Santo Amaro da Purificação: “A herança maldita na terra de Caetano e Bethânia”

Terra de artistas apresenta a maior concentração de chumbo por habitante do planeta por causa de atividade desenvolvida há 40 anos por multinacional no rio Subaé. Foto: Leopoldo Silva

Paula Thomaz – Carta Capital

A cidade baiana de Santo Amaro da Purificação, terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia, é também sinônimo de abandono. Mesmo repleta de trilhas, cachoeiras e cascatas, o berço dos artistas ilustres jamais conseguiu se fixar na rota do turismo no belo Recôncavo Baiano desde a instalação, em 1960, da Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), uma subsidiária da empresa francesa Metaleurop, então maior produtora do metal pesado no mundo.

A empresa encerrou as atividades nos anos 1990, mas a contaminação das áreas afetadas, e das pessoas que moravam ou trabalhavam na área de influência, ainda parece longe de ter um desfecho.

A grande exploração do minério, trazido de minas do interior do Estado, poluiu o rio Subaé – tema, inclusive, de música de Caetano, “Purificar o Subaé”. O solo da cidade, de 62 mil habitantes, também foi afetado em razão dos resíduos descartados de maneira indevida; o ar, num raio de um quilômetro do entorno da empresa, também foi contaminado.

No auge, a Cobrac, chegava a produzir 30 mil toneladas de chumbo/ano, o que correspondia a 5% da produção mundial. Quando fechou as portas, em 1993, a companhia havia comercializado 900 mil toneladas de chumbo. Mas, para a população de Santo Amaro da Purificação, o legado passa longe da prosperidade.

“A Metaleurop deixou uma herança maldita para os moradores de Santo Amaro: 3 milhões de toneladas de rejeitos contaminados, incluindo metais pesados, como o cádmio, e mais 300 mil toneladas de escória com alta concentração de chumbo”, afirma o deputado Sarney Filho (PV-MA). Ao lado de Roberto Lucena (PV-SP), Sarney Filho está à frente de um grupo de trabalho que deverá averiguar, diagnosticar e propor soluções para a contaminação por chumbo e outros metais pesados no município.

Na última semana, ele e outros deputados federais se reuniram na Comissão de Meio Ambiente da Casa para colocar em discussão a situação do local.

Segundo Sarney Filho, armazenada a céu aberto, a escória foi levada pelos ventos, entrou na alimentação dos animais domésticos, foi lançada em quintais, despejada no rio Subaé, usada como aterro nas estradas ou simplesmente espalhou-se pelas ruas e praças. Por conta dessa exposição permanente, boa parte da população apresenta elevados índices de contaminação, “e a cidade apresenta a maior concentração de chumbo por habitante no planeta”.

“Nossa vida está comprometida”

Vítima da contaminação, o morador e ex-funcionário da Cobrac Augusto César Lago Machado sente na pele as problemas dessa exposição ao metal. Ele adquiriu patologias como neuropatia crônica com perda de movimentos no lado direito do rosto e tem câimbras nos membros superiores e inferiores.

“A nossa contaminação é irreversível. Tivemos nossa carteira profissional manchada por metais pesados e a vida comprometida”, diz.

De acordo com ele, ao longo desses 40 anos foram feitas muitas pesquisas e poucas ações. “Só agora com a vinda da Justiça Federal itinerante e há dois anos com o trabalho da frente parlamentar ambientalista é que houve mudanças e as ações passaram a ser efetivadas. As indenizações realizadas na área trabalhista calculadas foram um verdadeiro absurdo, em 500 e 1.500 reais por vítima”, afirma o ex-funcionário.

O grupo de trabalho criado pelos deputados verdes pretende propor uma ação conjunta com a Comissão de Direitos Humanos do Senado, que já levou à presidenta Dilma Rousseff, em maio deste ano, um dossiê com informações detalhadas sobre a tragédia ambiental que afeta as condições de existência de centenas de moradores da cidade baiana.

O grupo se prepara para uma visita à cidade que vai gerar um relatório que será votado na Comissão de Meio Ambiente, com uma série de propostas que serão encaminhadas aos órgãos competentes. “Muitas dessas sugestões serão transformadas em resoluções, em projetos de lei e sugestões ao governo federal”, diz o deputado verde.

À frente do grupo de trabalho formado no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA) defende um debate com o “núcleo central” do governo diante da magnitude dos problemas que precisam ser enfrentados. Sugere, por um exemplo, um “PAC pela vida”, numa alusão ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que destaca os investimentos federais em infraestrutura.

