RJ – Rolnik pede veto à saída de famílias do Horto

Rogério Daflon, do Canal Ibase

Duas semanas após o anúncio do Ministério do Meio Ambiente de que removerá 520 das 621 famílias que residem no Horto Florestal, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a arquiteta, urbanista e relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU, Raquel Rolnik enviou uma carta ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, pedindo a revisão do caso. No documento,  a urbanista reitera sua preocupação quanto a possíveis violações de direito à moradia adequada na comunidade, no bairro do Jardim Botânico, já que há um clima de remoção iminente, com base nas leis ambientais.

Em seguida, a relatora pede para que o presidente do STF dê especial atenção e se pronuncie quanto ao mandado de segurança enviado pelos advogados das famílias para assegurar sua permanência no Horto. Joaquim Barbosa, porém, não se pronunciou até agora. Raquel pede uma solução pactuada. Ela mesma, em seu blog, explica por que, publicando um artigo lúcido do advogado Edésio Fernandes, um dos nomes mais respeitados no tema da regularização fundiária. No artigo, Edésio dá um chega para lá na obscuridade do debate. Em um tos trechos diz que, “se em uma mesma situação valores de preservação ambiental e moradia de interesse social estiverem envolvidos, todos os esforços têm que ser feitos para encontrar um equilíbrio entre esses dois valores.”

O advogado cita o Estatuto da Cidade e o instrumento do próprio estatuto que confere o direito à moradia das famílias do Jardim Botânico. Trata-se da concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM), que é um direito real restrito que não transfere a propriedade plena do bem público. Ele informa que foram os próprios moradores que buscaram a Justiça exigindo esses direitos. Sem desprezar o direito ambiental, mas sim lhe dando o mesmo peso do direito à moradia, Edésio diz que um meio-termo é possível, desde que todas as leis em questão sejam levadas em conta, respeitando o meio ambiente e os moradores do Horto.

O link do blog de Raquel Rolnik onde o texto de Edésio Fernandes pode ser encontrado.

Abaixo, a carta de Raquel Rolnik:

Excelentíssimo Ministro Doutor Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal

Como Relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada da Organização das Nações Unidas (ONU) tenho a missão de examinar, monitorar, aconselhar e relatar a situação do direito à moradia no mundo, promovendo a assistência a governos (em suas diferentes esferas e poderes constituídos) e a cooperação para garantir a implementação do direito à moradia adequada. A moradia adequada foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 25, § 1o), tornando-se um direito universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas. Diversos Pactos Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário incluem o direito à moradia, obrigando o Estado Brasileiro a protegê-lo, promovê-lo e efetivá-lo. Cito, a título de exemplo, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu Protocolo Adicional em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Tomei conhecimento, através de notícias da mídia e de mensagens enviadas por organizações da sociedade civil, que a comunidade situada no Horto, bairro Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro, encontra-se ameaçada de remoção em função de ações judiciais movidas, na década de 1980, pela União. De acordo com o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, a comunidade encontra-se situada em área pertencente ao Instituto, bem publico federal, e por isso estaria contrariando a destinação original deste, ensejando sua retirada do local em que habitam há décadas. Por outro lado a Superintendência de Patrimônio da União, órgão gestor dos bens públicos federais, iniciou um processo de regularização fundiária da população para garantir o direito à moradia das famílias, em consonância com a legislação patrimonial (Lei Federal no 11.481/2007) para fazer cumprir a função socioambiental da propriedade pública e a efetivação dos direitos humanos da população, especialmente do direito à moradia adequada. Acreditamos que existam soluções possíveis para garantir tanto o direito do Instituto de Pesquisas a exercer plenamente suas funções, assim como o direito das famílias. Existe, inclusive, mais de um projeto que busca compatibilizar a efetivação de ambos os
direitos.

Nesse sentido, venho por meio desta carta pedir que seja conferida atenção especial ao Mandado de Segurança 31707, no qual Vossa Excelência foi apontado como Relator. Seria extremamente importante, se fosse possível, a urgência de seu pronunciamento acerca dos pedidos liminares consignados naquele processo, tendo em vista que a remoção das famílias é iminente. Seu pronunciamento sobre tais questões processuais pode ser fundamental para que se evite eventuais violações ao direito à moradia adequada e para que se alcance uma solução pactuada e eficaz para a situação posta. Aproveito o ensejo para colocar esta Relatoria inteiramente à Vossa disposição no que quer que seja necessário para avançarmos na garantia, promoção e efetivação do direito à moradia através da nobre tarefa jurisdicional exercida por Vossa Excelência. Desde já agradeço a atenção dispensada,

Raquel Rolnik

Relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU.

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