Justiça nos Trilhos – quem é o Davi que colocou a Vale como a pior empresa do mundo?

Entrevista do padre Dário Bossi, um dos coordenadores da rede

Por: Rogerio Almeida

A Vale acaba de ser eleita a pior empresa do mundo pelo ‘Public Eye Award’, que reúne o Greenpeace e a Declaração de Berna, que elegem desde 2000 a corporação que viola os direitos humanos e não respeita o meio ambiente. O documento base com as denúncias contra a Vale foi encaminhado pelo coletivo Justiça nos Trilhos, nascido no município de Açailâdia, oeste do Maranhão. A região abriga uma parte do polo de gusa de Carajás, que é abastecido pelo minério extraído na mina homônima, que fica no sudeste do Pará. Somente essa cadeia de gusa fomenta a devastação florestal, a poluição dos recursos hídricos e o trabalho escravo. Numa mobilização que iniciou em 2007, e ganhou uma articulação internacional em 2009, com a realização do Fórum Social Mundial em Belém, conseguiu colocar na berlinda a mega corporação que opera em várias frentes na Amazônia. O missionário Camboniano, Padre Dário Bossi, um dos coordenadores da rede, que agora é mundial, avalia o significado de ter colocado a mega corporação em xeque.

Furo – O que é o Justiça nos Trilhos?

Padre Dário – Justiça nos Trilhos é uma rede de entidades, movimentos, comunidades atingidas e pesquisadores universitários que monitora os impactos provocados pela Vale e o Programa Grande Carajás no Pará e no Maranhão. Essa rede nasceu no final de 2007, teve uma primeira projeção nacional e internacional em ocasião do Fórum Social Mundial de Belém/PA em 2009 e consolidou ao longo dos anos a rede internacional. Nasceu assim o Movimento Internacional dos Atingidos pela Vale, autor de um dossiê sobre as violações da empresa em várias partes do mundo e de várias formas de mobilização organizada, entre as quais a participação crítica às assembleias de acionistas da companhia.

O Justiça nos Trilhos tem como objetivo proporcionar para a região de Carajás um modelo de vida e sustentação econômica que não seja agressivo para as comunidades e territórios. Escolher um contexto geográfico delimitado e monitorar especificamente uma empresa são estratégias para enfrentar, em rede com outros movimentos, o próprio modelo de desenvolvimento que está impondo novamente aos países das periferias do mundo um modelo neo-colonizador.

Furo – O que é a região de Carajás?

Padre Dário – A região de Carajás é conhecida internacionalmente por hospedar a mina de ferro com maior qualidade do mundo (e uma reserva minerária de 19 bilhões de toneladas de ferro). O corredor de Carajás liga Parauapebas (a mina) e São Luís (o maior porto comercial da América Latina, de onde o minério é exportado, em grande maioria para a China). A linha de ferro que une a mina e o porto tem 892 Km de comprimento e nela passam a cada dia 12 trens carregados de minério e outros 12 voltando para re-abastecer. O valor bruto transportado a cada dia pelo trem corresponde a cerca de 50 milhões de reais. Ao lado da ferrovia vivem comunidades com o menor IDH do País, sobrevivendo com menos de um salário mínimo por mês. Carajás, então, é símbolo desse modelo de desenvolvimento, que enriquece poucos às custas de muitos impactos.

Furo – Quais as principais estratégias que o coletivo usa para enfrentar a gigante Vale?

Padre Dário – Como o pequeno Davi escolheu cinco pedrinhas para enfrentar o gigante Golias, assim também nossa rede tem que aprimorar, a cada dia, as técnicas do enfrentamento. Até hoje temos trabalhado na denúncia mediática (pois a Vale continua promovendo uma maquiagem de empresa ‘socialmente e ambientalmente responsável’: é necessário desfazer essa falsa imagem); também temos construído várias denúncias no âmbito jurídico, tanto nos tribunais como com representações ao MPE e MPF; outra estratégia é a formação popular e a construção de uma rede de comunidadades que se reconheçam na categoria de ‘atingidos’; temos uma dimensão de rede internacional que é muito importante: encontros internacionais dos atingidos, dossiês sobre os impactos nos vários países, participação internacional à assembleia dos acionistas, intercâmbios…Enfim, cuidamos de alternativas possíveis em nossos territórios, como a agroecologia e a economia solidária, além do estudo de modelos alternativos de redistribuição da renda da mineração.

Furo – Como o coletivo avalia a visibilidade mundial da luta contra a Vale?

Padre Dário – Com o prêmio ‘Public Eye Award’ a visibilidade mundial aumentou muito. A imprensa internacional está buscando vários representantes dos atingidos pela Vale e finalmente aparece um rosto da empresa que ela estava cuidadosamente escondendo. Esperamos que com isso a Vale diminua a arrogância com que geralmente lida com quem a critica, e aceite de rever suas práticas junto às comunidades e territórios.

Furo – Qual o significado político da vitória do coletivo?

Padre Dário – Emerge a força de um movimento que está geograficamente distante, mas unido pelas mesmas violações sofridas. Até nós ficamos surpreendidos pela força e o impacto dessa resposta: conseguir 25mil votos em 21 um dias é sinal de um grande descontentamento e da importância de continuar com essa agregação progressiva.

http://forumcarajas.org.br/

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