Em entrevista à Agência Senado, o senador baiano afirmou que “durante anos a fio, por ignorância ou por falta de ação do poder público, as pessoas usavam as placas de chumbo para fazer pisos e paredes de suas casas. Também foram feitas avenidas e prédios escolares”.

Pinheiro explicou que, atualmente, o grau de contaminação é tão elevado que será preciso remover as pessoas e promover a reformulação completa de diversas regiões da cidade. Ele também cobra ações urgentes para salvar a vida dos que estão em estágio avançado de contaminação, conforme mostram estudos realizados no município.

O senador citou ainda estudos que indicam a necessidade imediata de destinar cerca de 300 milhões de reais para as ações de descontaminação da cidade, atendimento em saúde, indenizações e aposentadorias especiais.

Para Sarney Filho, “é muito difícil uma solução definitiva. Muitos malefícios foram causados, muitas mortes também e isso não há como solucionar. Temos que buscar a reparação moral e material para aqueles que foram atingidos e as famílias dos mortos. Temos que pensar em precaução para quem está nascendo.”

De acordo com o advogado Itanor Carneiro Júnior – que atua, junto da Procuradoria da cidade, em favor dos contaminados – entre os anos 60 e 90 a Cobrac atuava com cerca de mil funcionários nos três turnos de trabalho. Desses, o número de infectados é incerto, mas as consequências do contato com o minério são visíveis em parte da população que desenvolveu patologias causadas pela contaminação por chumbo e vive desassistida.

A lentidão para uma solução do caso, motivada pela falta de dados oficiais que comprove a doença causada pelo chumbo – e também a área total contaminada é o que impede que a justiça seja feita.

http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/a-heranca-maldita-da-terra-de-caetano-e-bethania

 

Comments (12)

  1. favor divulgar que nem o protocolo do chumbo,da saude da cidade foi implantado apos pesquisa em 2003 Projeto de Apoio à Organização e Implementação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde – Contrato no
    02/388 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/parte_01_samaro.pdf
    Protocolo do chumbo, http://www.brasilsus.com.br/noticias/nordeste/103872-populacao-exposta-a-metais-pesados-em-santo-amaro
    Nao realizado.
    E ao contrario de dados oficias sobre area contaminada indorme sobre o mapa para quem possa interessar!!

    http://www.sat.ufba.br/site/main.asp?view=galeria&id=47

  2. Agradecemos a compreensão do Combate do racismo ambiental, também zoraide vilas boas pelo apoio também ao Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e estaremos juntos sempre a favor do coletivo, e a senhora Virginia Rodrigues, sabias palavras realmente anos a findo na luta para que um dano provocado por uma empresa, fossem reparados pelo ESTADO, que autorizou tal absurdo,dentro de Santo Amaro,e mandou os malditos embora,muitas reivindicações coletivas e isoladas,e nada concretizou se,muito se aproveitaram para promovesse nas politicagens destruindo nossas lutas, mas somos sim o avanço contra o racismo ali estalado,que não silenciou mas pode ter certeza, com a pureza da alma que não descansaremos enquanto aquela cidade que amamos e o povo daquele lugar,tenha seus direitos reconstituídos.

    Purificaram o Subaé?

    Pior que não..ate então! nada!!e os malditos?áh esses sim, foram embora..deixando uma herança de 39 anos,um passivo ambiental horrendo,uma devastação abominável,e os ricos que ja corriam essa “gente morena“ ? lamentamos informar, que esses sao os filhos dos filhos da herança maldita,a da mutação.
    Esperando a redenção de uma luz que lhes alumiem, para lhes tirarem da? ´triste sina, de quem os enganou, pelo brilho do ouro falso,e de um governo, que foi tao omisso e ainda calado.

  3. Quando fui vereadora, em 1997, aqui em Santo Amaro da Purificação, também denunciei a contaminação por metais pesados, sobretudo chumbo e cadmio,de nossa cidade, iniciada nos anos 60, com a instalação da Companhia Brasileira de Chumbo, a então COBRAC, que depois passaou a chamar-se PLUMBUM, pertencente a uma multinacional gigantesca conhecida como PENARROYA. Na época. fui auxilida pelo biólogo José Ângelo dos Santos, cuja tese defendida na USP, é hoje reconhecida pela UNESCO, como referência para qualquer projeto de remediação da área contaminada. Santo Amaro é hoje a cidade mais poluída por metais pesados do Planeta. Denúncias e mobilizações foram feitas ao longo desses anos, mas até hoje nada foi feito por essa cidade tão sem sorte. Muitos ex-trabalhadores da COBRAC já morreram, vítimas dessa contaminação maldita. A escória de chumbo foi utilizada por muitos anos pela Prefeitura local, para assentar paralelepípedos nas ruas, o Subaé é hoje um rio poluído, depósito de lixo, esgoto e de metais pesados. Ao menos se fez um exame, para se estimar o índice de contaminação por chumbo entre moradores da cidade. “mandaram os malditos embora” impunemente, sem que pagassem pelos danos irreversíveis que causaram a Santo Amaro e a seu povo sem voz e sem vez. Há pior racismo ambiental do que esse que fizeram conosco?

