Ypo’i: menos um Guarani, mais indignação e dor

A comunidade não se sente segura. No total, relatam, são 7 pistoleiros que trabalham para as três fazendas da área

Foto: Maria Pena (Reportagem Brasil de Fato)

Maria Pena, Campo Grande, Mato Grosso do Sul*

A noite da última sexta-feira, 30/09, foi de tensão na comunidade de Ypo’i. Enquanto ecoava pela mata o som das rezas dos que velavam pelo corpo brutalmente assassinado do guarani Teodoro Ricarte, 34 anos, a comunidade permanecia em alerta para qualquer eventual ataque a mando dos fazendeiros que circundam a área retomada.

Por decisão da Justiça Federal, e à revelia do proprietário da fazenda São Luiz, Teodoro seria enterrado como previsto pelos Guarani: em sua terra ancestral atualmente ocupada por essa fazenda, no município de Paranhos. O dia amanheceu, e Teodoro pôde ser enterrado na beira da mata de Ypo’i, na manhã do último sábado (1º de outubro).

Teodoro Ricarte fora morto quatro dias antes, na última terça, 27. Regressava para a comunidade, no fim da tarde, em companhia de duas pessoas. Para chegar à área retomada, onde o grupo permanece por decisão judicial, é necessário atravessar a fazenda Cabeça de Boi, uma das três que incidem sobre a área reivindicada, atualmente à espera da conclusão dos trabalhos de identificação realizados pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Segundo contam, foi nesse percurso, ainda dentro da Cabeça de Boi, que foram abordados por “Negão”, como é conhecido um dos funcionários dessa fazenda. “Negão”, que habitualmente mantinha conversações pacíficas com os indígenas, desceu do seu cavalo, bateu na cabeça de Teodoro e lhe deu uma série de facadas, no rosto e pescoço. Os acompanhantes conseguiram correr para se salvar. Quando voltaram ao local, Teodoro já estava morto. Ali estiveram junto ao corpo até a manhã do dia seguinte, quando outros membros da comunidade foram ao seu encontro.

O corpo foi levado pela Polícia Civil nessa mesma manhã do dia 28 de sentembro para Paranhos e retornou à comunidade para ser velado no dia seguinte, após a liminar da Justiça Federal. A hipótese dos membros da comunidade é que Teodoro foi morto por engano, confundido com uma importante liderança de Ypo’i.

“Parecia que estava tudo tranquilo. Em agosto estávamos no silêncio, agora em setembro começaram as ameaças”, conta um integrante do grupo de Ypo’i. A tensão retornou à área depois de quase dois anos de relativa tranquilidade. Em 2009, durante o último processo de retomada dessa área tradicional, um ataque de pistoleiros à comunidade resultou no espancamento de alguns indígenas e na morte dos professores Rolindo e Genivaldo. O corpo de Rolindo segue desaparecido, e as investigações sobre os assassinatos ainda não foram concluídas. O assassinato de Teodoro aparentemente marca um novo período de conflito. Dois dias depois desse crime, um grupo de indígenas que ia pescar foi ameaçado por, no minimo, 8 disparos de balas de borracha pelos pistoleiros da fazenda São Luiz, segundo conta  uma das lideranças que integrava o grupo atacado.

A comunidade não se sente segura. No total, relatam, são 7 pistoleiros que trabalham para as três fazendas da área. As duas testemunhas oculares foram ouvidas por autoridades que investigam a morte de Teodoro, mas a comunidade tem sérias dúvidas de que tenha havido um entendimento correto do depoimento delas, entre outros fatores, pela dificuldade das mulheres em comunicarem-se em português. “Quando um indígena testemunha, é como se ninguém tivesse visto, como se não valesse de nada”, comenta um membro da comunidade ao contar que, pese às denuncias, o assassino continua solto e na área da fazenda, tornando a ambiente ainda mais tenso.

A comunidade ainda tenta entender o porquê do retorno das ameaças. “De certo estão fazendo isso porque estão perdendo essa luta. Estão apavorados. Ameaçam para ver se saímos, se abandonamos nossas terras. Mas não vamos sair!”, arrisca uma leitura da situação um dos membros da comunidade. Enquanto isso, ficam no aguardo de que a Justiça e a lei olhem por eles que, em dois anos, já perderam três de seus guerreiros na luta por um terra que lhes pertence.

*A reportagem contou com a colaboração de membros da comunidade.

http://brasildefato.com.br/content/ypoi-menos-um-guarani-mais-indigna%C3%A7%C3%A3o-e-dor

 

Comments (2)

  1. Hoje nos indigena somos estrangeiros em nosso proprio Pais,nao temos o direito de viver a nossa vida no nosso TEKOHA,estamos sendo mortos de todas as formas….estou muito triste..mas a luta continua…

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