Dourados – onde tudo é possível

O jornal Folha de Dourados (6 a 12 de maio) em suas manchetes e textos mostra um pouco do que se passa nessa prospera cidade de quase 200 mil habitantes, no cone Sul do Mato Grosso do Sul. Comenta as agruras de membros de uma ilustre família política de ex-prefeito, ex-vereador e deputado estadual, “A misteriosa prisão do Bin Laden douradense”.  Na fazenda da família, que em parte fica dentro de uma terra indígena, cuja portaria declaratória foi assinada recentemente pelo Ministro da Justiça, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado encontrou várias armas. Ainda na página cinco do jornal, destaque para a 47ª Expoagro, no coração do agronegócio, onde os organizadores esperam movimentar 84 milhões de reais. Uma das bandeiras nessas exposições é contestação dos processos de reconhecimento das terras indígenas. Conforme o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Marisvaldo Zeuli, “essa questão não vai acabar tão cedo, estamos atentos e mobilizados.

Enquanto isso repercute na imprensa regional, a situação de extrema violência na Terra Indígena Dourados, que é 800 vezes maior que a média nacional, não ganha grande destaque na mídia. Vários encontros têm sido promovidos pelo Ministério Público Federal, mas até o momento nenhuma ação efetiva foi tomada. Anastácio Peralta Kaiowá, membro da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), afirma que a polícia não está presente nas áreas indígenas porque não existe uma efetiva política de segurança pública para os povos indígenas.

Primeira Vila Olímpica em terra indígena

Ao mesmo tempo o jornal estampa o convite para a inauguração da Vila Olímpica na Terra Indígena Dourados. Há quem afirme ser a única no gênero dentro de terra indígena, em todo o país. Logo na área que tem se notabilizado pelo altíssimo índice de violência, em decorrência, em grande parte pelo confinamento dos mais de 13 mil indígenas que ali vivem. São famílias pertencentes a três povos – Kaiowá, Guarani e Terena, vivendo em3.500 hectares de terra.

A obra, que segundo o jornal, custou mais de um milhão e meio de reais, teve uma rápida cerimônia de inauguração, neste dia 9 de maio.  Conforme alguns diziam, trata-se de mais uma das várias inaugurações que a mesma obra já teve. Aliás, mais parecia um comício de não índios. Com a diferença de que quem serviu de saco de pancadas foi a Funai, que nas palavras iradas do governador André Puccineli  “apenas quer ter a reserva de  mercado dos indígenas.  Ela não faz e nem deixa fazer. Que a Funai nacional tenha vergonha na cara e dê condições de trabalho, sem tutelar…”.

Ainda em tom ufanista, Puccineli declarou que não houve governo que mais fez do que do que o dele no estado, e desfilou uma ladainha de números, destacando as 14.557 cestas básicas que distribui, aumentando de 22 para 26 quilos, das inúmeras casas, escolas construídas, patrulhas mecanizadas. O governador terminou sua catilinária dizendo: “Que deseja integrar os índios a partir do conceito de produção, para dar a eles a verdadeira independência”.

No fundo do ginásio, seu Getulio, importante liderança da aldeia Bororó, demonstrou sua indignação com o evento: “Nenhum Kaiowá foi convidado para estar lá na frente. Se aqui tivessem feito uma oga pysy – casa de reza – seria muito melhor. Kaiowá é mbaretê (forte), por isso, vamos continuar nossa luta com nossas Aty Guasu”. E terminou com ironia: “Se fosse falar de terra aqui seria perigoso cair no chão”.

“A Vila Olímpica Indígena de Dourados poderá propiciar uma nova fase na vida da população indígena, oferecendo um espaço nobre para a prática de esporte e lazer, como alternativa à violência e criminalidade dentro da Reserva Indígena”, afirma o deputado Rezende, um dos agenciadores da obra.

Formatura da 3ª turma do Ará Vera sem Rolindo

Na mesma Câmara de Vereadores, onde tantos escândalos foram revelados ultimamente, aconteceu a formatura dos alunos do Magistério Indígena Ará Vera. Durante o evento, uma ausência tomou conta dos sentimentos: a falta dos professores Rolindo e Genivaldo Vera. Rolindo, sumido e possivelmente executado no fim de 2009, quando estava com seu povo do Ypo’i na retomada de sua terra tradicional, se transformou, juntamente com Genivaldo, também assassinado nesta ocasião, um símbolo e paradigma dos professores Kaiowá Guarani.

Nesta mesma casa, há duas semanas foi aprovado o projeto que institui a “Semana dos Povos Indígenas de Dourados”, que, conforme seu propositor, o vereador Elias, será uma forma de garantir apoio e recursos do município para as atividades culturais e esportivas que as comunidades indígenas do município venham a programar, juntamente com a prefeitura.

Volta do Acampamento Terra Livre

Em torno de 80 representantes do Mato Grosso do Sul participaram do Acampamento Terra Livre e do Encontro sobre as terras em conflito, em Brasília. Ao retornarem as suas aldeias, foram unânimes em destacar a importância dessa mobilização indígena nacional. Porém evidenciaram que lá foram para lutar pelos seus direitos, especialmente à terra, situação exposta de forma contudente nos documentos que levaram, tanto em nome da Aty Guasu, como das diversas comunidades em luta pela terra. Por essa razão expressaram seu descontentamento com aqueles que tentaram direcionar os debates apenas para a troca da presidência da Funai.

Voltaram animados por sentir que sua luta continua sendo uma luta assumida como prioridade pelo movimento indígena brasileiro. Porém esperam gestos concretos dessa solidariedade, assim como tem acontecido por vários anos com a Raposa Serra do Sol, em Roraima.

 

http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=5533&eid=352

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