No Brasil, o mensageiro é sempre o culpado

Leonardo Sakamoto

Há notícias que me dão paúra no estômago. Podem me chamar de corporativista, mas uma delas é quando um jornalista é morto ou sofre violência física ou psicológica no exercício de sua profissão. Porque, afinal de contas, culpar o mensageiro é mais fácil e barato do que mudar a mensagem.

Neste domingo (9), durante um evento público, Antônio Carlos Ferrari levou socos e foi ameacado em Itaporã (MS) por um fazendeiro que usara escravos. O repórter cobriu o resgate de dois trabalhadores idosos das terras de Amâncio Pereira Cortez há um ano.

Isso me lembrou um outro caso. No dia 21 de junho de 2005, Cícero Belmar, então editor-executivo do Jornal do Commercio (JC), de Pernambuco, foi demitido por ter autorizado a publicação de matéria sobre a libertação de mais de mil trabalhadores pelo governo federal na Destilaria Gameleira. A divulgação teria causado problemas na relação entre João Carlos Paes Mendonça, dono do JC, e Eduardo de Queiroz Monteiro, da Gameleira e da Folha de Pernambuco. O jornal foi o único dos jornais do estado a veicular a libertação dos trabalhadores.

O ex-editor-executivo autorizou a publicação de matéria da Agência Globo, da qual o JC é assinante de conteúdo. Solicitou que a versão de Eduardo de Queiroz Monteiro fosse checada. Porém, apesar das várias tentativas, não houve retorno. O JC não foi o único que ficou esperando uma resposta – o que aconteceu também com outros veículos de circulação nacional que deram destaque à notícia, como a revista Época e o jornal O Globo. “Agimos com toda a ética, como manda o mais simples manual de jornalismo”, me explicou, na época, o próprio Belmar.

Ele recebeu manifestações de apoio da sociedade civil e de entidades da defesa da liberdade de imprensa. “Eu poderia ter ficado extremamente angustiado se tivesse saído por uma picaretagem ou por incompetência. Minha consciência está tranqüila. Fiz o que qualquer jornalista faria.”

Quem usa escravos normalmente detém o poder político, econômico e, muitas vezes, midiático. É gente graúda. Sempre perguntam a mim e a outros jornalistas que cobrem temas como esse se não sofremos ameaças. Fico com medo pelo pessoal que mora nas regiões de fronteira agrícola ou onde o Estado cumpre sua função de forma mais, digamos, seletiva. Esses correm um risco maior de levar um soco ou um bala.

Para calar uma pessoa da classe média alta paulistana, que escreve para um grande público, minimamente conhecido no meio, inserido em uma rede extensa de jornalistas de dentro e fora do país, a opção não é a porrada. Até porque se criaria um mártir – com vários colegas enchendo a paciência do governo, pedindo Justiça, essas coisas, até achar o sujeito que mandou e o que executou a burrada.

Nesses casos, mata-se não o corpo, mas a credibilidade – um jornalista que ninguém confia é um morto-vivo na profissão. Isso se dá através de denúncias falsas, calúnias, difamações, enfim, plantando a dúvida.

Outra forma é assustá-lo ou inviabilizá-lo financeiramente via processos judiciais. Se não está respaldado por bons advogados, terá uma bela dor de cabeca e pode pensar duas vezes antes de continuar um chato. Vira e mexe chega uma notificação ou intimação em casa. Faz parte da profissão.

O que não faz parte é o silêncio. O silêncio afronta qualquer valor democrático, afronta a república.

Por isso é inconcebível os gestores do Estado deixarem, através de sua inação, incompetência ou cumplicidade, jornalistas serem ameaçados, espancados e mortos sem a devida punição. Ou calados por meio de ações judiciais bizarras. E defenestrados sem que a Justiça se pronuncie. Se o jornalista errou ou usou de má-fé, toda a força da lei contra ele. Caso contrário, é censura. E da grossa.

Se fosse desconfiado, acharia que o Estado também quer se ver livre de nós.

http://blogdosakamoto.uol.com.br/

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