Frente Contra a Privatização da Saúde: SUS público e estatal sai vitorioso da 14ª Conferência

O Sistema Único de Saúde (SUS) público, estatal e sob a administração direta do Estado saiu vitorioso da 14ª Conferência Nacional de Saúde. Durante o evento, realizado entre 30 de novembro e 4 de dezembro, em Brasília, a maioria dos delegados do país rejeitou todas as propostas de privatização da saúde – Organizações Sociais (OSs), Fundações Estatais de Direito Privado, Organizações da Sociedade Civil de InteressePúblico (Oscips), Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Parcerias Público-Privadas

Por Fernando Taylor

Em votação nos Grupos de Trabalho e na Plenária Final, os delegados ainda se manifestaram a favor das propostas de fortalecimento do SUS: garantia de acesso universal, equânime e integral aos serviços de saúde geridos com qualidade pelo Estado; pela defesa do aumento do financiamento para o SUS, exigindo a imediata regulamentação da Emenda Constitucional 29 e a destinação de 10% da Receita Corrente Bruta para a saúde; realização de concursos públicos; definição de pisos salariais e Planos de Cargos e Carreira para todos os trabalhadores; melhores condições de trabalho, entre outras.

Apesar da vitória, a Plenária Final terminou de forma polêmica. Perto do encerramento dos trabalhos, às 16h de domingo e com o auditório principal sendo esvaziado, surgiu a proposta de apresentar uma carta política elaborada pela comissão organizadora, em conjunto com o relatório final produzido durante as deliberações. O fato gerou bate-boca entre membros da mesa diretora e delegados, que alegaram que ela não estava prevista no regulamento e não foi dado tempo e condições para ser debatida pelas delegações, nos grupos e mesmo na Plenária.

Então, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assumiu o microfone para defender a leitura do documento e solicitou que a Plenária votasse se a Conferência teria ou não uma carta política. Os delegados ainda presentes votaram a favor da apresentação. Ao fim da leitura, o texto da carta foi aprovado sob um forte protesto de delegados revoltados com a manobra.

Representando a Asfoc-SN na Conferência e integrando a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, Geandro Ferreira Pinheiro, membro da diretoria do Sindicato eleita para o triênio 2012-2014 e servidor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) fez coro contra a manobrado governo. “Foi melancólico! Existiram problemas tanto de método quanto de conteúdo. A carta foi elaborada nos bastidores, onde algumas entidades foram chamadas, menos para que pudessem contribuir com a escrita, mas para convencê-las de que era necessária. Muitas entidadesse negaram a apoiar, pelo entendimento de que não era transparente o modo como o processo estava se dando. Não foi democrático! O movimento entendeu isso como golpe, defendendo o relatório, esse sim amplamente discutido, como o produto político da Conferência. Alegam ser uma síntese do relatório, mas há questões constantes na carta que contradizem o relatório. Acredito também que o ministro criou uma tensão desnecessária com os delegados, não precisava nada disso. Se fosse apresentada a proposta da carta logo no início da Conferência, que pudesse permitir contribuições na feitura e a submissão ao coletivo, seria uma carta legítima. Se fosse prevista, discutida, desenhada, debatida, apreciada e qualificada, ninguém ia se opor”.

A Frente Nacional, composta por diversas entidades, movimentos sociais, sindicatos, entre eles a Asfoc-SN, centrais sindicais, partidos políticos, fóruns de saúde e projetos universitários, criticou a ação em comunicado à imprensa. “Não podemos deixar de denunciar o desrespeito ao controle social por parte do governo Federal ao final da Plenária. O governo Federal, defensor das mais diversas propostas privatizantes, visando esconder a sua derrota política nas propostas votadas pelo conjunto de delegados de todo Brasil, apresentou uma“carta síntese” que não traduz o teor político das conferências e lutas travadas no dia a dia pelos militantes, usuários e trabalhadores da saúde, trazendo apenas um resumo com a intencionalidade de mostrar um “falso consenso”, excluindo os importantes pontos em que o governo foi derrotado, como a defesa de um SUS 100% público e estatal e a rejeição a todas as formas de gestão privatizantes”, informa a nota.

O secretário-geral da 14ª Conferência Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, também não poupou críticas. “A dita “carta”, construída a partir de sucessivas reuniões a portas fechadas com entidades, instituições e movimentos, que foram um a um contemplados de alguma forma nas suas reivindicações, feriu o regulamento da Conferência, foi imposta ao Plenário, que não a queria, da forma mais autoritária que já vi na minha militância. Trata-se, na verdade, de um relatório paralelo, uma verdadeira tese que deixa o relatório final e as diferenças em segundo plano, principalmente por não fazer qualquer referência às OSs, Oscips, Fundações, Empresas e outros “parceiros” privados, enquanto gerentes dos serviços do SUS”.

