Gislene Frota Lima: uma Defensora Pública que honra sua posição

Tania Pacheco

A pressão atualmente exercida contra o Conselho Nacional de Justiça e a Corregedora Eliana Calmon são a maior comprovação de que a Justiça no Brasil tem cor, origem e conta bancária, nas suas mais diversas instâncias. Exatamente por esse motivo, o que deveria ser regra passa a ser exceção. E exceção que merece ser divulgada e enaltecida, inclusive para que outros e outras se vejam confrontados com um exemplo de simples respeito às leis e de dignidade profissional e – quem sabe? – recordem que têm salários pagos pelo povo, se envergonhem e mudem seus modos de agir.

No Ceará, a Defensora Pública da União Gislene Frota Lima encaminhou ao Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/Ceará representação contra as advogadas Maria do Socorro Quirino da Cunha (também servidora pública federal, Chefe do Serviço de Estudos Ambientais do DNOCS/CE) e Maria Sofia Quirino da Cunha Farias, sua filha.

A representação da DPU, que é assinada também pela estagiária Dillyane de Souza Ribeiro, tem como origem a atuação da funcionária do DNOCS e de sua filha junto às comunidades atingidas pela construção da Barragem Figueiredo nos municípios de Iracema, Alto Santo e Potiretama. Valendo-se do cargo público, do parentesco e, ainda, com a ajuda de um morador, as duas vinham atuando de forma a coagir as famílias (que acabavam por vender suas terras a preços irrisórios, com medo de nada receberem), num exemplo de improbidade administrativa e corrupção.

Abaixo, trechos com as principais informações do documento, que sem dúvida merece ser lido: 

Diz a representação que, apesar de contar “com apenas uma unidade na Capital, atualmente com apenas 13 (treze) Defensores Públicos Federais, não tendo, pois,como atuar nos milhares de processos que tramitam perante as Subseções da Justiça Federal no Ceará”, a DPU se viu na obrigação de atender à comunidade, “diante da insatisfação constante manifestada pelas famílias”. Essa insatisfação levou a Defensora inclusive a desde o início questionar,  junto aos DNOCS, “dentre outras coisas, os valores constantes nos laudos de avaliação dos imóveis que foram desapropriados, conforme se pode observar, por exemplo, dos Ofícios de nº 2.722/2010 e 1.763/2011. Neste último, esta instituição chega a requisitar a revisão dos laudos”.

A questão não dizia respeito à matemática, entretanto. No dia 27 de agosto de 2011, em visita às comunidades atingidas no Sítio Lapa, em Potiretama, e na Vila São José das Famas, em Iracema, juntamente com representantes da RENAP, da Cáritas Diocesana  e da Diocese de Limoeiro do Norte, a Defensora Pública Federal Gislene Frota Lima tomou conhecimento de fatos extremamente graves, conforme relata. E os grifos são originais do documento:

“No último contato pessoal (…) travou-se um questionamento sobre a atuação de uma advogada que, em abril de 2011, teria comparecido à comunidade, em veículo do DNOCS. Um morador, de nome Miguel, presente à reunião, afirmou que fora ele o responsável pela ida da advogada, promovida com o intuito de agilizar o recebimento das indenizações fruto da desapropriação que já se encontrava ajuizada. Um outro morador afirmou que cerca de dez expropriados assinaram procuração “ad judicia” outorgando poderes à Maria Sofia Quirino da Cunha Farias. Este morador informou que, além de ter chegado à comunidade em carro do DNOCS, esta advogada é filha de uma funcionária do DNOCS que tem destacado papel na construção da Barragem Figueiredo.

Através de diligências realizadas pela Defensoria Pública da União, verificou-se que a advogada Maria Sofia Quirino da Cunha Farias é efetivamente filha de Maria do Socorro Quirino da Cunha, que é Chefe do Serviço de Estudos Ambientais do DNOCS [grifos TP] e também advogada . O destacado papel funcional que Maria do Socorro Quirino da Cunha exerce no DNOCS pode ser verificado através, por exemplo, do teor da Nota Técnica emitida pela mesma, bem como do Memorando de n.º 14/2011/CEP/EA que repousa nos autos do processo de n° 00680-04.2010.4.05.8101 (Ação de Desapropriação promovida pelo DNOCS contra as famílias do Sítio Lapa), cujas cópias seguem em anexo.

Importa ressaltar que neste mesmo processo em que repousa o Memorando de n.º 14/2011/CEP/EA da lavra da Sra. Maria do Socorro Quirino da Cunha, consta a atuação da Sra. Maria Sofia Quirino da Cunha Farias, que o fez no único sentido de concordar com os valores das indenizações determinados pelos laudos do DNOCS (cópia da petição em anexo), a despeito de por diversas vezes, inclusive publicamente, os moradores do sítio Lapa manifestarem discordância quanto a esses preços.

Não poderia esta DPU quedar-se inerte diante de tão fortes indícios de improbidade administrativa e até possíveis ilícitos penais. Viu-se, então, no dever de provocar o Ministério Público Federal a fim de que possa diligenciar no sentido da repressão às condutas ilegais”.

Após citar os dispositivos da Lei 8429/1992,  que configuram improbidade administrativa, a representação continua, primorosa e dignamente:

“Ora, conforme as afirmações feitas pelos moradores do sítio Lapa, as representadas valeram-se da estreita relação mantida com o DNOCS e da situação de desgaste e insegurança que assola as famílias da região desde que a obra foi anunciada, para obterem vantagens e cercear o direito dos moradores de questionarem os valores da indenização.

Diante dos fortes indícios de envolvimento das representadas com os acontecimentos relatados, é mister investigar-se os fatos alegados para que, decidindo-se por cabível, ajuize-se ação civil pública por improbidade administrativa ou mesmo que se ofereça denúncia por possível crime de corrupção passiva e ativa, dado o envolvimento de um morador da comunidade da Lapa chamado Miguel que afirmou ter sido ele mesmo quem proporcionou o acesso da referida advogada à comunidade da Lapa.

Notadamente, os moradores da Lapa, em geral, possuem baixíssimo grau de instrução, o que facilita a atuação de pessoas mal intencionadas. Segundo o relato demoradores na referida reunião, boa parte deles assinou as procurações “ad judicia” no temor de não receberem valor algum, apesar de desconfiados da idoneidade de uma advogada que chegava à comunidade em veículo de propriedade da parte contrária”.

E encerra, pedindo:

“Diante dos graves fatos narrados, faz-se imprescindível que, para se garantir um processo justo referente ao pagamento das indenizações, seja instaurado processo administrativo no âmbito deste órgão a fim de se apurar e denunciar os possíveis ilícitos de autoria da Sra. Maria do Socorro Quirino da Cunha, de sua filha Maria Sofia Quirino da Cunha Farias e de demais envolvidos.

Fortaleza/CE, 22 de setembro de 2011″.

A palavra está, agora, com a OAB do Ceará e – claro – com o DNOCS, dos quais aguardamos medidas urgentes!

Por outro lado, vale agradecer a Gislene Frota Lima e à sua estagiária, Dillyane de Souza Ribeiro. Não exatamente pela ação em defesa da comunidade atingida pela Barragem Figueiredo, em relação à qual cumpriram seu papel de servidoras públicas da melhor forma. Vale agradecer a elas, sim, pela possibilidade de realimentar a nossa confiança de que é possível chegarmos a um País melhor e mais justo.

Com base em cópia da representação, enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.