“Eu precisava ser duro”, diz reitor de federal acusado de racismo

Reitor confirma que disse frase gravada, afirma que repetiria e que ela estava em contexto em que buscava solidariedade dos alunos

Reitor liga cor dos trabalhadores a situação da universidade

Cinthia Rodrigues, iG São Paulo

O reitor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Paulo Gabriel Nacif, afirmou ao iG que há um contexto por trás, mas a declaração na qual afirma que a cor dos trabalhadores influencia no funcionamento da universidade foi dita. E ele repetiria. “Defendo categoricamente que precisa considerar a origem, a cor, a raça.”

Segundo ele, foi escolhido um trecho de segundos, em uma negociação de 20 horas, mas não há retoques. Ao se defender, ele ressalta que a sociedade é racista e diz que precisava lembrar isso aos estudantes. Leia entrevista:

iG: O sr. disse que faltou exibir no vídeo o contexto em que a fala foi feita. Qual foi este contexto?

Paulo Gabriel Nacif: Estávamos no fim de um processo de ocupação da reitoria pelos alunos por 40 dias e nesse período houve uma postura extremamente agressiva com a reitoria e com os técnicos administrativos. Ao final deste processo, nós buscamos contextualizar o desafio de uma região esquecida pelo Estado brasileiro. O recôncavo é a região mais negra do Brasil e temos absoluta certeza de que a sociedade brasileira é sim racista por isso desafiávamos os alunos a debater essa situação e falava que era impossível que de um dia para o outro a gente se tornasse a USP. Incrivelmente em 20 horas de gravação eles retiraram uma frase de 40 segundos.

iG: A frase que aparece no vídeo foi editada ou foi dita daquela forma pelo sr.?

Nacif: Aquela frase eu disse. Eu repito seguramente. Eu defendo categoricamente que precisa considerar a origem, a cor, a raça. Eles fizeram uma acusação de corrupção chamando os servidores de corruptos, de incompetentes, até de fraquinhos. Nós tivemos um processo de profundo de assédio moral. Funcionários foram parar no hospital por ameaça. Tiveram hipertensão. A nossa gente do interior não está acostumada a uma disputa política desta intensidade. Nós falamos estas coisas no final da negociação. A gente estava buscando uma solidariedade, mas não nos deixaram falar mais.

iG: A estudante que conversou com o iG, uma das integrantes da comissão que fazia a negociação é uma moradora da região, bolsista de política afirmativa. Os alunos da universidade não são o próprio povo do interior que o sr. cita?

Nacif: Alguns sim, outros não. Você tem uma diversidade do Brasil inteiro. A grande questão é que você está tendo um choque geracional muito duro, estas pessoas lançaram nota acusando os servidores recém chegados de corrupção, de fraquinhos. Fui o relator de políticas afirmativas na UFBA (Universidade Federal da Bahia), nós consideramos que o País é racista. Nós temos racismo e é importante que eles ponderem que ao chegar com esta postura agressiva, de sarcasmo, de ironia contra os funcionários eles deveriam considerar o histórico da região.

iG: O sr. diria que fez uma colocação infeliz?

Nacif: São 20 horas de negociação que me levaram a dizer isto. Sinceramente, eu repetiria. A grande questão é que coloquei uma frase para conduzir um debate e os alunos não permitiram que eu continuasse a falar. Se eu digo para você: o negro tem a menor escolaridade no Brasil, o discurso racista vai dizer que ele é burro, o meu vai dizer que é porque o Estado negligencia a educação do negro. Quando você coloca é para discutir. A frase em si não tem o tom racista, a cor negra tem desafios maiores. Temos servidores negros de classes populares e por isso meu desafio é maior. Olha que dialoguei com filósofos, historiadores, todas as pessoas dizem que não tem sentido racista.

iG: Que cor o sr. declarou ao Censo?

Nacif: Negro. Eu sou negro!

iG: E o sr. foi criado naquela região do Recôncavo Baiano, certo?

Nacif: Sim, até os 12 anos, por isso mesmo sei do peso da cor. O Recôncavo Baiano é o lugar com maior concentração de negros do Brasil. Membros da elite no século 19 diziam que o recôncavo teria que sumir. Quando você vê jovens de 17 anos, brancos, gritando com trabalhadores que não entendiam o que estava acontecendo, tem uma subjetividade racial que não podia ser esquecida. Foi por isso que eu provoquei, para contextualizar. Não permitiram que eu contextualizasse, eu provoquei alunos buscando solidariedade.

iG: A frase sozinha (a reportagem releu o trecho todo) não lhe parece racista?

Nacif: Não. É duro, reconheço. Mas estes estudantes estavam querendo comparar a UFRB à USP (Universidade de São Paulo) à UFMG (Universidade de Federal de Minas Gerais) e à URFGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). E inconcebível. Eles passaram 40 dias fazendo isso e querendo que em cinco anos a gente se comportasse como elas que têm mais de 50 anos e com forte influência do sistema capitalista e presença do Estado. É duro, reconheço. Mas estava há 40 dias vendo pichação, estudante xingando diretor de centro, furando pneu. Fui chamado de Hitler porque com a reitoria parada não conseguia pagar os bolsistas. Eu precisava colocar uma coisa dura.

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