‘Economia Verde’: As contradições do discurso ambiental no cerne do sistema capitalista, por André Antunes*

Dizer que determinada prática, produto ou empresa é ‘verde’ tornou-se quase um lugar-comum nos últimos anos: ‘verde’ qualifica aquele que se preocupa com o meio ambiente, com a preservação dos ecossistemas e com o futuro do nosso planeta como um todo. É quase como se tudo o que leve o selo ‘verde’ seja, por definição, positivo. Essa popularização do termo não ocorreu por acaso. Ela foi fruto da penetração cada vez maior da questão ambiental na agenda pública internacional. Não à toa, muitos dos debates feitos atualmente na área ambiental em âmbito global giram em torno da ‘economia verde’, concepção que tem sido adotada inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU) como resposta à crise econômica, ambiental e de escassez de alimentos.

Mas o que prega a economia verde, propalada como uma promessa de integração entre crescimento econômico, preservação ambiental e redução da desigualdade? E quais são os principais problemas que pesquisadores e movimentos sociais ligados à questão ambiental identificam nas suas propostas?

Correntes do ambientalismo

Por mais que seja difícil achar alguém que seja ‘contra’ a preservação do meio ambiente, não existe um consenso sobre qual é a melhor maneira de atacar o problema da degradação ambiental. O discurso da economia verde é apenas um dos que compõem o quadro do ambientalismo global, e, antes de falarmos especificamente dele, é necessário fazer um breve apanhado da historia e dos atores que compõem esse quadro.

Os diferentes discursos ambientalistas costumam ser agrupados em três correntes principais, de acordo com a postura que adotam em relação ao crescimento econômico. No livro ’O Ecologismo dos Pobres’, o economista catalão Joan Martinez Alier afirma que o ambientalismo, como movimento reivindicatório autoconsciente e organizado surge na transição do século XIX para o XX, nos EUA. Chamada por ele de “culto ao silvestre”, essa primeira fase caracteriza-se pela postura de não contestar o crescimento econômico e os impactos ambientais dele decorrentes, defendendo, porém, a preservação e a manutenção de bolsões de natureza original fora da influência do mercado. Segundo Alier, a principal proposta política dessa concepção de ambientalismo consiste na criação de reservas naturais livres da interferência humana. “Essa corrente compreende que algumas áreas devem ser preservadas do acesso humano justamente pelos efeitos deletérios que as intervenções causam. Ela é importante para a história da ecologia por entender que manter áreas de preservação de florestas, por exemplo, é fundamental para a preservação da água e da atmosfera”, explica Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

As doutrinas dessa corrente, explica o livro de Alier, irradiaram-se dos EUA e Europa em direção à América Latina, Ásia e África, através das primeiras organizações ambientalistas transnacionais bem estruturadas, como a Worldwide Fund of Nature (WWF), a International Union for the Conservancy of Nature (IUCN) e a Nature Conservancy. Um dos principais fatores limitantes dessa corrente, diz Alexandre Pessoa, é o fato de que ela desconsidera a questão social na problemática ambiental. “Como o ser humano faz parte da natureza e estabelece relações de produção e sociais com ela, a ecologia exige uma equação para além das áreas de preservação”, analisa.

Crítica ao desenvolvimento e justiça ambiental

A segunda corrente ambientalista remonta ao final dos anos 1960, de acordo com Henri Acselrad, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No contexto das lutas sociais que marcaram o período na Europa e nos EUA, surge no movimento ambientalista um discurso contracultural, “que interpelava o consumismo sistêmico como projeto para a sociedade”, criticando a ideia de desenvolvimento no capitalismo, segundo Acselrad. “Nesta perspectiva, a própria qualidade do desenvolvimento estava sendo interpelada. Recursos biosféricos limitados deveriam ser utilizados, sim, mas apenas para os fins mais legitimados por um debate democrático, mais compatíveis com o que se pudesse entender por felicidade dos povos”, afirma.

Atualmente, segundo o livro de Joan Martinez Alier, esse ambientalismo contracultural pode ser encontrado no discurso dos movimentos afinados com a noção de ’justiça ambiental’. De acordo com o autor catalão, esse movimento surgiu entre membros da comunidade negra dos EUA, que perceberam que os impactos ambientais decorrentes do capitalismo não se distribuem igualmente entre as populações, já que os complexos industriais poluidores, os centros de deposição de lixo tóxico e outros perigos ambientais concentram-se nas áreas habitadas por populações pobres ou de minorias raciais. “Seu diagnóstico assinala que a desigual exposição aos riscos deve-se ao diferencial de mobilidade entre os grupos sociais: os mais ricos conseguiriam escapar dos riscos e os mais pobres circulariam no interior de um circuito de risco. Daí a ação decorrente visando a combater a desigualdade ambiental e dar igual proteção ambiental a todos os grupos sociais e étnicos”, explica Henri Acselrad. O discurso da justiça ambiental busca trazer à tona os conflitos socioambientais decorrentes da expansão dos processos produtivos capitalistas sobre os territórios.

