MG – Estado lança 1,7 bi de litros de esgotos por dia em seus mananciais

Flávia Ayer

Governador Valadares e Congonhas – Noca não é de muitas palavras. Chega à beira do córrego preto e mal cheiroso, “lava” as mãos e atravessa sem render conversa. “Tem água bem mais suja que essa, moça”, diz, ao alcançar a outra margem do Ribeirão do Onça, tributário do Rio das Velhas para onde escorrem dejetos da capital e de Contagem. O ribeirinho, morador da Região Norte de BH, é a imagem de uma Minas Gerais que deu as costas ao esgoto e relegou seus cursos d’água a poços de imundície, crente que o impasse acabaria quando o rio seguisse seu curso. Apesar de a mortandade de peixes e a inviabilidade de mananciais serem problemas reais, o estado ainda não desviou 1,7 bilhão de litros de detritos – volume informado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) – lançados diariamente rumo aos mesmos rios elençóis freáticos que fornecem água de beber aos 19,5 milhões de mineiros.

Apenas 101 dos 853 municípios em Minas tratam seus dejetos, de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Segundo o órgão, que fiscaliza a implantação das estações de tratamento de esgoto (ETEs), o estado tem capacidade instalada para limpar menos de 40% dos 2,3 bilhões de litros de dejetos gerados por dia.Capacida de que, inclusive, está subutilizada, diante da dificuldade de levar o esgoto à estação.

Diagnóstico do Snis sobre o assunto aponta que Minas trata somente um quarto (25,9%) do volume gerado. O índice fica abaixo da média nacional de 37,8% e é o pior no Sudeste. De acordo com a Deliberação Normativa 96/06, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), municípios acima de 20 mil habitantes, que reúnem 74% da população mineira, já deveriam estar tratando seus dejetos.

O último prazo para adequação venceu em março. “O esgoto é o maior problema dos nossos rios. A matéria orgânica é alimento para bactérias, que ser e produzem e diminuem o oxigênio na água, comprometendo todo o ecossistema. Sem falar nas bactérias patogênicas, como o vibrião do cólera e a salmonela, protozoários, vermes e vírus transmissores de doenças e presentes nas fezes”, diz o professor titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais Marcos von Sperling.

Se cidades como Sete Lagoas, Sabará e mais 750 nem sequer tratam seus dejetos, outras contam com equipamentos ociosos, à mercê do vandalismo. É o que ocorre em Ribeirão das Neves, onde a ETE do Bairro Veneza, com obras paradas, já foi pichada e depredada por vândalos. Enquanto a estrutura, com inauguração prevista para o fim do ano pela Copasa, se degrada, o esgoto continua a poluir o Ribeirão das Neves, tributário do Velhas, da bacia do São Francisco. Mas é na Região Metropolitana de BH, ao longo dos ribeirões do Onça e Arrudas, que está o maior exemplo de quando um curso d’água vira canal de podridão. Na foz do Arrudas, em Sabará, na Grande BH, o caldo cinza revela a morte do curso d’água. Hoje, os únicos ao cupar o ambiente são cágados, ratos e  capivaras.“Não sei como sobrevivem”, comenta e mecânico de bicicletas Antônio José Peres, de 55 anos,quase a metade vividos no local.“

Sabará não trata o esgoto, e BH diz que trata. Mas como é que a água fica desse jeito?”, questiona. Não é exclusividade da Grande  BH. Em Governador Valadares, com 263,6 mil habitantes, no Vale do Rio Doce, o esgoto denuncia uma contradição comum em Minas. O mesmo Rio Doce que abastece o município e outros, rio abaixo e acima, é o canal para onde jorram canos de descarga doméstica sem qualquer tratamento. Em Congonhas, na Região Central, o cheiro do esgoto lançado no Rio Maranhão, na Bacia do Rio Paraopeba, beira o insuportável, mas se tornou habitual para Márcio Antônio Teixeira, de 61, pescador, que assiste à cena, inconsolável. “Dói na gente ver isso. Tudo é jogado dentro do rio desde Conselheiro Lafaiete. Não pesco mais na minha terra. Chego a viajar 400 quilômetros até Três Marias”, conta.

SALTO – O presidente da Feam, Ilmar Bastos Santos, ressalta que, na última década, o salto foi de 100 mil pessoas com tratamento de esgoto para 7,6 milhões, e que o estado destinará até o fim do ano R$ 2milhões apenas para a elaboração de projetos executivos de ETEs. “Autuar somente não resolve o problema, estamos buscando dar apoio técnico. Há recurso disponível, mas faltam bons projetos.” Mesmo com os investimentos, o monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) sobre Índice de Qualidade da Água (IQA), que reflete a contaminação em decorrência da matéria orgânica e fecal, apontou, na piora última década.

A ocorrência de amostras com IQA ruim passou de 17% para 21% e do IQA bom, caiu de 31% para 17%. “Isso se deve ao crescimento urbano e da população. Mas, se avaliarmos o salto do Produto Interno Bruto (PIB) e do número de habitantes, a piora não foi tão grande. Também aumentamos nossa rede de monitoramento (hoje são 543 estações para analisar quatro índices) e,à medida que se amplia, há uma mudança nos resultados”, justifica a diretora de Pesquisa, Desenvolvimento e Monitoramento das Águas, Jeane Dantas de Carvalho.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/07/08/interna_gerais,304862/estado-lanca-1-7-bi-de-litros-de-esgotos-por-dia-em-seus-mananciais.shtml#.T_l3YL8PkUc.gmail. Enviada por José Carlos.

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