Luta pela terra é luta contra a morte

Renato Santana, de Brasília

As atividades da manhã desta quinta-feira (29) eram distintas. Ocorreriam em plenários diferentes da Câmara dos Deputados, na Esplanada dos Ministérios, Brasília (DF).

Os quilombolas se reuniram com a Comissão de Seguridade Social e Família para debater a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 3239 – impetrada pela bancada do Democratas (DEM) sobre decreto que regulamenta a demarcação de terras, além da desapropriação de terras para as comunidades. Um grupo de ciganos aguardava. Já os Pataxó Hã-Hã-Hãe estavam com a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas nas discussões sobre o plano de trabalho dos deputados envolvidos.

Percebeu-se, no entanto, que se tratava de um único grande problema e a manhã terminou com uma reunião unificada entre índios, quilombolas e ciganos. Representantes de uma chamada ‘minoria’ – no Brasil fazem parte, em verdade, de uma maioria seguidamente esmagada pelo capital eclipsado ao projeto desenvolvimentistas do Palácio do Planalto.

Durante esta semana, os grupos estiveram na Capital Federal em luta por seus direitos e terras tradicionais. Encontraram seus anseios unificados na audiência pública sobre o Projeto de Lei (PL) 7447/2010, de autoria do deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), onde se estabelecem diretrizes e objetivos para as políticas públicas de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais.

A vice-procuradora da República, Dra. Deborah Duprat, durante as reuniões, frisou a proximidade dos processos que envolvem a nulidade dos títulos dos latifundiários na terra indígena Caramuru – Paraguassu, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, e da comunidade quilombola de Brejos dos Crioulos. Para ela, mais do que ações pela terra as questões, do ponto de vista judicial, tratam de vidas.

Vidas perdidas a cada dia, a cada semana, a cada mês. Vidas que se perdem na luta pela terra, invadida e vilipendiada pelos invasores e seus grupos de pistoleiros. Mato Grosso do Sul (MS) é, sem dúvida, exemplo macabro do que acontece hoje com os povos de um Brasil profundo, alijados de suas terras tradicionais: conforme levantamento parcial do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dos 38 assassinatos de indígenas ocorridos durante este ano, 27 foram no MS. Ou seja, 71%. Em 2010, 53% dos assassinatos de indígenas ocorreram no Estado.

Teodoro Ricardi, 25 anos, espancado até a morte

Teodoro Ricardi, 25 anos, Guarani-Kaiowá, foi atacado e espancado até a morte na última terça-feira (27), às 19 horas, ao retornar da cidade de Paranhos, Mato Grosso do Sul (MS), para a comunidade de Y’poi. Encontrado pelos familiares, Teodoro foi levado para sua casa no acampamento Y’poi, onde mora com sua esposa e cinco filhos. Faleceu horas depois em decorrência dos ferimentos. Os familiares afirmam que chegaram a tempo de ver os agressores e os reconheceram nos pistoleiros que diariamente fazem cerco a comunidade.

Teodoro Ricardi era primo de Genilvado Vera e Rolindo Vera, professores assassinados em agosto de 2009. O corpo de Genilvado foi encontrado 10 dias depois no riacho Y’poi, com marcas da tortura que sofreu antes ser morto. Já o corpo do professor Rolindo Vera até hoje não foi encontrado.

O processo de demarcação das terras Guarani-Kaiowá no MS está parado numa das mesas da Fundação Nacional do Índio (Funai). Enquanto isso, o presidente do órgão, Márcio Meira, segue apenas se mexendo para atender os planos etnocidas elaborados pelo Palácio do Planalto, tal como assinar pela instalação de usinas hidrelétricas mesmo com laudos técnicos contrários emitidos pela própria Funai.

Luta Pataxó Hã-Hã-Hãe

Saiu da pauta desta semana do Supremo Tribunal Federal (STF), mas poderá voltar nas próximas sessões da Corte. Justamente por isso, os Pataxó Hã-Hã-Hãe seguem mobilizados. O povo pede aos ministros que acompanhem o voto do relator Eros Grau pela nulidade dos títulos imobiliários dos invasores da terra indígena Caramuru – Paraguassu, no sul da Bahia.

Com latifundiários dentro da terra, os indígenas sofrem violências e expulsões seguidas das aldeias. Nestes quase 30 anos de processo, 27 lideranças do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe foram assassinadas e o país assistiu a morte de Galdino, em Brasília (DF), quando foi incendiado por cinco jovens de classe média alta em 20 de abril de 1997.

“Meu irmão morreu assim como muitos outros líderes. Pedimos aos ministros apenas nossas terras para criarmos nossos filhos e netos”, diz Yaranwy Pataxó Hã-Hã-Hãe. A atividade foi ritualística, na base do Toré, ao redor do monumento, e de lá os indígenas seguiram para vigília na porta do STF.

Para o cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe, os ministros precisam se basear no relatório de Eros Grau e “ver que até recentes descobertas arqueológicas de cemitérios indígenas atestam que habitamos aquelas terras tradicionalmente”, afirma. “Saímos com o compromisso do presidente da Funai (Márcio Meira). Mas sabemos que precisamos nos manter mobilizados”, destaca Nilza Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Outros povos, caso dos Tupinambá da Serra do Padeiro e os Pataxó, ambos da Bahia, também estiveram presentes nos rituais, articulações e manifestos. “Não se trata de apenas um povo, mas de uma luta que unifica todos os indígenas. Nós também lá do extremo sul baiano estamos em luta pela demarcação do nosso território”, destaca o cacique Aruã Pataxó, da Federação Indígena dos Povos Pataxó e Tupinambá.

Arasary Pataxó, cacique da aldeia Jitaú, de Porto Seguro (BA), acredita que apenas a unidade pode fazer frente ao poderio financeiro e político dos invasores dos territórios indígenas.

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=5816&action=read

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