Entre a liberdade do Marco Civil e a Ditadura Digital

Mobilizados contra AI-5 Digital, ativistas seguem pressionando Governo e parlamentares pela garantia da liberdade na internet

Patrícia Benvenuti

A presidenta Dilma Rousseff apresentou ao Congresso Nacional, na noite desta quarta-feira (24), o projeto de lei para regulamentar o uso da internet no Brasil, conhecido como Marco Civil da Internet.

O PL 2126/11 propõe dez diretrizes para a governança e uso da internet no país, definindo regras para garantir os direitos dos usuários, as responsabilidades dos provedores de serviços e a atuação do Estado no desenvolvimento e uso da rede. Dentre as propostas está que os provedores de acesso guardem os registros de conexão sob sigilo por um ano.

O Marco Civil é uma reivindicação de ativistas de mídia livre e entidades do direito à comunicação, que defendem que a regulamentação deve ocorrer antes de se propor a punição de crimes na internet, como é o caso do Projeto de Lei 84/99. Chamado de “AI-5 Digital”, o projeto tem causado protestos e é acusado de tentar restringir a liberdade na rede.

O projeto de lei, que tramita em regime de urgência em três comissões na Câmara dos Deputados, foi tema de uma audiência pública também nesta quarta-feira (24). O encontro, promovido pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, contou com a participação de ativistas, pesquisadores e parlamentares.

Histórico

Inicialmente proposto em 1999, pelo então deputado Luiz Piauhylino, o PL 84/99 foi aprovado pela Câmara quatro anos depois, mas foi alterado pelo então senador Eduardo Azeredo, o que lhe rendeu o apelido de “Lei Azeredo”.

Em 2008, a proposta voltou para a Câmara com um novo texto, e Azeredo, então deputado federal, virou seu principal impulsionador. Na última versão do documento, alguns pontos polêmicos já haviam sido retirados, como a previsão de que o provedor de acesso à internet informasse à autoridade competente, de maneira sigilosa, denúncias ou indícios de prática de crimes em sua rede de computadores. No entanto, foi mantida a obrigação de os provedores manterem em ambiente controlado e de segurança, por três anos, os dados de conexão dos usuários.

Vigilância

Durante a audiência pública nesta quarta, organizações sociais representadas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entregaram aos deputados Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e à deputada Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da Frente Parlamentar para a Liberdade de Expressão, um abaixo-assinado com 350 mil assinaturas repudiando a proposta, que representa, segundo eles, uma ameaça aos direitos e liberdades na internet.

Azeredo respondeu às críticas afirmando que a discussão é válida, mas que a tendência é de que o texto permaneça como está. “O projeto já está na fase final. A Câmara aprovou em 2003, o Senado em 2008. Estamos discutindo apenas as alterações feitas pelo Senado. Pelo Regimento Interno, nesta altura só é possível fazer exclusões”, afirmou.

Ativistas de mídia livre, pesquisadores e várias entidades da sociedade civil, porém, rejeitam o PL e sustentam que seu intuito é aumentar a vigilância na rede. Por meio de uma resposta escrita de forma colaborativa para o Brasil de Fato, o Partido Pirata (http://noticias.partidopirata.org/) demonstra preocupação em relação ao Projeto de Lei.

“No caso do AI-5 Digital, o vigilantismo estaria na adoção da regra de que todo mundo que usa a Internet teria seus dados registrados automaticamente e armazenados obrigatoriamente por três anos”, diz o Partido.

O professor e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) Sérgio Amadeu tem opinião semelhante e avalia que a proposta não servirá para punir quem pratica crimes na internet.

“O cidadão comum é muito fácil de ser identificado. Mas para fazer crimes na internet precisa usar proxies anônimos, embaralhadores de texto. Por isso que a lei do Azeredo é inócua contra os verdadeiros criminosos, só visa a criar uma situação de vigilância”, afirma.

Interesses

O objetivo principal do PL, para Amadeu, é atender aos interesses de setores econômicos, como o dos bancos. Atualmente, os bancos são responsabilizados por eventuais ataques e estariam tentando, segundo o professor, se eximir de suas obrigações.

“O banco ganha muito dinheiro e não pode querer se desresponsabilizar pela guarda do dinheiro dos seus correntistas. Mas com a mudança da lei do Azeredo, ele vai tentar repassar essa possibilidade desses crimes de roubos, dos furtos eletrônicos, para outros agentes, como provedores de internet”, explica.

O interesse pelo Projeto de Lei, de acordo com Amadeu, também parte da indústria internacional do copyright, que quer criminalizar, em todo o mundo, práticas de compartilhamento de arquivos na rede.

