Ação de madeireiros ilegais pressiona terra indígena do povo Tenharim, no sul do Amazonas

Para liderança indígena, operação que ocorre em Matupi precisa ser permanente também nas terras dos Tenharim

Extração de madeira ilegal vem pressionando as terras indígenas do povo tenharim
Extração de madeira ilegal vem pressionando as terras indígenas do povo Tenharim

Elaíze Farias

Espécie de muralha contra o avanço do desmatamento, as terras indígenas do povo Tenharim estão na mira de extratores de madeira ilegal que atuam na região de Santo Antônio de Matupi, distrito do município de Manicoré, localizado na BR-230 (Transamazônica). O local é mais conhecido como “180”, por estar localizado no KM-180 e vem sendo foco de operação federal desde o início deste mês.

Recentes registros de invasões da terra indígena indicam que a tensão pode se agravar caso não sejam tomadas medidas de fiscalização permanente na área.

A Comissão Interministerial de Combate a Crimes e Infrações Ambientais, que realiza operação naquela área do sul do Amazonas, ainda não anunciou quais as medidas que farão parte do planejamento da atividade, embora há expectativa de que “alguma coisa” seja realizada, segundo o indígena Jurandir Tenharim, funcionário da Secretaria Estadual de Povos Indígenas (Seind) e porta-voz da etnia em Manaus.

“O conflito entre madeireiros e indígenas pode se agravar a qualquer momento. Ali é uma região de grilagem e de invasões. As únicas áreas preservadas são as terras indígenas. Se o Ibama e a Funai não montarem uma estratégia permanente, os problemas vão aumentar”, disse ele.

Durante os três dias em que ficou em Santo Antônio do Matupi, a reportagem tentou ter acesso às comunidades dos Tenharim que mais têm sofrido pressão de invasores de suas terras, mas o representante da Funai na operação, Ivã Boccini, não autorizou. Ele também se recusou a dar detalhes sobre as ações previstas para a área. Disse apenas que as ações são “sigilosas”.

Tensão

Até o momento, as únicas medidas tomadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai) durante a operação foram a doação de madeiras apreendidas às comunidades e a realização de atividades de educação ambiental.

A reportagem apurou que a tensão na terra indígena tenharim aumentou nos últimos meses. O próprio Ivã acabou se envolvendo em conflito entre indígenas e não-indígenas duas vezes. Em agosto, ele foi encurralado, junto com fiscais do Ibama, por madeireiros que extraiam madeira na terra indígena.

“Pelo que sei, a operação começou a ser articulada por causa dessa situação envolvendo os funcionários do Ibama, da Funai e o fato de terem sido encontrados veículos e tratores em terras indígenas”, disse Jurandir.

Tratores

O chefe de fiscalização da superintendência do Ibama e um dos coordenadores da operação no “180”, Jérfferson Lobato, disse que a ação abrange as terras indígenas com fiscalização por meio. Se for encontrada alguma coisa irregular, a operação vai atuar. Segundo ele, nas últimas incursões, não foi encontrada ainda nenhuma irregularidade.

Quanto ao episódio envolvendo Funai, Ibama e madeireiros, em agosto passado, segundo Lobato, já foi resolvido.

“Já retiramos os tratores e eles não vão mais voltar para as mãos dos madeireiros. Só se houver uma ordem de um juiz federal. De certa forma, mostramos que as forças do Estado Brasileiro não pode ser afrontada, pois representam as leis pois vivermos em sociedade e devemos respeitar as normas e o direitos dos outros cidadãos”, destacou.

Ele esclarece que a operação no “180” já estava sendo articulada com o foco nas serrarias ilegais e sem licença de operação. Quando correu a denúncia de exploração madeireira, foram incluídas a proteção das TIs na operação.

Garimpo

No último dia 6, após fiscalização feita pela Força de Segurança Nacional em uma área onde ocorria extração de minério (a área é rica em ouro e cassiterita) localizada entre a TI e a área não-indígena, Ivã Boccini ficou retido novamente pelos indígenas. Estes exigiram a saída da fiscalização na área para soltar o funcionário da Funai.

A retenção de Ivã foi confirmada por várias fontes consultadas pela reportagem, mas ele não quis comentar sobre o caso.

Segundo informações apuradas pela reportagem, os Tenharim não extraem minério, mas fazem uma espécie de acordo com os garimpeiros para autorizar a extração.

A reportagem tentou falar com alguma liderança Tenharim sobre este assunto e sobre a extração de madeira ilegal, mas não conseguiu.

Jurandir Tenharim disse que os indígenas não garimpam, mas ele admite que existe a intenção de se trabalhar com minério futuramente, quando a extração for autorizada pelo governo.

Pedágio

A tensão entre os moradores de Santo Antônio do Matupi e os indígenas tem também outro motivo, a cobrança de pedágio feita pelos indígenas aos condutores que transitam pelo BR-230.

Muitos moradores que conversaram com a reportagem do portal acrítica.com reclamaram dessa prática.

A relação de hostilidade (a maioria das vezes velada) entre indígenas e não-indígenas preocupa indigenistas consultados pela reportagem. Há o receio de que, com o término da operação, o conflito se agrave ainda mais.

Para Jerferson Lobato, não será fácil conseguir acabar com o preconceito em relação aos indígenas, mas ele frisou que é fácil a população criticar o que não se conhece.

“Os Tenharim tiveram uma estrada passando por suas terras. Se viram morrendo de gripe e outras mazelas trazidas pelos ‘brancos´, além dos assassinatos na época da construção da BR. Imagina um povo abandonado pelo Estado brasileiro. Quem sabe, quando forem respeitados como cidadãos, eles acabem com o pedágio. E quem sabe, um dia o preconceito acaba. Por outro lado, as pessoas que querem se instalar no 180, criar seus filhos, contribuir com a cidade, as vezes precisam de serviços básicos que só encontram em Humaitá, que não há no Matupi”, disse.

Legalidade

Lobato reconhece que, após o fim da operação, a situação poderá voltar como era antes, mas salienta que as ações estão provocando mudanças na postura dos moradores.

“Por exemplo, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) fez com que a população se organizasse para trazer uma auto escola e ir buscar a legalidade. O ônibus da escola estava caindo aos pedaços, estão se articulando para melhorar. A presença do MPT fez com que muitos empresário regularizassem seus empregados. O Ibama, desmontando serrarias, faz com que o próximo pense muito bem antes de instalar um empreendimento poluidor sem licença”, salientou.

Ele informou que relatórios serão enviados aos ministros e ao governador do Amazonas e seus secretários.

“Vamos informar à comunidade que não estamos apáticos aos problemas do local e queremos colaborar. O objetivo é fazer com que o local se desenvolva na legalidade, diferente do que aconteceu com muitas cidades ao logo da Transamazônica. Assim, as ações se tornarão permanente, com a fiscalização dos próprios moradores, que devem buscar a legalidade”, destacou.

http://acritica.uol.com.br/amazonia/Amazonia-Amazonas-Manaus-Acao-madeireiros-pressiona-indigena-tenharim_0_590941205.html

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