  4. Entendo isso, Ney. Estamos na mesma luta. E obrigada, Zoraide, pelo apoio e cumplicidade.

  5. Nós, que vemos com preocupação a situação de Caetité (BA), onde os impactos psico socio ambientais da exploração de urânio pela Industrias Nucleares do Brasil, como a confirmada contaminação da água no entorno da mineração, tem afetado a saúde da população e o meio ambiente, concordamos com as críticas do MOPSAM, entendendo a angústia e revolta que sente no enfrentamento desta grave situação. Reafirmamos nosso apoio ao MOPSAM e a confiança no blog do GT Combate ao Racismo Ambiental da RBJA que, temos certeza, jamais censuraria nossos comentários.
    Boa tarde a todos,
    Zoraide Vilasboas
    Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania

  6. Os comentários não são liberados automaticamente pelo programa. E é humanamente impossível ficar 24 horas por dia cuidando do Blog. Então, comentários enviados à noite normalmente só são vistos e liberados no dia seguinte. Lamento que a ideia de censura da nossa parte sequer passe pela cabeça do MOPSAM.

  7. Quando informa a materia De acordo com o advogado Itanor Carneiro Júnior – que atua, junto da Procuradoria da cidade.

    A lentidão para uma solução do caso, motivada pela falta de dados oficiais que comprove a doença causada pelo chumbo – e também a área total contaminada é o que impede que a justiça seja feita.

    Isso de fato ocorre sim mas devido a politicagem que impedem a efetivaçoes das questoes pontuais,essa lentidão provocada pelos governantes perversos, que nao querem comprovar a doença na população,todos estao envolvidos,governo baiano,do Estado e federal e do propio municipio todos nos sabemos que deveria ter a muito tempo aplicado o protocolo do chumbo no municipio para indentificaçao coesa pelo SUS nos seus 3 niveis atraves dde coleta de exames,e isso nada foi feito uma total irresponsabilidade pelos governos que insistem ao promover a inercia.http://www.brasilsus.com.br/noticias/nordeste/103872-populacao-exposta-a-metais-pesados-em-santo-amaro-ganha-protocolo-para-atencao-a-saude.html
    Sobre a indentificaçao das área total contaminada é o que impede que a justiça seja feita é totalmente erronea uma vez que a UFBA,atraves de pesquiza divulgou o mapa mistificado total do municipio area de santo amaro com indices de contaminaçao por bairro com relaçao a contaminaçao do solo,portanto nao podemos ficar dizendo o que nao é verdade.O que falta para resolver a questao em St Amaro é que tomem vergonha e faça o correto sem politicagem barata que deixou um rastro de destruiçao e lacaios querendo comer os restos mortais de um povo sofrido chega de demagogia……..

  8. A população esta cansadas de vivenciar tanto racismos,como ambiental,institucional regional,alem de ver promoções feitas pela miséria a leia sem solução e sem resultado, comissões governamentais,grupos de trabalhos,Emendas parlamentares e que no final nao chega ao alcance da população atingida de forma real e comprometida , ao longo desse anos,onde na maiorias das vezes prejudicadas por relações de politica anti democráticas e nada transparentes,a uma preocupação de que tantas discussões que pode acabar como foi o PAC Saneamento como segue:DOSSIÊ PAC DO RIO SUBAÉ I E II PARTE SITUAÇÃO DO CASO DA CONTAMINAÇÃO DE CIDADE DE SANTO AMARO,http://mopsam-sus.blogspot.com/

    Movimento Popular de Saude Ambiental de Santo Amaro,é um espaço coletivo organizado que se destinará a empreender uma politica de conscientizaçao popular dos direitos e garantias de saude aos usuarios da Saude Publica“SUS´´pelas leis 8080/90 /8142/90 e das leis ambientais,direitos humanos fundamentais como a vida,esse conceito naceu da necessidade obvia de que a populaçao se organizasse para buscando desenvolvimento e reparaçoes de uma Santo Amaro que pede SOCORRO e temos a obrigação de construir um espaço de articulação para efetivar o controle social no município para garantir direitos fundamentais.

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