‘Justiça’ faz a sua parte e joga gasolina no fogo do conflito fundiário de MS

Crianças indígenas da comunidade Ypo'i
Crianças indígenas da comunidade Ypo’i (Foto: Marcelo Christovão)

Nota: o nome da juíza em questão, que merece ser conhecido, é Ana Beatriz dos Santos Neves, da vara da Justiça Federal de Naviraí, MS. A reação da Aty Guasu a essa decisão pode ser lida em Aty Guasu: Carta da comunidade do Yvy Katu, Japorã (MS). #IntervençãonoMSjá(Tania Pacheco).

Por Marcelo Christovão

Decisão judicial sobre ocupação em Japorã (TI Yvy Katu) diz que índios de MS “adotam táticas de guerrilha”. Isso num contexto de leilão de ruralistas para contratar milícia armada e promessas vazias do governo federal de resolver o conflito fundiário.

“Saliente-se, ademais, que, conforme relato da Polícia Federal, os indígenas na região encontram-se com postura agressiva e com características de guerrilha e forte oposição ao Estado: durante a conversa, diversos indígenas vieram das proximidades e se juntaram à ocasião, todos armados com arco e flecha, facões, lanças, rostos mascarados. Assim, deverão os indígenas restringir-se à área de 10% (dez por cento) da fazenda. Findo o prazo de dez dias sem cumprimento voluntário da ordem, o que deverá comunicado nestes autos, oficie-se à Polícia Federal para cumprimento”. 

Para quem quiser ver a decisão, só colocar este número em consulta processual: 0000001-60.2004.4.03.6002, após optar pelo estado de Mato Grosso do Sul (há também a opção São Paulo).

Para saber mais sobre Yvy Katu, terra que já foi declarada indígena mas cuja demarcação dorme nas gavetas da presidente Dilma: http://blog.prms.mpf.mp.br/tekoha4/.

Complemento de Combate Racismo Ambiental

Trecho final da ‘decisão’ (grifos nossos):

“Nesse contexto, por mais legítima que seja uma pretensão – no caso, a indígena -, sua defesa não pode se fazer às margens da legalidade e da ordem, sob pena de subversão do Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição de 1988. Nesse sentido, o exercício arbitrário das próprias razões pelos indígenas, aliada à prática de ameaças e danos conforme relatado, consistem em práticas criminosas que não devem ser respaldadas pela inércia do Estado, mas sim por este evitadas. Assim, ainda que se trate de terras indígenas, não se autoriza a retirada dos ocupantes (que provavelmente se encontram de boa-fé, visto possuírem justo título e deterem a posse por longo período de tempo, inclusive com cultivo das terras) sem o devido processo legal, sem qualquer prazo para desocupação, sem que seja realizada pelo órgão competente, sem que haja vistoria para a garantia do direito à indenização por benfeitorias e, além disso, mediante ameaças, depredações e uso da violência, como tem sido relatado. Ressalte-se, ainda, que, no presente caso, não obstante a suspensão do feito, as decisões têm sido favoráveis à posse da autora. Saliente-se, ademais, que, conforme relato da Polícia Federal, os indígenas na região encontram-se com postura agressiva e com características de guerrilha e forte oposição ao Estado: “durante a conversa, diversos indígenas vieram das proximidades e se juntaram à ocasião, todos armados com arco e flecha, facões, lanças, rostos mascarados”, tendo sido encontradas também armas de fogo. Nesse contexto, a suspensão do feito não desautoriza a tomada de medidas urgentes com fulcro no art. 266 do CPC, como já anteriormente assinalado às fls. 2258/2261. Por sua vez, fato é que as medidas determinadas pela decisão de fls. 2258/2261 e ampliadas às fls. 2335/2336 mostraram-se até então insuficientes para conter a ordem na região, conforme contexto mencionado acima. Dessa forma, as medidas devem ser mais uma vez elas tecidas para, diante do novo contexto fático, preservar-se o resultado útil do processo (art. 798 do CPC). Nesse sentido, a fim de compatibilizar a suspensão do feito e a necessidade de elastecimento das medidas urgentes que vêm sendo tomadas na esteira das decisões anteriores (fls. 2258/2261 e fls. 2335/2336), entendo ser razoável restabelecer o status quo anterior à decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região que suspendeu o feito, a fim de que a nova decisão que restabelecer seu andamento normal não venha a deparar-se com estado de coisas que torne impossível ou de difícil consecução nova ordem judicial a ser proferida, seja qual for a parte vencedora. Assim, deverão os indígenas restringir-se à área de 10% (dez por cento) da fazenda, nos termos decididos às fls. 367/384, 404 e 419/457, devendo ser consignado que não se trata de execução da decisão mencionada, já não mais vigente, mas sim medida de manutenção do estado de coisas presente quando da decisão do agravo de instrumento n. 00667378720054030000 até que cesse a suspensão nele determinada. Diante disso, determino a cessação, pelos indígenas, dos atos de turbação, esbulho e depredações na Fazenda São Jorge, devendo os mesmos retornar aos 10% (dez por cento) da área que passaram a ocupar em virtude de decisão judicial proferida neste feito (fls. 367/384, 404 e 419/457). Intime-se a comunidade indígena, a FUNAI e a União para cumprimento. A desocupação deverá ser efetuada no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de remoção forçada. Saliento não haver violação ao art. 231, 5º, da Constituição Federal, visto que a posse tradicional indígena sobre a terra ainda é questão controvertida não apenas nestes autos quanto no feito n. 0001123-62.2005.403.6006. Findo o prazo de dez dias sem cumprimento voluntário da ordem, o que deverá comunicado nestes autos, oficie-se à Polícia Federal para cumprimento.Intimem-se. Ciência ao Ministério Público Federal. Cumpra-se, com urgência.

 Disponibilização D.Eletrônico de despacho em 18/11/2013, pag 706/710.

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