BNDES, para exportação

A Pública – Em nome da internacionalização, financiamentos do BNDES a empreiteiras brasileiras no exterior cresceram 1185%, em dez anos, segundo estudo do Ibase. Odebrecht é líder

Por Bruno Fonseca e Jessica Mota

A partir de 2003, com a mudança de seu estatuto social, o BNDES passou a apoiar investimentos diretos a empresas brasileiras no exterior. Mas foi só em 2005 – quando se aprovaram as normas de financiamento direto internacional – que o banco se tornou um agente importante no processo de internacionalização de empresas. A seguir foram abertos os primeiros escritórios fora do país.

O primeiro, em agosto de 2009 em Montevidéu, no Uruguai, tinha o objetivo de “identificar, estruturar e facilitar negócios de interesse do Brasil na América do Sul, em especial nos países do Mercosul”. O segundo escritório internacional foi instalado três meses depois em Londres, como uma empresa subsidiária, com autonomia para realizar operações financeiras. O banco ainda se prepara para abrir um terceiro escritório em Joanesburgo, na África do Sul, com o objetivo de prospectar oportunidades de negócios para empresas brasileiras naquele continente.

O apoio do BNDES a exportações e linhas de internacionalização de empresas se dá por diversos produtos e programas. Os produtos são: o BNDES Exim (Pré e Pós-Embarque), o BNDES Finem (com as linhas de apoio à internacionalização de empresas e de aquisição de bens de capital) e o BNDES Automático. Cada uma dessas formas de apoio tem mecanismos e objetivos específicos, mas as linhas de financiamento podem ser combinadas entre si a critério do banco.

De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas  (Ibase), na área internacional de exportação – na qual o banco financia o envio de bens já existentes ou de serviços de uma empresa brasileira a outro país (Exim Pós-Embarque) – cerca de 87% dos investimentos, nos últimos dez anos, foram para infraestrutura na América Latina e para compra de bens de capital. Em 2012, o banco totalizou US$ 2,17 bilhões em desembolsos nessa pós-embarque. O contrato se dá diretamente com a empresa brasileira, ou com a empresa importadora de outro país – mas com a mediação da companhia brasileira.

Segundo o estudo do Ibase, de 1998 a 2012 o banco apoiou 48 projetos de infraestrutura na América Latina – todos vinculados a empresas brasileiras. A grande líder no ranking é a Construtora Norberto Odebrecht S.A, com mais da metade do filão. Ela teve nada menos de 26 projetos financiados pelo banco.

Houve, segundo o estudo, um crescimento de 1185%, em dez anos, no financiamento feito pelo BNDES a empreiteiras brasileiras para exportarem para outros países. O crescimento é mais que o dobro do aumento de desembolsos totais do banco nos últimos 10 anos, que foi de 500%.

O estudo do Ibase aponta que, quando a formação de grandes empresas nacionais se tornou um dos objetivos do BNDES, a expansão da infraestrutura se tornou também um ponto essencial. “Por isso, as grandes construtoras aparecem como um dos grandes parceiros do BNDES, principalmente quando se considera as ramificações dessas empresas, atuando em diversas áreas, como mineração e produtos e insumos básicos ligados a cadeia produtiva da construção civil”, diz o levantamento ainda inédito, que será publicado em dezembro.

RELAÇÃO ESTADO-EMPRESA

“A relação entre Estado e empresa é muito próxima, muito íntima. No Brasil, a ideia é que as empresas são motoras do desenvolvimento nacional, sejam elas públicas ou privadas”, diz Ana Garcia, doutora em Relações Internacionais pela PUC-Rio, pesquisadora do BRIC Policy Center e colaboradora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS). “A ideia é de que as empresas representam o Brasil no exterior”.

Para ela, “o crédito é provido para ganhar espaço de influência e poder de barganha frente a terceiros. Não frente à Bolívia, frente ao Peru ou frente ao Equador, é para ganhar poder de barganha na ONU, frente ao G20”.

Para receber um financiamento do BNDES, o caminho começa com o envio do pedido formal da empresa, acompanhado da documentação exigida de acordo com a modalidade de financiamento. Informalmente, o caminho pode ser outro, através de acordos bilaterais, como ocorreu com os projetos da construção da famigerada rodovia Villa Tunari – San Ignacio de Moxos, na Bolívia, que foi suspensa por marchas de comunidades indígenas que abalaram o governo de Evo Morales (leia mais aqui), o projeto rodoviário Hacia El Norte, também na Bolívia, e o Projeto da Ferrovia do Carare, na Colômbia.

Nesses acordos, o BNDES é nomeado como financiador, sob condição de que o governo vizinho contratasse empresas brasileiras.

SIGILO BANCÁRIO

Nenhum contrato feito pelo BNDES no exterior é tornado público. O banco alega que cláusulas de confidencialidade entre os governos não permite que contratos ou informações detalhadas sobre as negociações transpareçam.

De acordo com reportagem de Rubens Valente, da Folha de S. Paulo, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, determinou que os contratos com Cuba e Angola fossem secretos em junho de 2012. O ato foi assinado um mês depois de a Lei de Acesso à Informação ter entrado em vigor, e os documentos só poderão ser conhecidos a partir de 2027.