“O Azeredo insiste que o projeto dele não tem nada a ver com copyright, e nós sabemos que tem, porque toda a redação dele [do PL] é tão genérica para poder transformar práticas cotidianas de internautas em crime”, afirma.

Alternativa

Como alternativa à matéria de Azeredo, um grupo de deputados apresentou, no início de julho, uma proposta alternativa para a punição de crimes cometidos na internet. O documento está em consulta pública no portal e-Democracia, da Câmara.

Elaborado pelas deputadas Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e Luiza Erundina (PSB-SP) e pelos deputados Paulo Teixeira (PT-SP), João Arruda (PMDB-PR), Brizola Neto (PDT-RJ) e Emiliano José (PT-BA), o texto substitutivo acrescenta ao Código penal três tipos de crimes na internet: o acesso indevido a sistemas informatizados; a inserção ou difusão de código malicioso (vírus) e inserção ou difusão de código malicioso seguido de dano. No documento inicial de Azeredo havia a tipificação de 20 crimes; atualmente são 12.

Além disso, diferente do PL 84/99, a proposta dos deputados não prevê nenhum tipo de armazenamento dos logs [rastros deixados pelos usuários da internet enquanto navegam].

“O texto de Azeredo carrega claramente uma intenção de exercer um controle sobre a internet na medida em que ameaça frontalmente a privacidade dos internautas. Já a nossa proposta intenta apenas combater os crimes digitais e proteger os cidadãos”, afirma o deputado Paulo Teixeira.

Para o Partido Pirata, a proposta dos deputados tem pontos positivos, como a valorização do debate público como forma de construção legislativa e o fato de limitar-se a prever tipos penais, e não tenta prever novos mecanismos ou procedimentos de investigação.

“Isso é crucial, porque é exatamente por tratar todo usuário de Internet como suspeito a ser vigiado que o projeto original (nº 84/99) foi apelidado de AI-5 Digital”, destaca o Partido.

Entretanto, a tipificação dos crimes ainda é considerada um problema. “[O texto] tipifica crimes na internet de forma mais perversiva que em casos fora da internet”, diz a nota. Como exemplo, citam que o crime de invasão de computador prevê penas de três meses a um de prisão e multa, enquanto a invasão de domicílio, de acordo com o Código Penal prevê detenção de um a três meses ou uma multa.

Sergio Amadeu, porém, avalia que a proposta dos deputados ainda contém muitas falhas, como a manutenção de expressões genéricas como “dispositivo de comunicação”. Para o especialista, o intuito dos deputados ao apresentar a proposta era frear a pressão de Azeredo e de setores interessados na aprovação do PL 84/99.

“O projeto dos deputados é uma tentativa honesta, mas ainda ruim, porque eles deveriam ter insistido com o governo para mandar o Marco Civil da Internet, não querer fazer uma lei com alguns artigos que poderiam ser menos graves do que a proposta do Azeredo”, analisa.

Marco Civil

A minuta dos deputados ficará em consulta pública por prazo indeterminado, já que a intenção dos parlamentares é votá-la depois da aprovação do Marco Civil da Internet. Construído de forma colaborativa em uma plataforma aberta na internet, o Marco Civil estabelece direitos e responsabilidades dos usuários e provedores na rede. “Antes de pensar em punir quaisquer cidadãos, é preciso assegurar seus direitos básicos”, avalia o deputado Paulo Teixeira.

Para Sérgio Amadeu, a aprovação do Marco Civil colocará o Brasil na vanguarda dos direitos humanos e de comunicação na rede. “Então enquanto países conservadores como Espanha, Inglaterra e França tentam fazer criminalizações e mudar a lógica da internet, o Brasil iria fazer uma lei para regulamentar a liberdade, a privacidade e a cidadania na internet, isso é muito importante”, avalia Sérgio Amadeu.

O Partido Pirata também ressalta a importância do Marco Civil, lembrando que, com a regulamentação da rede, será possível impulsionar políticas públicas como expansão do uso da Internet na Região Norte ou a garantia de acesso para pessoas pobres. “O Marco Civil tem a incumbência de garantir em texto que os direitos fundamentais da população valham também na Internet e de impor ao Estado que empenhe esforços para fazer da rede uma ferramenta pública de exercício da cidadania e da cultura”.

Para entender:

Proxy: servidor que atende a requisições repassando os dados do cliente à frente: um usuário conecta-se a um servidor proxy, requisitando algum serviço, como um arquivo, conexão, página web, ou outro recurso disponível em outro servidor.

Foto: Beto Oliveira/Agência Câmara

http://brasildefato.com.br/node/7303

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