Viadutos ilegais: o que o Tribunal Federal não viu

Foto: TV Verdes Mares/Reprodução
Foto: TV Verdes Mares/Reprodução

Por João Alfredo Telles Melo*

Aqueles que militam, estudam e pesquisam o Direito Ambiental e Urbanístico estranhamos as decisões do Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior, quando, no exercício da Presidência do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, deliberou, por duas vezes, a suspensão de liminar concedida pelo magistrado da 6a. Vara Federal de Fortaleza, Roberto Machado, que mandara sustar a construção dos viadutos por sobre o Parque do Cocó.

Primeiro, porque, em sua decisão de 29 de agosto, o Presidente em exercício do TRF5, além de suspender a liminar e autorizar o prosseguimento das obras, determinou a adoção de “medidas necessárias para a desocupação do local” (sic). Ora, a Lei Federal 8437/92, em seu art. 4o., não lhe faculta esse poder, vez que estabelece, apenas, lhe competir “suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar”. Sua Excelência, com todo o respeito, extrapolou.

Segundo, porque o Desembargador Edilson Nobre acolheu como verdades absolutas todos os argumentos da Prefeitura de Fortaleza, alguns questionáveis (como o de que os viadutos seriam a melhor opção para a cidade), outros completamente desprovidos de fundamento, como a de que o dano ambiental “apresenta-se apenas como uma mera suposição”!!!

Ora, o dano ambiental já havia sido constatado no Relatório de Vistoria realizado em junho pelo IBAMA, que verificou o desmatamento realizado “na zona costeira do estado, em área de manguezal, considerada pelo Código Florestal área de preservação permanente, além de ser considerada como área de relevante interesse ambiental para a cidade de Fortaleza”. Como então falar em “mera suposição”?

Mas, o pior foi aceitar o argumento de que não acontecera fato novo. No Parecer Técnico da 4a. Câmara do Ministério Público Federal (MPF), se constatou que a área desmatada foi “muito maior que a autorizada”. Fato, portanto, que não havia sido verificado no Parecer do Ibama (que embasou o primeiro embargo da obra). Diz mais aquele parecer – que veio a fundamentar a segunda suspensão da obra – que, “se for considerada também a área fortemente impactada, houve supressão de vegetação em um total de 0,76 ha., área mais de três vezes maior que a autorizada”.

Se tudo isso é estranhável, o fato do pleno do próprio Tribunal não ter acolhido as ponderações do recurso do MPF e ter referendado essas decisões, significa dizer que não levou em conta dois fatos fundamentais, que embasaram a decisão de suspensão da obra, na Ação Civil Pública do Procurador Oscar Costa Filho.

Primeiro, a inexistência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e de seu relatório (EIA/RIMA) para a obra, na forma exigida pela Lei Federal 7661/88, em seu art. 6o., § 2o. O que há é um Plano de Controle Ambiental (PCA), estudo que é muito menos complexo do que o chamado EIA/RIMA. A Prefeitura fala em um suposto EIA/RIMA em 2003, mas, ali, o projeto era outro. E – pasme-se! – juntou outro PCA (no caso, o do primeiro projeto). Portanto, não há EIA/RIMA específico nem para o primeiro nem para o projeto atual de viadutos para a área!

Mas, o mais grave – se é que dá para mensurar tantos equívocos – é se desconhecer solenemente o que estabelece o Plano Diretor de Fortaleza (Lei Complementar 62/2009) em pleno vigor. Ali, em seu art. 66, aquela área (que corresponde à do Parque do Cocó) é definida como uma ZPA (Zona de Proteção Ambiental), cujos índices de ocupação e edificação são 0,0 (ZERO!) e tem como índice de permeabilidade: 100% (ou seja, não pode nunca ser pavimentada aquela área, como quer a prefeitura e, equivocadamente, autorizou o Patrimônio da União).

Mais claro, impossível! Mas, se ainda restar dúvida, se consulte o art. 64, quando ao falar dos objetivos da ZPA, estabelece, como o primeiro deles, a “preservação dos sistemas naturais”, sendo permitido apenas o “uso indireto dos recursos naturais”, que é aquele que não evolve “consumo, coleta, dano ou destruição desses recursos”. Ou seja, o Plano Diretor de nossa cidade impede, de forma absolutamente clara e definitiva, qualquer intervenção naquela área.

Poder-se-ia falar, ainda, nos Princípios do Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e da Precaução, mas, somente os dispositivos acima citados já seriam suficientes para que o Tribunal mantivesse a sensata, justa e correta decisão do Juiz Roberto Machado. Ainda assim, a esperança de que a Justiça Ambiental seja feita ainda resiste.

João Alfredo Telles Melo é advogado, professor de Direito Ambiental e Vereador pelo Psol em Fortaleza.

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