Ecoeficiência

Uma terceira corrente é composta pelos ideólogos da ‘ecoeficiência’, que defendem o emprego da racionalidade técnica na mitigação dos impactos ambientais e riscos à saúde humana advindos das atividades industriais, da agricultura e da urbanização. Essa corrente, como explica Carlos Walter, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), no livro ‘A globalização da natureza e a natureza da globalização’, surgiu da incorporação, pelo capitalismo, de um discurso ambientalista que emergia das lutas sociais do final da década de 1960. Em 1972, explica, é publicado o relatório ‘Os limites do crescimento’, elaborado pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), nos EUA, a pedido do Clube de Roma, criado por um grupo de executivos ligados a grandes transnacionais como a Xerox, Ollivetti, Fiat e IBM, entre outras. No documento, fica expressa a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais caso se mantivessem as tendências de crescimento que prevaleciam na época. Dessa forma, escreve Carlos Walter, “o ambientalismo começou a ganhar o reconhecimento do campo cientifico e técnico e, com ele, o próprio campo ambiental começa a se fazer mais complexo, à medida que é captado por um discurso, como o técnico-cientifico, que era objeto de duras críticas pelo movimento da contracultura”.

Afinada com o discurso de desenvolvimento capitalista, a corrente da ecoeficiência introduziu no debate ambiental a ideia de ‘manejo sustentável’ da natureza, convertida em ‘recursos naturais’ ou ‘capital natural’. A principal preocupação dos adeptos dessa corrente está na desvinculação entre crescimento econômico e degradação ambiental. Foi ela que, no final da década de 1980, forneceu a base teórica para a formulação, pela ONU, do Relatório Bruntdland, que popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável . Essa ideia, segundo Henri Acselrad, se preocupava principalmente em sustentar a base material do desenvolvimento. “Investia-se assim na busca de uma economia de meios, porém não se discutia a natureza dos fins para os quais estes meios eram mobilizados; ou seja, não se refletia sobre o conteúdo mesmo do projeto desenvolvimentista. Economizar matéria e energia por uma revolução da eficiência: eis o caminho que era assim proposto para prolongar no tempo um desenvolvimento que, em seus próprios termos, era inquestionado”, explica. Adotado por organismos multilaterais, governos e empresas poluidoras, esse ambientalismo, segundo Acselrad, tornou-se hegemônico. Essa visão “pressupõe um risco ambiental único e instrumental: o da ruptura das fontes de abastecimento do capital em insumos materiais e energéticos, assim como da ruptura das condições materiais da urbanidade capitalista – ou seja, o risco de inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição, congestionamento, etc. Dado esse ambiente único, objeto instrumental da acumulação de riqueza, a poluição é apresentada como ‘democrática’, não propensa a fazer distinções de classe”, afirma Acselrad, no artigo ‘Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental’.

E é exatamente essa corrente do ambientalismo, dizem os especialistas entrevistados pela Poli, que norteia as propostas da economia verde.

Serviços ambientais

O eixo central da economia verde, como explica Larissa Packer, assessora jurídica da organização não-governamental Terra de Direitos, são os chamados mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que tentam solucionar os problemas ambientais a partir da lógica do mercado. “O PSA é um mecanismo para fomentar a criação de um novo mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos fornecidos pela natureza, como a purificação da água e do ar, a geração de nutrientes do solo para a agricultura, a polinização”, escreve Larissa, no artigo ‘Pagamento por ‘serviços ambientais’ e flexibilização do Código Florestal por um capitalismo ‘verde’. “Para isso, é fundamental que exista possibilidade de valoração monetária, para viabilizar a comercialização e também a criação de leis que, por meio do estabelecimento de obrigações, criem a demanda para o mercado hoje inexistente”, diz.

