Cobaias humanas: MPF/AP obtém na Justiça indenização para vítimas amapaenses

Família vítima de malária no interior do Amazonas. A doença é uma das mais comuns na região. Foto: Clóvis Miranda
Família vítima de malária no interior do Amazonas. Doença é das mais comuns na região. Foto: Clóvis Miranda

(…) a Funasa deixou de borrifar inseticidas nas comunidades para não afugentar os mosquitos que deveriam ser capturados [para as] iscas humanas. Segundo depoimentos (…), todos os participantes – bem como outros integrantes da comunidade – adquiriram a doença. Há relatos de moradores que ficaram incapacitados ou passaram por cirurgias devido a complicações da malária. (…) A pesquisa (…) foi financiada pela Universidade da Flórida (EUA) e pelo Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano 

MPF AP

A União, o Estado do Amapá e o servidor público federal Allan Kardec Ribeiro Galardo foram condenados a indenizar por danos morais e materiais moradores das comunidades ribeirinhas de São Raimundo do Pirativa, Santo Antônio e São João do Matapi. Pelo menos dez deles foram usados como iscas humanas para mosquitos transmissores da malária entre 2003 e 2004 em pesquisa científica. Cada um vai receber R$50 mil reais em valores corrigidos. A decisão unânime da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), proferida em 11 de dezembro, atende pedidos do Ministério Público Federal no Amapá (MPF/AP) em ação civil pública ajuizada em 2009.

Os “voluntários” serviam como iscas para atrair mosquitos. Após a captura, os insetos eram mantidos em copos protegidos por tela na borda para que não escapassem. Cada participante precisava alimentar 100 insetos durante nove noites colocando o copo no braço ou na perna para receber as picadas. O procedimento acontecia duas vezes por ano. Para isso, era pago R$12 por jornada. Valor posteriormente reajustado para R$20. 

Na época, a Funasa deixou de borrifar inseticidas nas comunidades para não afugentar os mosquitos que deveriam ser capturados pelas iscas humanas. Segundo depoimentos colhidos no curso do processo, durante a pesquisa, todos os participantes – bem como outros integrantes da comunidade – adquiriram a doença. Há relatos de moradores que ficaram incapacitados ou passaram por cirurgias devido a complicações da malária.

A utilização do método foi questionada pelo MPF/AP com base em parecer técnico referente à utilização de iscas humanas. Pessoas podem ser usadas como atrativo para insetos, desde que a captura dos mosquitos ocorra antes de iniciada a sucção sanguínea. A coleta deve ser feita por profissionais com vínculo junto aos serviços de saúde pública ou privada, após treinamento. Equipamentos de proteção são obrigatórios e as vacinas recomendadas para a área de trabalho precisam estar atualizadas.

O Estado do Amapá foi condenado por se omitir na proteção da saúde das comunidades. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) tinha conhecimento dos métodos de pesquisa utilizados pelo projeto e deu total apoio material. Na época, certificou as atividades de transporte dos mosquitos capturados. A Sesa não adotou a devida cautela para assegurar a integridade físico-moral e a saúde dos envolvidos.

A pesquisa sobre heterogeneidade de vetores da malária na Amazônia foi financiada pela Universidade da Flórida (EUA) e pelo Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano. No Brasil, Allan Kardec Ribeiro Galardo, servidor da Funasa, era quem coordenava as atividades com o apoio da Sesa. Não houve benefícios para a comunidade, conforme prometido por ele. Devido aos riscos observados à comunidade, a pesquisa foi suspensa em 2006 pelo Conselho Nacional de Saúde.

Comunidades – As comunidades ribeirinhas estão localizadas ao longo do Rio Matapi, em Santana, a cerca de 20km da capital Macapá. A região é composta, em sua maioria, por remanescentes de quilombos. À época, o nível de escolaridade era considerado baixo. Para o TRF1, a pesquisa foi realizada “aproveitando-se da hipossuficiência financeira e cultural daquelas pessoas humildes, que serviram de cobaias humanas”.

Para o MPF/AP, os ribeirinhos foram “submetidos a situação subumana, injustamente, expondo-se ao risco de doenças, e violando os seus direitos a uma vida digna”. Em maio do ano passado, os pedidos da ação civil pública foram julgados improcedentes pela 2ª Vara da Justiça Federal no Amapá. O MPF/AP, então, recorreu ao TRF1 para garantir os direitos da minoria afetada.

Estelionato – Na esfera criminal, Allan Kardec Ribeiro Galardo responde a processo por estelionato. Segundo a denúncia do MPF/AP, ele obteve vantagem ilícita ao induzir a erro as comunidades. O processo corre na 4ª Vara da Justiça Federal do Amapá. Para o crime, a pena é de reclusão de um a cinco anos e multa.

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Amapá

Comments (2)

  1. Ana Beltrão, concordo inteiramente com você. Não chamo isso de ciência, ao menos não no sentido ético q ela deve carregar.
    Uma ciência baseada nos desmandos capitalistas de classes domiantes, certamente não exclusivamente brasileiras, não pode ser assim chamada, mas sim de exploração comercial criminosa da vida, por envolver métodos espúrios supostamente científicos.
    Falo supostamente pq a busca do resultado esperado, ainda q com base científica, despe-se totalmente da ética q deve envolver não somente experimento com humanos, mas também com animais.
    Claro q temos ciência de q numerosos experimentos q envolvam a produção de fármacos e outros produtos ainda dependem de cobaias (humanos ou outros animais) para levantar resultados e efeitos outros, mas há toda uma questão ética, como saber q as cobaias sentem dor e outros efeitos q possam incomodar, e por isso a ciência ética procura usar métodos menos dolorosos.
    Mas uma ciência q em nome de lucros desvairados passa dos limites socioambientais e geopolíticos definidos, burlando as leis, definitivamente não deve ser chamada de ciência, mas de crime, q pode causar crise diplomática entre nas nações envolvidas e merece punição exemplar pegando-se todos os envolvidos.

  2. Não dá para acreditar! Quem liberou essa pesquisa foi o IBAMA? Foi a Secretaria do Estado de Saúde? E a União, aonde é que estava? Cadê a proteção que a União deve ao povo brasileiro? A União não processou as universidades financiadoras? Cadê a integração entre a União, o Ministério da Saúde, os governos estaduais e municipais? Dá para desconfiar que houve dinheiro “por baixo dos panos”. O ato é um horror e não devia ter acontecido. As importâncias são irrisórias; se fosse nos Estados Unidos essa indenização atingiria milhões. Ah! Que país absurdo, quanta falta de ética, que falta de respeito com nosso povo! Mas é assim que o capitalismo faz mesmo, com todos os povos autóctones e os pobres, que desrespeitam, exploram e enganam. Mas não é por causa do PT, porque o PSDB é igual; a classe dominante brasileira é horrível! Em vez de estar toando terras de indígenas e ribeirinhos, a União, os Estados e Os Municípios deviam estar percorrendo o país, para prevenir a gente brasileira, contra esse tipo de abuso criminoso. Fiquei estarrecida. Que as universidades americanas vieram fazer aqui, senão levar o vetor para seus laboratórios e fabricar remédios e vacinas contra a doença, para nos venderem depois. Então que a pesquisa seja feita pelo Brasil e lançando mão de outros métodos.

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