Da organização à vitória – O resultado final da 14ª Conferência foi construído à base de muita organização do movimento, com reuniões estratégicas, distribuição de materiais de apoio às discussões, como uma cartilha com as teses da Frente Nacional, atos políticos e de mobilização.

Para marcar a abertura da Conferência, no dia 30 de novembro, militantes caminharam a partir da Catedral de Brasília, passaram pela Esplanada dos Ministérios e encerraram a marcha com um ato em frente ao Congresso Nacional. Durante o percurso, os manifestantes carregaram inúmeras faixas e gritaram palavras de ordem em defesa do SUS e contra a privatização. “Só o povo organizado e unido, só com democracia, saúde e socialismo vamos conseguir avitória”, afirmou em frente ao Parlamento, em cima do carro de som, a professora adjunta da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Riode Janeiro (Uerj) e integrante do Fórum de Saúde do Rio e da Frente Nacional contra Privatização da Saúde, Maria Inês Souza Bravo.

Questionado no mesmo dia sobre o motivo pelo qual a população não desperta para a defesa do SUS, Francisco Batista Júnior afirmou que o erro está na comunicação com a sociedade. “O que está na raiz é a falta de informação, ou ainda mais grave, a contra-informação (…). Estamos pecando em não nos comunicar corretamente com o povo, deixando muito claro para ele que, se por um lado é importante parcela considerável passar a ser incluída no mercado de consumo, muito mais importante é essa população ter cidadania; e cidadania a gente não tem ainda, democracia a gente não tem ainda! Quando conseguirmos dialogar corretamente com a sociedade brasileira, a respeito dos direitos fundamentais e basilares, vamos trazer a população para ser nossa aliada, trazer a população para, em vez de ela comprar um plano de saúde, fazer a defesa do SUS em primeiro lugar. Esse é o grande desafio!”, afirmou Júnior, durante a mesa especial sobre o documentário do cineasta Silvio Tendler, “O veneno está na mesa”.

Em 1º de dezembro, após a solenidade de abertura e a Plenária de aprovação do regulamento, parte do período da tarde e da noite foi dedicada a diálogos temáticos espalhados pelo Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Nasala Figueira, a professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Iesc/UFRJ), Maria de Fátima Silianskyde Andreazzi, criticou a terceirização da saúde, citando, como exemplo, os serviços de apoio laboratorial à imagem.

“Esses serviços estão cada vez mais na mão de grandes grupos, inclusive financeiros com capital internacional e aberto em bolsa, que, na verdade, não têm o menor compromisso com a saúde de ninguém, porque aquilo é um negócio como outro qualquer. O dia emque não der mais lucro, migra para outro”, disse ela durante a mesa temática “A integralidade e as RedesRegionais de Saúde”.

Depois de três dias (2, 3 e4 de dezembro) de dura disputa política, nos Grupos de Trabalho e Plenária Final, entre defensores do Sistema Único de Saúde e privatistas, o SUS 100% público, estatal e sob a administração direta do Estado saiu vitorioso da 14ª Conferência Nacional de Saúde.

6ª Conferência do Rio – Se o saldo final foi positivo, isso ocorreu em funçãodo trabalho de base, nas etapas municipais e estaduais de Saúde. No Rio, ela aconteceu entre os dias 24 e 27 de outubro, no Maracanãzinho – com um ato logo na abertura do evento. No entanto, para a professora da Uerj Maria Inês, a ação mais importante no período foi a sensibilização dos delegados e a aprovação de três moções contra todas as formas de privatização da saúde. “Conseguimos mais de 80% dos votos na Plenária Final, todas em defesa do SUS, de repúdio à privatização da saúde e pela democratização do acesso e participação de qualquer cidadão nas conferências municipais, estaduais e nacional de saúde”, afirmou Inês.

Durante a solenidade de abertura, no dia 25, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Sale Darze, protestou contra a organização da 6ª Conferência Estadual (formada por uma comissão do conselho estadual), por ter impedido a população de ocupar as cadeiras do Plenário para assistir ao debate. “Essa Conferência não é clandestina, tem que ser aberta… a lei estabelece esse princípio. É inaceitável que a população, representada através de suas diversas entidades, tenha sido impedidade entrar”, criticou Darze, sob forte aplauso dos delegados, durante a mesa temática “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social – Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro”.

Fonte: Jornal da ASFOC – dezembro de 2011.

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