Segundo Luiz Zarref, engenheiro florestal da Via Campesina, um dos braços do PSA é o chamado mercado de carbono. Criado pelo Protocolo de Kyoto, o acordo impôs metas aos países para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Ele também permitiu que os países poluidores passassem a comprar permissões e créditos de compensação das emissões acima do estabelecido dos países que estão abaixo do limite. Ao mesmo tempo, no interior dos países, as indústrias poluidoras podem comprar créditos vendidos por proprietários rurais. Zarref explica: “Na lógica da economia verde, a floresta presta o serviço ambiental de capturar o carbono que causa o efeito estufa. Então, digamos que um hectare de floresta captura 20 toneladas de carbono por ano. Aquele hectare vai ser convertido em títulos financeiros, que vão ser comercializados na bolsa de valores, equivalentes a esse montante”. Segundo ele, já existem bolsas de valores especificas para esse tipo de transação, nos EUA e no Japão, “mas elas não estão funcionando a pleno vapor justamente porque não existe uma regulamentação internacional sobre isso. É isso o que está sendo proposto agora” diz. Atualmente, discute-se a inclusão de mecanismos de PSA no texto do novo Código Florestal brasileiro, cujo projeto de lei tramita no Senado. “Um dos defensores dessa ideia é o senador Blairo Maggi, que é um dos maiores produtores de soja do país”, assinala Luiz Zarref.

De acordo com o texto de Larissa Packer, a proposta de atribuir valores monetários à natureza apresenta sérios problemas. O primeiro deles, diz ela no artigo, é que a inserção dos serviços ambientais no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior for a degradação, maior é o valor dos serviços ambientais. Além disso, ao não atacar fatores estruturais como a necessidade de produção sempre crescente, a comercialização de um volume cada vez maior de mercadorias e um consumo acelerado de recursos naturais e produção de resíduos, esses mecanismos só servem como um paliativo. “A agenda da economia verde”, aponta Larissa, “não prevê a modificação dos padrões de consumo e prevê estimular a mudança parcial dos padrões de produção unicamente por meio da atribuição de preço à biodiversidade e privatização dos bens comuns. Com isso, a sociedade não deixará seus modos destruidores, mas sim irá criar um novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatização dos valores sociais e ambientalmente gerados […] A degradação, portanto, não diminui. Pelo contrário, a natureza se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro”.

Essa financeirização da natureza leva Carlos Walter a concluir que a economia verde é parte do problema, e não da solução. “Acho que estamos sendo seduzidos para um debate que surge de um problema real, que é a depredação dos recursos naturais e a desordem ecológica global, mas temos que ver que o problema é essa sociedade que transforma riqueza em dinheiro. O dinheiro é a medida da riqueza, ele não é a riqueza”, avalia.

Meio ambiente como ‘oportunidade de negócio’

Para Luis Zarref, a economia verde é uma tentativa do capital de se utilizar da questão ambiental para criar novas formas de acumulação. “Não há nada de debate ambiental no discurso da economia verde. O que se tem é a reengenharia de uma parte do capital para continuar acumulando lucro num período em que ele está em crise nas suas formas clássicas de acumulação”, diz. Segundo Zarref, com cerca de 250 milhões de hectares conservados em reservas indígenas e assentamentos de reforma agrária, o Brasil é um grande atrativo.

Zarref explica que algumas das propostas da economia verde já vêm sendo implementadas no país, com prejuízos sociais e ambientais enormes. “Na mineração, por exemplo, a grande discussão ambiental hoje é o chamado ferro gusa verde, que é substituição da madeira de desmatamento ilegal por eucalipto plantado nos fornos das siderúrgicas. Isso já está sendo feito no Pará, em Minas Gerais e no Espírito Santo”, afirma. Na lógica da economia verde, diz Zarref, “as empresas vão poder, além de utilizar o eucalipto para os fornos, dizer que estão reduzindo a emissão de gás carbônico do desmatamento, ganhando papeis de crédito de carbono para serem comercializados na Bolsa de Valores”. E destaca: “O que não aparece é que os eucaliptos estão expulsando agricultores, retirando terra que antes era voltada para a produção de alimentos e gerando pressão sobre terras indígenas, quilombolas e de populações tradicionais”.

Outra estratégia da economia verde que causa preocupação para Zarref é a de fomentar a produção dos agrocombustíveis, em especial o etanol, que a ONU inclusive cita como exemplo de sucesso. “Com isso você cria uma corrida por terras para plantar cana que vai causar um encarecimento das terras e inviabilizar a produção de alimentos, levando à expulsão de muitos agricultores para as cidades. Com a cana, você inviabiliza toda uma rede produtiva: fica impossível comercializar feijão, mandioca porque só tem compradores para cana, não há sistema de comercialização. Isso sem contar os impactos de desmatamento e de exploração do trabalho”, analisa.

