Discípulo dos irmãos Villas-Bôas, o polêmico sertanista rompeu com os mestres ao perceber que a política do contato trazia mais perigos do que benefícios aos índios. Suas posições inflexíveis sobre a questão lhe trouxeram reconhecimento internacional, mas também conflitos com o governo brasileiro, com antropólogos e com missionários.

– Sydney Possuelo é um herói não só para a causa indígena, mas também para a sobrevivência do planeta – avalia Wallace. – Ele foi a principal força por trás da política oficial de proteger tribos isoladas da Amazônia brasileira. Esta política reconhece o vínculo indissolúvel entre os povos indígenas e as terras. Você não pode proteger as comunidades indígenas isoladas sem proteger a terra em que vivem. Ao reconhecer os direitos inalienáveis de pessoas muito vulneráveis à sua terra e sua sobrevivência, o Brasil tornou-se um exemplo a ser seguido para o mundo. Os brasileiros devem se orgulhar de ter o país com mais tribos isoladas em todo o mundo.

No passado, ninguém duvidava que o encontro com sertanistas e antropólogos ajudava as tribos desconhecidas a se protegerem melhor das ameaças externas. O momento de glória de um sertanista era justamente contatar e pacificar estas tribos para melhor integrá-las à sociedade. Possuelo, por sua vez, acredita que o papel dos sertanistas é impedir que as expansões esbarrem em territórios indígenas. Em vez de “contatar para salvar”, a missão passou a ser “salvar sem contatar”.

No livro, Possuelo aparece como uma figura fácil de admirar, mas difícil de conviver. Um purista que defende obstinadamente suas ideias e tenta impô-las a qualquer preço, comportando-se como rei por onde passa. Ao criticar o trabalho das ONGs na floresta, o sertanista chega a afirmar: “O governo aqui sou eu”. Para Wallace, porém, foi essa mesma intransigência e obstinação que tornaram possível uma missão tão complexa. Na época, a expedição constatou com sucesso que os Flecheiros viviam em boas condições: tinham o que comer e não estavam sendo incomodados por ninguém. Isolados, estavam melhor do que integrados.

– É uma pena que pessoas do Rio ou de São Paulo não deem tanta atenção ao que se passa na Amazônia – lamenta Wallace. – Acredito que o futuro dos índios não é bom, e seria melhor que mais brasileiros se envolvessem neste debate. Vocês têm este recurso precioso, mas a maioria o ignora. Há culturas tradicionais, onde as pessoas ainda vivem perto da terra. Por que mais pessoas do Sul do país não vão até lá para ver com seus próprios olhos? Talvez valorizassem mais o que vissem antes de perdê-lo para sempre.

Comments (1)

  1. Olá..

    sempre me despertou interesse nesses assuntos, afinal sou naturalista gosto de vida silvestre e de toda diversidade biológica composta por ela,me sinto uma tristeza tão grande de morar em cidades todos são iguais sempre a mesma coisas, gostaria muito de conhecer uma tribo isolada mais tenho medo de nunca mais voltar, não por atrito com os índios por se identificar com o local e colocar em pratica aquilo que sempre sonhei.
    Se aparecer algum projeto me envolva por favor deixaria minha carreira profissional por algo que motive minha alegria.Pense nisso..

    abç

    Luciano Naturalista

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