BA – Famílias reassentadas reclamam de falta de assistência

Comissão Pastoral da Terra critica o uso da água e o desrespeito as famílias

Local do projeto Pedra de Ferro, em Caetité, empreendimento da Bahia Mineração - Fotos: Patrícia Benvenuti

Patrícia Benvenuti

No rol de grandes empreendimentos previstos para a Bahia está o Projeto Pedra de Ferro, que será implementado na cidade de Caetité (localizada a 757 quilômetros de Salvador). Desenvolvido para a extração de minério de ferro, o projeto pertence à Bahia Mineração (Bamin), empresa comprada em 2010 pela mineradora Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), do Cazaquistão. Além da jazida, a estrutura será constituída por um sistema de captação de água e uma usina de concentração de minério.

Segundo a Bamin, o projeto produzirá, anualmente, 20 milhões de toneladas de minério de ferro, que serão transportados pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) até o Terminal de Uso Privativo (TUP) da própria empresa em Ilhéus, junto ao Porto Sul.

A estimativa é de que o Pedra de Ferro entre em operação em 2014. Quando isso ocorrer, a Bahia deverá ser alçada ao posto de terceiro maior produtor de minério de ferro do Brasil – o que faz com que o projeto goze de grande simpatia junto ao governo Jaques Wagner.

Infraestrutura

Entretanto, as promessas de benefícios do projeto, como geração de empregos na região, não encontram respaldo junto a organizações e comunidades locais, que alertam para os impactos de sua implantação.

Uma das críticas se refere ao sistema de captação da água que será utilizada na mina. A água será retirada do rio São Francisco por meio de dutos, que percorrerão 150 quilômetros. Em todo o percurso, explica o agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia Gilmar Ferreira dos Santos, os dutos passarão por regiões que já sofrem, hoje, com falta d’água.

“A Bahia Mineração chega e se apropria de áreas que são estratégicas, sob o ponto de vista ecológico e da produção de água. Tem uma série de comunidades que dependem diretamente desses recursos”, explica.

Gilmar destaca que neste ano, pela primeira vez, houve racionamento de água em Caetité – cidade que já está saturada pela chegada de mão-de-obra atraída por outros projetos, como extração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e instalação de parques eólicos. E a situação pode ficar ainda mais grave, segundo ele, com o início das operações do projeto Pedra de Ferro.

“Tem muita gente chegando na região em busca de emprego, porque está sendo propagandeado. E Caetité, Guanambi, Pindaí, são cidades pequenas que já começam a sofrer com problemas de inchaço, e aí há uma série de decadências do serviço público”, afirma.

Condicionantes não cumpridas

O licenciamento do projeto Pedra de Ferro também é alvo de contestação. Gilmar salienta que a mina obteve a Licença de Implantação (LI) sem cumprir nenhuma das 40 condicionantes impostas pela Licença de Localização (LL), que havia sido concedida anteriormente.

“O Estado renovou as condicionantes e concedeu a outra licença. Não existe isso, e também não existem condicionantes cumpridas parcialmente. Ou uma condicionante foi cumprida ou não foi cumprida”, diz.

Dentre as condicionantes, segundo ele, estava o reassentamento das 30 famílias de Antas Velhas e Palmitos, comunidades que foram dissolvidas para a implantação do projeto Pedra de Ferro. Segundo Gilmar, até hoje muitas famílias não receberam qualquer assistência da Bahia Mineração ou do governo.

“Quer dizer, a empresa vai protelar isso a vida inteira? Vai ficar 15 ou 20 anos funcionando e as famílias vão ficar 15 ou 20 anos sem receber nenhuma assistência? E o Estado vai continuar concedendo todas as licenças que a empresa precisa?”, questiona.

Por falta de alternativas, relata o agente da Comissão Pastoral da Terra, algumas dessas famílias se mudaram para as periferias de Caetité e de cidades vizinhas. Outras conseguiram ser reassentadas pela Bamin, mas o processo de mudança significou o início de uma série de problemas.

Zildete Alves de Souza, 45 anos: dificuldades de encontrar emprego no novo local

Desemprego

A agricultora Zildete Alves de Souza, 45 anos, vivia em Palmitos, e há três anos foi com a mãe e três filhos para o povoado de Guirapá, no município de Pindaí.

A realidade do novo local, segundo ela, é bem diferente da que foi apresentada pela Bamin antes de serem realocados. “A empresa prometeu muita coisa mas até agora não aconteceu nada. Prometeram trabalho, cesta básica, médico, foi tanta coisa que prometeram”, relata.

O valor da indenização que recebeu – 100 mil reais – foi suficiente apenas para comprar um terreno e construir uma nova casa.

Atualmente, a família toda vive apenas da aposentadoria da mãe de Zildete, que só conseguiu trabalho em seu primeiro ano em Guirapá. Nesse período, ela participou de um projeto comunitário, mantido pela Bahia Mineração, que ministrava cursos de bordado, costura, pintura e outras atividades. Com o fim do projeto, Zildete ficou desempregada.

“Estou parada, aqui não tem serviço. [Trabalho] até tem, mas pagam uns 100 reais por mês. Quem quer sair de casa pra trabalhar pros outros por 100 reais”, pergunta.

Segundo ela, a empresa prometeu comprar um terreno onde as famílias realocadas pudessem manter suas plantações, mas até agora não receberam a terra. “Lá a gente plantava milho, feijão, alho, coentro, criava porco, galinha. Agora, toda hora em que preciso de alguma coisa tenho que ir no mercado”, lamenta.

Saudades

O agricultor Manuel Ferreira dos Santos, 46 anos, que vivia em Antas, também desaprovou a mudança para Guirapá. O agricultor, que antes vivia da produção de sua lavoura, hoje só consegue trabalho na plantação de alguns vizinhos – que reduziu muito sua renda. “Aqui você não tem terreno para plantar, tem filho na escola, família, remédio. Estou sem terreno pra trabalhar, pra mim foi pior”, afirma.

Manuel também conta que, se dependesse da vontade dos moradores, eles não teriam saído do local onde viviam. Contudo, revela que as famílias foram forçadas a deixar as antigas comunidades. “Eles [empresa] disseram que se eu não vendesse iam me deixar no meio [do projeto]. Eles jogavam uma pressão”, relata.

O mais triste, para o agricultor, é a saudade que restou do antigo modo de vida. “Ver a água rolando pelas pedras, andar naquelas matas verdes, naqueles rios, a gente tem saudade. Às vezes eu estou aqui e estou lembrando”, diz.

Bamin

Procurada pela reportagem, a Bahia Mineração não retornou as mensagens enviadas.

http://www.brasildefato.com.br/node/8553

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.