Impactos desiguais do desenvolvimento

Marcelo Firpo, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), caracteriza a economia verde como uma tentativa de produzir consenso em torno do papel do mercado na preservação do meio ambiente. “A economia verde é uma tentativa, apoiada por vários organismos internacionais e governos, de buscar um consenso em relação ao que fazer para combater a crise econômica e ambiental. Esse consenso se dá através de cúpulas da ONU, que têm centrado fogo no tema das mudanças climáticas globais, mecanismos de mercado e continuidade do sistema capitalista atual”, afirma. Segundo ele, com isso, o sistema capitalista busca escamotear os conflitos que existem no campo ambiental em torno do sentido do desenvolvimento. “Isso significa que certas questões e temas sociais e ambientais não são discutidos na economia verde. Não há critica ao modelo de produção e consumo, ao desenvolvimentismo, ao comércio internacional desigual e injusto, à divisão entre centros e periferias do sistema capitalista e à divisão internacional do trabalho, que são característicos do processo de globalização”, diz.

 A análise do ‘Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil’ , desenvolvido na Fiocruz e coordenado por Marcelo Firpo, dá a dimensão do impacto do desenvolvimento sobre os territórios e suas populações. “O mapa reúne denúncias de conflitos ambientais em decorrência desse modelo. Ele foi lançado há um ano com 298 conflitos e agora já são quase 400, alguns envolvendo vários municípios e mais de um estado. São milhões de pessoas no total, que estão sofrendo com a degradação ambiental causada por processos industriais, transposição de rios e hidrelétricas, por exemplo. Essas populações acabam impossibilitadas de reproduzir suas culturas e modos de vida de forma autônoma”, afirma Firpo. Segundo ele, esses são apenas alguns dos conflitos e dilemas que o discurso da economia verde procura ocultar, ao focar o debate ambiental sobre a questão das mudanças climáticas. “O conflito se dá porque a decisão pela instalação de grandes empreendimentos econômicos e intervenções nos territórios é tomada sem a participação das populações que habitam esse território”, destaca. “Eles envolvem, por exemplo, o agronegócio, a instalação de siderúrgicas, rodovias, hidrelétricas, portos e outros empreendimentos, que causam impactos ambientais e sociais enormes, e que não trazem benefícios para as populações das regiões afetadas”.

Alexandre Pessoa afirma que uma metáfora frequentemente usada pelo discurso ambiental hegemônico para sintetizar a questão das responsabilidades pela degradação do meio ambiente é a do avião: “Dizem que, se estamos todos no mesmo voo, temos que ser responsáveis pela condução desse avião. Esse discurso é desprovido de crítica, porque de fato estamos no mesmo avião, mas a direção dele não é feita pela sociedade, e sim por governos que têm interesses específicos e sobre os quais as transnacionais exercem um poder fundamental”, ressalta. E completa: “Se estamos no mesmo avião quem está na direção é um grupo minoritário, esse avião possui classes distintas, e um contingente significativo dos passageiros está sendo expulso sem páraquedas”.

Individualização da solução

Segundo Carlos Walter, ao dissociar os problemas ambientais da questão social, o discurso ambientalista da ecoeficiência, no qual a economia verde se baseia, também opera um exagero da responsabilidade individual sobre a degradação ambiental, focando-se no combate ao desperdício de matéria e energia. “Hoje há essa história de ‘faça sua parte’, como se o todo fosse uma soma de suas partes. E não é. O debate ambiental é quase esquizofrênico: o mundo está acabando, e a solução é plantar uma árvore”, critica. E conclui: “Há uma defasagem entre o diagnóstico e o caráter quase pueril da solução, porque você não enfrenta a questão de fundo, que é a economia mercantil capitalista com o poder cada vez mais concentrado nas grandes corporações”. Ele também critica o papel de algumas ONGs ambientalistas, que dependem do financiamento de empresas e governos, na disseminação de um discurso ambiental despolitizado. “As ONGs surgem estimuladas pelos próprios governos e pelo Banco Mundial. Ao mesmo tempo em que operam um desmonte dos governos, acabam com direitos universais para atuar ‘a la carte’”, diz. Segundo ele, com o desenvolvimento tecnológico dos últimos 30 anos, a capacidade de emprego do capitalismo diminuiu muito. “Então há muitas pessoas formadas na universidade que não encontram emprego e acabam indo trabalhar em uma ONG, sem carteira assinada, vivendo de projeto em projeto. Assim você estimula toda uma economia precária, só que eivada de uma ideia de ativismo, em que se combate o efeito estufa trabalhando para a Shell”, aponta. Ironizando o poder de convencimento que esse discurso ideológico vem alcançando, Alexandre Pessoa conclui: “Acreditar em economia verde é como acreditar em tigre vegetariano”.

