Os interesses por trás das hidrelétricas da Amazônia

O governo federal tem um plano ambicioso para Rondônia.  E não se trata só das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em construção no Estado, com capacidade para gerar 6% da energia do Brasil.  O arranjo é maior.  Se tudo ocorrer conforme o projeto inicial, outras duas barragens serão erguidas ali.  Além de uma hidrovia para ligar o país à Bolívia.  O rio Madeira se transformaria num corredor importante de comércio para conectar o Brasil aos países da América do Sul.  E abriria um canal – hoje inexistente – para escoar os grãos produzidos no vizinho e no Mato Grosso.  A despeito da grandiosidade do projeto, pouca gente o conhece. A reportagem é de Aline Ribeiro e publicada pelo Blog do Planeta, 07-06-2011.

As hidrelétricas do rio Madeira sempre foram controversas.  Primeiro porque alagam uma área de floresta e deslocam os ribeirinhos de suas casas.  Segundo pelas próprias características do rio.  O Madeira carrega em suas águas uma quantidade atípica de sedimentos, que pode prejudicar as usinas.  Em épocas de cheia, arranca árvores de suas bordas e as leva correnteza abaixo (daí seu nome).  Isso pode destruir as turbinas de geração.  Quando o governo anunciou as hidrelétricas, os ambientalistas ficaram com os ânimos exaltados.  As obras foram, inclusive, apontadas como o principal motivo da saída do governo da senadoraMarina Silva (PV), então ministra do meio ambiente.  Ela batia de frente com o Ministério de Minas e Energia ao discordar da construção sem critérios.  E sua permanência se tornou insustentável diante da postura do governo de manter o plano.

Diante da polêmica, não interessava ao governo bancar sua decisão de erguer o complexo todo.  Nem mesmo espalhar aos quatro ventos que, além de duas hidrelétricas, pretendia construir mais duas usinas –Abunã-Guayaramerín, na fronteira com a Bolívia, e a barragem Esperanza, já na Bolívia – e uma hidrovia (ver mapa).  “O licenciamento de outras grandes obras geraria ainda mais atrito”, afirma o sociólogoLuis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia.  “A opção do governo foi separar o complexo hidrelétrico da hidrovia para facilitar o financiamento das obras e a formação do consórcio.  E tentar conter uma crise política”

As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau fazem parte de um mega projeto de 12 países, Brasil incluído, para desenvolver a América do Sul.  Seu nome é Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).  O objetivo é auto-explicativo.  Ao conectar os países com obras de infra-estrutura (estradas de ferro, rodovias, hidrovias, usinas e linhas de transmissão), a possibilidade de crescimento se multiplica.  A construção das usinas do Madeira é só o primeiro passo.  As usinas, além de gerar energia, preveem eclusas para ampliar os trechos navegáveis do rio.

O rio Madeira já tem uma hidrovia.  Seus 1.156 quilômetros ligam a capital Porto Velho ao porto deItacoatiara, em Manaus.  Dali para o oceano é um pulo.  O problema é (literalmente) mais embaixo: o trecho de Porto Velho em direção à Bolívia.  Há ali inúmeras cachoeiras, um empecilho à ampliação da estrada fluvial.  As eclusas previstas nas quatro hidrelétricas resolveriam essa questão.  E aumentariam o pedaço navegável para 4.200 quilômetros.

Dois setores, em especial, levariam vantagem com o mega projeto: o de soja e o de minérios.  Se a hidrovia sair do papel, a capacidade de transporte de soja em 2015 pela Bolívia vai chegar a 50 milhões de toneladas ao ano.  Segundo o Iirsa, os estados de Rondônia e Mato Grosso, que hoje produzem cerca de 3 milhões de toneladas do grão por ano, passariam a colher 28 milhões.  Um aumento de mais de 800%.  Na Bolívia, a expectativa de produção de grãos é de 24 milhões.

O transporte fluvial tem inúmeras vantagens em relação ao rodoviário e ferroviário.  Por usar menos combustível, emite menos gases do efeito estufa e reduz a contribuição para as mudanças do clima.  Também é mais econômico.  O custo do transporte de carga por hidrovias no Brasil é entre 57% e 70% menor que o rodoviário, segundo a Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja).  Mas construir uma hidrovia sem qualquer transparência e planejamento pode ser desastroso.  Ao aumentar a pressão pela terra, o desmatamento explode.  Assim como a briga pela posse e os crimes no campo.  Esses custos estão longe de entrar na conta.

 

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