Em agosto desse ano, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado federal, Luciano Coutinho, presidente do BNDES, afirmou que “os contratos são sujeitos a cláusulas do país de destino. Estão sujeitos a um tratado ou a uma disposição soberana do país beneficiado por uma exportação”.

O BNDES disponibiliza em sua página dados referentes apenas à modalidade Exim Pós-Embarque, em que financia bens e serviços para exportação para diversos países na região amazônica, como o Peru, o Equador, Colômbia e Venezuela. Os valores individualizados não são fornecidos em razão do sigilo que cerca o BNDES graças ao art. 6º, I, do decreto 7.724/2012, promulgado pela presidenta Dilma Rousseff no ano passado. Também não são divulgados critérios, valores acordados, nem datas e quantias dos desembolsos realizados.

Além disso, no seu site, o banco avisa: do total de 3.273 contratações, foram excluídas 172 contratações originadas em 72 operações, das quais 4 são referentes a exportações brasileiras de bens e serviços para construção de obras de infraestrutura (tudo sob alegação de sigilo).

Para a pesquisadora Ana Garcia, essa política enfraquece o debate democrático da atuação do banco. “Qual o grau de conscientização do povo brasileiro sobre essa atuação internacional do banco? Não se discute precisamente os danos sociais, ambientais e trabalhistas nos outros territórios. A disponibilização de dados é mínima”, aponta a especialista.

Caio Borges, pesquisador da ONG Conectas, que promove os direitos humanos, explica que, no caso de investimentos internacionais “não basta confiar só na opinião do governo local”: “O BNDES alega que é uma questão de soberania, que eles não podem interferir no julgamento dos órgãos locais que dizem que a obra está legal e com todas as licenças válidas. Mas não se pode confiar nesse tipo de julgamento dos governos locais porque as instituições de vários países são frágeis, os países têm a legislação atrasada e sérios problemas de proteção de direitos humanos. Não faz sentido que o governo use essa justificativa da soberania para não agir e permitir que o financiamento do governo brasileiro, com uma empresa brasileira, gere violações de direitos humanos em território estrangeiro”, critica. Angola, um país dos países mais corruptos do mundo, segundo a organização Transparência Internacional (teve a 157ª colocação num ranking de 174 países – o Brasil está em 69º), foi o principal destino internacional das verbas públicas brasileiras em 2012: foram US$ 654 milhões na modalidade pós-embarque.

Para Ana Garcia, a postura de um banco de desenvolvimento deve ir além de incluir cláusulas genéricas de garantias ambientais, por exemplo. “É preciso questionar os projetos. Pra quem servem e pra quê”, acredita. “O banco faz um estudo de viabilidade [do projeto] completamente econômico, no viés mais puro da economia liberal. Que conceito de desenvolvimento o banco tem?”. A especialista é taxativa: “Nem pra dentro, nem pra fora do Brasil, o banco parece se preocupar com o sentido mais amplo de desenvolvimento, da vida e da forma de reprodução da vida dessas populações”.

BNDES X BANCO MUNDIAL

Com a política de expansão do BNDES, o nosso banco de desenvolvimento superou até mesmo os investimentos do Banco Mundial. O total desembolsado pelo BNDES em 2012 foi R$ 156 bilhões – o equivalente a  US$ 68 bilhões. Em comparação, o Banco Mundial desembolsou US$ 35,3 bilhões no ano fiscal 2012, entre junho de 2011 e junho de 2012.

A diferença é que, por pressão da sociedade durante décadas, o Banco Mundial tem se tornado mais rigoroso nos critérios e exigências para investimentos, segundo especialistas.

“As políticas socioambientais do Banco Mundial estão hoje num nível que se considera avançado porque começaram a ser construídas desde a década de 1980 e já passaram por várias revisões”, aponta Caio Borges, da ONG Conectas. Ele aponta a pressão social e falhas na estrutura política dos países que recebem os empréstimos como motivos para essas mudanças.

O Banco Mundial possui um Grupo de Avaliação Independente, o IEG, na sigla em inglês, que nesse ano iniciou um processo de revisão de suas políticas de salvaguardas, com consultas à sociedade civil, governos e empresas. Todas as políticas operacionais vigentes, que regem a atuação dos profissionais do banco quando no momento de análise de um financiamento, são disponibilizadas para conhecimento do público (veja aqui).

Ainda assim, mesmo o Banco Mundial – que está bem à frente do nosso BNDES – deveria ser mais rigoroso, dizem organizações como o Bank Information Center (BIC), com sede em Washington. Como parte do processo de consulta pública, o BIC elaborou, ao lado de organizações como Human Rights Watch e Global Witness, um extenso relatório pedindo, além das salvaguardas relacionadas a direitos humanos e meio ambiente, critérios em relação a direitos de povos indígenas, reassentamento, igualdade de gênero e direitos das mulheres e crianças. Para a pesquisadora Ana Garcia, ainda falta muito para o Banco ser um exemplo: “O Banco Mundial condiciona esses empréstimos a uma melhoria do ambiente para acumulação capitalista nesses Estados, e não necessariamente em prol dos direitos humanos ou das populações”.

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