Rio+20: especialistas veem problemas nas propostas da ONU para o meio ambiente

A cidade do Rio de Janeiro sediará, entre os dias 4 e 6 de junho de 2012, a Rio+20. O evento acontecerá 20 anos após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ou Rio 92, que reuniu 108 chefes de Estado na cidade para discutir ,aneiras de conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

A convenção do próximo ano terá como objetivo, segundo a ONU, “garantir um compromisso renovado em nome do desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso obtido até o presente e as lacunas remanescentes na implementação dos resultados das maiores cúpulas de desenvolvimento sustentável, abordando desafios novos e emergentes”. Os debates terão como
foco dois temas: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza e o arcabouço institucional para o desenvolvimento sustentável.

Pesquisadores ouvidos pela Poli, no entanto, já veem problemas na proposta da Rio+20. “Esse termo, ‘desenvolvimento sustentável’, vem servindo a vários interesses ao longo dos anos, inclusive para justificar políticas públicas que estão na contramão do próprio conceito, para fazer propaganda da responsabilidade social de empresas. Essa polissemia cria confusão e tem mais um apelo retórico, midiático e propagandístico de interesse de mercado”, afirma Lia Giraldo, pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CpqAM/Fiocruz Pernambuco).

Para Luiz Zarref, o objetivo da conferência é incentivar entre os países membros a criação de mecanismos para a transformação dos processos naturais em mercadorias negociáveis. “Para reduzir o efeito estufa, por exemplo, o que está sendo discutido é o avanço do mercado de carbono, que é basicamente pagar para que não se desmate. Não se discute a criação de uma governança internacional que proíba a emissão de gases poluentes, o desmatamento, o agronegócio”, critica. Segundo ele, a Rio+20 reflete o avanço da influência do mercado sobre a conformação dos Estados nacionais. “É nítido o avanço da lógica de mercado dentro dessas convenções. A Rio 92, por exemplo, foi caracterizada por criar uma relação entre o Estado e a sociedade. Ao longo dos anos, houve uma substituição do Estado pelo mercado, sob o discurso de que o Estado é falido, é corrupto”, afirma Zarref.

Essa é também a análise da ONG canadense ETC Group, uma das maiores críticas da Rio+20. Em um de seus relatórios sobre a conferência, a organização ataca o que entende como uma tentativa de excluir a maioria da população do debate ambiental. “Na ausência de debates entre governos e envolvimento da população, a ideia de que uma ‘economia verde’ sustentável é o meio para desenvolver e usufruir dos recursos biológicos e naturais […] pode se tornar a maior apropriação de recursos dos últimos 500 anos”, alerta o relatório.

Para o Brasil, defende Lia Giraldo, a Rio+20 deveria ser uma oportunidade para discutir temas como a justiça social e ambiental no campo, reforma agrária, proteção de florestas, impactos ambientais e sociais das atividades industriais e incentivo à agricultura familiar. “Mas esses são temas que vão de encontro ao modelo de desenvolvimento brasileiro, que obedece aos lobbies do agronegócio e da indústria química. Corremos o risco de repetir o mesmo discurso desenvolvimentista da década de 1970, apesar de termos hoje uma legislação mais avançada na área ambiental”, aponta. É nesse sentido que Alexandre Pessoa espera que a Fiocruz e o Ministério da Saúde contribuam para os debates. “Temos um papel fundamental na Rio+20, não só na questão ambiental, mas também no debate do modelo de desenvolvimento, que tem de ser envolvido por todo o setor da saúde. Estamos discutindo temas transversais, como promoção da saúde, controle social, impactos nos territórios dos sistemas de produção e seus reflexos no SUS”, explica.

Paralelamente, organizações da sociedade civil se mobilizam para realizar a Cúpula dos Povos Rio+20, que deve acontecer simultaneamente à conferência da ONU. O evento deve reunir movimentos sociais, ONGs e fóruns e, segundo seus organizadores, pretende apresentar alternativas ao debate ambiental, tirando o foco do mercado e dos governos.

*André Antunes – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

http://www.ecodebate.com.br/2011/11/10/economia-verde-as-contradicoes-do-discurso-ambiental-no-cerne-do-sistema-capitalista-por-andre-antunes/

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.