Na manhã dessa segunda-feira (8/8), o povo indígena Kaingang bloqueou estradas que atravessam seus territórios no Rio Grande do Sul em protesto por melhores condições de saúde e contra a falta de serviços de atenção à saúde indígena. É também objeto de luta a criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) específico para o estado.
O problema é recorrente entre os povos que habitam diversas áreas do País. No início do mês de julho, os Pataxó Hãhãhãe, na Bahia, também enfrentaram dificuldades com a questão da saúde. Depois da morte de uma senhora indígena, na aldeia de Água Vermelha, no município de Pau Brasil, lideranças foram até Salvador em busca de assistência. Em resposta, uma comitiva da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) visitou a região no fim do mês para conhecer a realidade da saúde local, através do contato com lideranças indígenas. As reclamações dos Pataxó Hãhãhãe também se referiam à omissão do sistema de saúde nas comunidades e à negligência por parte dos órgãos federais.
Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), afirma que os problemas afetam povos e comunidades diversos. “O caso mais extremado na atualidade é o dos Guarani e parte da população Terena, no Mato Grosso do Sul (MS)”. Ele conta que mesmo povos como os Yanomami, que dispõem de um território formalmente reconhecido e extensão suficiente para a manutenção e reprodução do seu modo de vida em termos sociais, culturais, políticos e econômicos, não convivem em boas condições de sáude. “Isso em decorrência da crescente presença ilegal de garimpeiros no interior desse território, dentre outros agentes e fatores, que direta e indiretamente tem agravado o quadro de saúde da população”, explica Verdum.
Segundo o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, a desnutrição, a anemia, o alto colesterol e outros problemas afetam os povos indígenas, principalmente aqueles que possuem um relacionamento mais intenso com a população brasileira não-indígena ou que veem seus territórios invadidos por terceiros ou por obras de infraestrututra. O relatórioViolência contra os Povos Indígenas no Brasil 2010, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), traz números alarmantes. Comparado ao documento de 2009, a mortalidade infantil cresceu 513%. Na terra indígena Parabubure, no Mato Grosso, 60 crianças do povo Xavante morreram por desnutrição, doenças respiratórias e infecciosas. A falta de assistência à saúde vitimou mais de 25 mil indígenas, apontam os dados.
Verdum comenta que a condição atual da saúde da população indígena vai além da falta de cuidados médicos. “Pode-se dizer que o cuidado médico, ou melhor, a falta dele é o final da linha de um conjunto de outros fatores”. Como parte dessa conjuntura, ele cita a expansão desenfreada da fronteira econômica e demográfica, orientada por um processo de ocupação de territórios e exploração de recursos, calcado em visões racistas e colonialistas do século XVI, mas que perdura até hoje.
Sobre o papel das organizações da sociedade civil, ele comenta que a sua atuação deve ser orientada pela promoção da autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. “Isso passa, por exemplo, pela garantia de territórios com extensão suficiente e ambientalmente saudáveis. Passa pelo reconhecimento do direito àconsulta adequada e ao consentimento prévio, livre e informado nos assuntos que possam impactar seus territórios e sua gente. Pela obrigação dos operadores (governantes) do Estado brasileiro, nos diferentes níveis, cumprirem e zelarem pelo cumprimento desses direitos e deliberações”
De quem é a responsabilidade pela saúde indígena
De acordo com Verdum, a política de atenção à saúde indígena é parte do Sistema Único de Saúde (SUS). A lei 9.836, de 23 de setembro de 1999, estabeleceu o Subsistema de Saúde Indígena. Em outubro de 2010, a lei passou a ser executada pelo próprio Ministério da Saúde, depois de pressões do movimento indígena, devido a denúncias de corrupção e ineficiência, dentre outras. Antes, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) era a responsável pela área. Foi então criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que conta com o Departamento de Gestão da Saúde Indígena e com o Departamento de Atenção à Saúde Indígena.
O subsistema conta também com 34 DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), que possuem postos de saúde, pólos-base e as chamadas Casas de Saúde do Índio (Casais). Cada DSEI abriga um ou mais territórios indígenas e funciona como uma unidade gestora descentralizada do subsistema. Verdum explica que “teoricamente, os Pólos-Base são a primeira referência da população indígena em caso de necessidade ou urgência. Eles estão localizados nos territórios indígenas, dando suporte à ação dos Agentes Indígenas de Saúde que atuam nas aldeias. Hoje são 355 pólos-base. O pólo-base é também responsável por encaminhar pessoas que demandem uma atenção mais complexa, como cirurgias, internação etc”. Além disso, cada unidade básica de saúde deveria possuir uma “equipe multidisciplinar de saúde”.
Por fim, para completar o sistema, organizações não governamentais e unidades de saúde públicas e privadas podem prestar serviços na área. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ministério do Desenvolvimento Social também podem contribuir na proteção da saúde indígena.
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