Um belo exemplo de ação política e resistência: Indígenas exercem seus direitos e plebiscito proíbe mineradora em estado do sul da Índia

Liderança da Índia

Povo Dongria Kondh liderou campanha em 12 aldeias durante três meses, até agosto; todas elas votaram contra mineradora na região de Orisha, em defesa de seu território e seu modo de vida 

Opera Mundi

Lado Sikaka, principal líder do povo Dongria Kondh, se transformou neste ano em símbolo da resistência indígena na Índia ao comandar a defesa de seu território no plebiscito que permitiria ou não a exploração dos recursos naturais do estado de Orisha.

Quando questionado sobre as operações da Vedanta, corporação mineradora hindu com sede em Londres que pretendia trabalhar sobre os 72 bilhões de toneladas de bauxita da região, a resposta era sempre a mesma.  “Meus filhos podem sobreviver uma seca de um ano comendo raízes, tubérculos e fungos. Eu sei que a floresta velará por eles depois que eu tenha partido. O dinheiro por vender os bosques não vai servir de nada para eles.”

No sul do estado de Orisha, no nordeste da Índia, o bosque tropical é atravessado por centenas de riachos e o solo é avermelhado (pela riqueza mineral, sobretudo ferro e bauxita). Ali é possível admirar uma fauna diversa, como tigres e ursos, e é ainda mais comum cruzar com algum dos grupos armados em permanente conflito: os guerrilheiros maoístas e o corpo paramilitar da polícia, que patrulha o estado em trajes civis.

De acordo com estatísticas oficiais, não existe ali nem uma única clínica de saúde, apenas algumas escolas (nenhuma em kui, a língua local). A malária, e em particular a malária cerebral, é uma endemia que afeta grande parte dos oito mil Dongria Kondh, que se autodenominam Jharnia, “protetores de correntes”.

E agora, após vencerem o plebiscito de agosto e proibirem a exploração mineral,  passaram a ser tão famosos que muitos meios de comunicação os chamam de povo “Avatar”, pela sólida e decidida defesa de seu território.

O valor do dinheiro

A história começou pouco mais de 15 anos atrás, quando o magnata hindu Anil Agarwal, que vive em Londres e é dono da Vedanta, começou a delinear grandes projetos mineradores para um dos estados mais ricos em recursos e com população mais marginalizada da Índia. Orisha teria minas por todos os lados, portos para exportar metais para a China e uma porção de imensas refinarias. O governo do estado, desde então, ficou encantado e começou a facilitar tudo para a mineradora… mas não contou com os planos dos indígenas.

Para Felix Padel, antropólogo britânico especialista em conflitos de mineradoras em terras indígenas, este fenômeno acelerado de sobre-exploração é uma tendência irracional que “desafia a capacidade de sustentação dos ecossistemas da Índia”. “Os ecossistemas necessitam da oposição de qualquer maneira possível das comunidades afetadas, que agora entendem os custos de tudo isso bastante bem.”

De qualquer maneira, os povoadores da região começaram a receber notificações de compra e despejo em 2002. Os Dongria Kondh começaram aí a manifestar seu desacordo. E por sorte alguns burocratas honestos impediram as ações.

Em março de 2005, o Ministério do Meio Ambiente e das Florestas deteve a construção da refinaria por causa do desmatamento causado em 60 hectares de mata. Foi o começo de uma série de batalhas legais. Durante cinco anos, a batalha aconteceu no cenário dos escritórios. Até que o governo decidiu, em agosto de 2010, negar à Vedanta a permissão para operar em Niyamgiri.
O governo de Orisha levou, então, o caso para a Corte Suprema. Enquanto isso, as mineradoras e os funcionários do estado ofereceram cada vez mais e mais dinheiro e desenvolvimento (saúde, educação, trabalho) aos Dongria Kondh, mas ninguém pôde convencê-los a deixarem suas terras.

Ganhar por goleada

Em fevereiro, a Corte Suprema da Índia emitiu sua sentença, de 88 páginas, que ordenava ao governo de Orisha organizar um plebiscito na região de Niyamgiri com as comunidades afetadas. A partir do resultado da votação, poderiam tramitar permissões e licenças para as mineradoras e a refinaria.

Padel, tataraneto de Charles Darwin, vê com esperança os efeitos da sentença. “Mostra a democracia de base trabalhando, alinhada com as leis que protegem as florestas e os direitos indígenas. Há outra decisão recente da corte que diz, além disso, que o que está no subsolo não necessariamente pertence ao Estado.”

O governo de Orisha trabalhou três meses (o limite de tempo fixado pela sentença) para delimitar o alcance do plebiscito. Selecionou a seu gosto 12 aldeias na região que seriam consultadas em assembleias gerais… duas delas não indígenas e outras de longe do território de Dongria Kondh. E anunciou que tudo seria realizado nos últimos meses de julho e agosto, logo depois da temporada mais forte de chuvas.

Lado Sikaka e um grupo de Dongria Kondh visitaram todas as aldeias para explicar seus motivos. A ONG Survival International, que há anos acompanha a luta deles, produziu um vídeo (ver abaixo) que foi mostrado massivamente durante as semanas prévias à votação.

Os meios de comunicação se transformaram em um amplificador curioso: cada resultado da assembleia geral era publicado como se fosse um placar esportivo. Nas aldeias, as pessoas votavam ante funcionários de justiça e do governo estatal que tentavam influenciá-los em favor da mineração. No dia 19 de agosto, Jerapa votou, a última das aldeias selecionadas. E o resultado foi 12 a 0 a favor dos Dongria Kondh e seu deus-colina.

Felix Padel explica assim o resultado: “A realidade é que os conceitos alheios de desenvolvimento estão sendo impostos às comunidades indígenas com a intenção de destitui-las, e as centenas de comunidades que se opõem a projetos destrutivos da Índia são prova disso.”

No dia seguinte, 20 de agosto, as ações da filial da Vedanta encarregada de levar adiante a refinaria e a exploração de Niyamgiri caíram quase 30% na bolsa de Londres.

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