MG – Criação de parques condena 10 mil famílias à miséria

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Construção de barragens expulsou milhares de pessoas de suas casas; o mesmo acontece com as unidades de conservação
Leida Reis – Repórter Especial

A terra, esteio de vida e meio de sobrevivência, vira uma prisão. Plantações, criação de animais, extração de flores e de pedras preciosas estão proibidas. A temida indenização nem chega nem deixa de rondar feito pesadelo. A criação de parques nacionais e estaduais não garantiu completamente a preservação ambiental, já que neles ainda há carvoarias, alguns produtores usando matas para soltar o gado e extrativismo ilegal. De outro lado, criou um problema social sem tamanho, com outras famílias indo à miséria pelas restrições nas atividades econômicas, migração para favelas  e desemprego.

Nem o Governo federal nem o de Minas têm solução para o problema. Não há dotação orçamentária específica para indenizar os produtores rurais e retirá-los dos parques. Os processos se arrastam durante anos também pela burocracia, já que muitos não possuem título de propriedade, herdaram as terras e não as regularizaram. Outros são posseiros ou vivem em áreas emprestadas e só receberão pelas casas, cujo valor é irrisório.

Analistas ambientais e gerentes dos próprios parques concordam que o problema tem duas faces. A demora tira o sentido dos decretos governamentais que visam a proteção do meio ambiente. Ela leva famílias a abandonarem as terras e as empurra para empregos precários, uso de drogas e até prostituição, enquanto outras resistem, firmes, e continuam praticando atividades que devastam matas e agridem nascentes.

Pelo menos 10 mil famílias vivem no território mineiro nestas condições, mas nem o Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais nem o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) sabem exatamente quantas são. No total, 702 mil hectares não foram regularizadas.

O Hoje em Dia percorreu quase 3 mil quilômetros em visita a seis parques, três nacionais e três estaduais, e inicia hoje uma série mostrando o drama de homens, mulheres e crianças, o descaso com a vida que é colocada em contraponto ao meio ambiente.

Moradores amargam esperas

O clima entre os moradores dos parques estaduais e nacionais localizados em Minas é de desconfiança e angústia. Há relatos de confrontos com guarda-parques e as reuniões de conselhos consultivos não acontecem há anos. Ninguém sabe quanto vai receber pelas terras, quando terá que se mudar, o que pode e o que não pode fazer enquanto vive a longa espera. O Parque do Brigadeiro, criado em 1988, por exemplo, só tem 36% das terras regularizadas. Alguns choram ao imaginar que terão que entregar as casas em que moram e as suas áreas de pastagem e lavouras.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) admite que há problemas com a regularização fundiária nos cinco parques localizados em Minas. No Grande Sertão Veredas e no Cavernas do Peruaçu nenhuma área foi desapropriada, e o processo está mais avançado no Parque Nacional da Serra do Cipó, onde ainda há cinco casas com moradores. Numa delas, está Piedade Maria de Siqueira, de 64 anos, que resiste em sair.

“Daqui ninguém me tira. O Ibama quer roubar minhas terras. É um ladrão. Ninguém vai me tirar daqui”. Ela mora com o irmão Dionísio Ferreira de Siqueira, de 51 anos, numa pequena propriedade que não sabe quantos hectares tem, a cerca de 500 metros de uma das entradas do parque. É um dos exemplos de resistência.

Para a geógrafa Fernanda Tosta Monteiro, que defendeu, na UFMG, tese sobre a extração das flores nativas no Parque Nacional das Sempre-Vivas, o problema não é só fundiário. “As comunidades têm o direito, previsto em lei, de conhecer a proposta, opinar e mesmo negar o processo de criação de um parque, caso ele esteja em desacordo com a realidade local”, afirma. Na sua opinião, é necessário “transparência e seriedade”, já que a destinação destas áreas à conservação ambiental envolve “o destino das pessoas”.

O ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB), agora deputado federal, criou na sua gestão 11 parques (o Estado tem 30 no total) e acha que o caminho é pensar primeiro na preservação. “Fui o governador que mais criou parques. Não acho que o fato de haver propriedades particulares seja impeditivo para a criação”, afirma, ressalvando que nem todas as áreas devem ser protegidas, e admitindo que faltam recursos para a efetiva implantação das unidades de conservação.

O assessor de meio ambiente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Carlos Victor Mendonça, concorda. Para ele, principalmente com o Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados, deve-se agir a favor da biodiversidade. “A situação dos moradores fica para depois da criação do parque. A questão social deve ser levada em conta, mas deixar de criar parques não é a melhor opção”, opina.

A professora da UFMG Doralice Barros Pereira, especialista em meio ambiente, lembra que as pessoas “já estavam lá” quando foi criado o parque. “Uma das piores agressões é a desterritorialização, pois nem sempre as pessoas conseguem se reterritorializar novamente. E não há dinheiro que pague as relações sociais, a sociabilidade ou as práticas cotidianas”. Ela avalia que, se os governos não conseguem contar quantas são as famílias nesta situação, elas ficam “invisíveis”.

Terras continuam sendo negociadas

JANUÁRIA – Alheios ao processo de regularização fundiária, moradores de parques continuam comprando e vendendo terras. Não podem registrar escritura em cartório, por ser o negócio proibido, mas passam contratos de compromisso de compra e venda ou assinam simples recibos. Muitos não conhecem outra forma de negócio de terrenos.

O irmão de Marlene Alves Rodrigues, de 60 anos, vendeu “algumas hectares” para dois filhos de Olímpia Francisca dos Santos, de 72 anos, dentro do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no município de Januária. “Eu falei pra eles não comprar. Que eles não iam poder desmatar, que era dinheiro jogado fora. Mas eles tiraram da boca pra comprar e compraram”, conta a mãe. O objetivo é soltar vacas na área que chamam de “capoeira”.

Marlene diz que o clima no parque era “quente”, com várias reuniões entre moradores e destes com os representantes do Governo federal na época da criação do parque, em 1999. Dona Olímpia, ao lado do neto Vinícius, de 4 anos, prefere não falar muito. Desconfiada, teme que “o pessoal do Ibama” chegue a qualquer momento para tirá-la do sítio de 50 hectares, junto com o marido, Jove Lopes dos Santos, de 72 anos, e os sete filhos. Outros dois preferiram a vida na cidade. O sustento da família vem da aposentadoria dela e do marido e de pequenas lavouras de milho e feijão.

José Moreira Borges, de 53 anos, que tem oito filhos, confirma as vendas de terra dentro do Peruaçu. “Não pode ser parque aqui. Aqui todo mundo vende e passa documento de terra. Não está embargada a terra, não tem impedimento nenhum não”, garante, do alto do seu cavalo. O filho, que mora em São Paulo, conta, está comprando 12 hectares de terra na comunidade do Retiro. Ele também confessa que “às vezes” põe fogo na mata dentro de seus 21 hectares para formar pasto.

http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/criac-o-de-parques-condena-10-mil-familias-a-miseria-1.290457

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