A Defensoria Pública do Ceará e sua caixinha de surpresas anuais

Tania Pacheco

Todas as pessoas que acompanham este Blog sabem que ele sempre destacou a importância das Defensorias Públicas, tanto a da União como as estaduais. De um lado, sempre afirmamos o absurdo que é estados como Paraná não terem ainda cumprido a lei e realizado concurso para a constituição da DP estadual; de outro, defendemos sempre a necessidade de comunidades tradicionais e  movimentos sociais se informarem mais sobre o papel das Defensorias – em particular sobre a Lei Complementar 132/2009 –  e as transformarem de fato nas aliadas que devem ser, de acordo com a própria legislação que as criou e regulamentou.

Embora as DPEs já estejam funcionando na maioria dos estados (mesmo que em alguns de forma irregular, sem concurso e usando o cargo para garantir a subserviência ao eventual governo), apenas cinco  – SP, BA, AC, TO e RR – tinham instalado uma figura de grande importância para a sociedade civil: a Ouvidoria Geral. No caso, trata-se de pessoa a ser indica pela própria sociedade para fazer uma “ponte” crítica com a DPE. A escolha deve ser apresentada em lista tríplice, explicitando o número de votos recebidos. E o normal é que a democracia se faça exercer, respeitando-se a indicação da pessoa mais votada.

No Ceará, onde a Defensoria Pública nos surpreendeu precisamente há um ano, em agosto de 2011, lacrando o escritório onde funcionava o Núcleo de Ações Coletivas (NAC) e expulsando o Defensor Thiago Tozzi (responsável, entre outras, pela Ação Pública contra a MMX e o Porto de Pecém), parecia que alguma coisa havia mudado.

Aparentemente respeitando as reivindicações de movimentos sociais, ONGs e comunidades, a DP anunciou que se tornaria a sexta, no País, a obedecer à lei, criando sua Ouvidoria Geral. Chegamos até a escrever, neste Blog: “Vale louvar a Defensoria Pública do Ceará pelo seu respeito à Lei e às práticas democráticas, esperando que os demais estados onde as DPs existem sigam seu exemplo”.  Ingenuidade…

O processo teve início com declarações em jornais anunciando e louvando a iniciativa, enquanto a sociedade civil se reunia, discutia e, finalmente, construía e encaminhava sua lista tríplice, integrada por Rodrigo de Medeiros Silva (vencedor, com 12 votos), Ana Virginia Ferreira Carmo e Jairo Rocha Ximenes Pontes (nove votos, cada um).

Como se não bastasse a tradição de se acatar a indicação da pessoa mais votada, no caso em questão essa escolha deveria ter sido ainda mais fácil e óbvia pelo fato de os dois candidatos empatados em segundo lugar terem dado declarações em favor da escolha do nome vencedor, ao longo das últimas semanas, assim como as entidades nas quais trabalham e as que propuseram suas candidaturas. Mais: ontem, na reunião do “Conselho Superior da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará” para a decisão final e divulgação do nome da pessoa escolhida, Virgínia e Jairo não só propositadamente deixaram de apresentar suas “plataformas de atuação”, sem as quais suas escolhas já estariam teoricamente comprometidas, como se limitaram a reafirmar que esperavam “a nomeação do mais votado”. E esse mais votado foi o único a cumprir com todos os quesitos, apresentando sua plataforma de atuação, devidamente discutida e construída com a sociedade civil que o escolhera.

Só que estavam lidando com o “Conselho Superior da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará” e, além do mais, era novamente agosto… Então, nada mais normal que ignorassem votação, apoio público e plataforma! E mais: que alguém dissesse inclusive que, caso Ana Virgínia, a escolhida, renunciasse, o processo seria sumariamente cancelado, dando lugar a uma nova eleição. Isso comprova que o que houve não foi apenas a rejeição do nome mais votado e legitimado, mas uma tentativa de refutar de alguma forma a vontade da sociedade civil, já que não havia outra saída a não ser escolher um dos três.

Penso que esse episódio é de alguma forma emblemático e desafiante. Não só para os movimentos do campo popular, cuja decisão foi tripudiada, como para os/as Defensores/as Públicos/as do Ceará que não compactuam com o desrespeito às práticas democráticas. E essas pessoas existem igualmente no órgão, ainda que pelo visto alijadas dos “Conselhos Superiores” e de outros centros de decisão não-republicanos.

Assim, o importante agora é que Ana Virgínia, Jairo Pontes e Rodrigo Medeiros, assim como os movimentos e entidades que em torno deles se reuniram, tenham clareza para enfrentar essa situação, encarando-a não como uma derrota, mas como um belo desafio. Um desafio que pode começar pela costura do Conselho Consultivo a ser constituído e que pode caminhar para uma aliança, inclusive, com os/as integrantes da DP que respeitam a “coisa pública”.

Só assim será possível chegar  à efetiva democratização da Defensoria Pública. E tomara que isso aconteça antes que um novo agosto nos ameace.

 

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