O Estado Brasileiro e a Política da Vale

Adhemar S. Mineiro*

Ao se considerar esse tema, deve-se ter em consideração ao menos cinco aspectos fundamentais a serem levados em consideração. O primeiro, diz respeito à própria história da empresa. O segundo diz respeito ao seu peso estratégico na estrutura produtiva brasileira. Vale lembrar ainda os temas do controle de capital da empresa e do seu financiamento. Finalmente, há que ser considerado o seu papel como uma das chamadas “campeãs nacionais” e, conectado a isso, sua própria internacionalização como elemento que se inter-relaciona com a política externa brasileira. O texto curto a seguir, para debate, procura avançar algumas idéias sobre esses cinco pontos.

A então Companhia Vale do Rio Doce é criada como empresa estatal em 1942, sob o governo de Getúlio Vargas e tendo como grande pano de fundo as negociações para a entrada do Brasil na 2ª. Guerra Mundial ao lado da aliança contra os chamados países do “Eixo” (Alemanha, Itália e Japão). Uma das contrapartidas era o Brasil se transformar em um grande fornecedor de minérios para as forças “aliadas” (capitaneadas por EUA, Inglaterra e a então URSS), particularmente para os EUA, no bojo dos chamados “Acordos de Washington” e para servir como um dos instrumentos para esse fim se unificou, sob a égide do Estado, a então Estrada de Ferro Vitória-Minas com vários projetos de exploração minerais existentes ao longo da ferrovia, particularmente a mina de Itabira.

Do ponto de vista nacional, fazia parte de um projeto que previa a instalação de grandes setores de indústria de base (siderurgia, refino, etc.) para o qual a produção de matérias primas básicas (ferro, bauxita, petróleo, etc.) era fundamental. A Cia. Vale do Rio Doce representou a nacionalização de empresas que já operavam setorialmente (e neste sentido, o processo foi muito parecido com muitos outros setores, como o próprio setor ferroviário, de petróleo, energia, telecomunicações e outros), combinando desde seu início mineração e logística (transporte ferroviário), sob o discurso e a estratégia do projeto nacional desenvolvimentista que se estruturava, mas desde o seu início voltada para a exportação de minérios. Como empresa de economia mista controlada acionariamente pelo Estado brasileiro a Cia. Vale do Rio Doce funciona de 1942 até 1997 crescendo em conexão orgânica com o Estado brasileiro, se expandindo em logística (navegação), se articulando com o projeto de implantação e desenvolvimento da siderurgia, e utilizando o mapeamento geológico do território brasileiro levado adiante pelo Estado e seu suporte político-econômico (incorporação da “província mineral” de Carajás, por exemplo, nos anos 1970-80, por exemplo).

A hoje denominada Vale SA é a segunda maior empresa do Brasil, atrás apenas da Petrobrás. No ano passado (2010) teve lucro líquido de R$ 30,4 bilhões (que podem ser comparados aos R$ 35,9 bilhões da Petrobrás, ou a média de cerca de R$ 10 bilhões em média das três grandes empresas do setor financeiro que vem a seguir, na ordem o Banco do Brasil, o Itaú e o Bradesco) e patrimônio líquido de R$ 116,3 bilhões (comparados aos R$ 310,2 bilhões da Petrobrás). Entre as 10 maiores empresas, apresentava uma rentabilidade (medida em lucro líquido sobre patrimônio líquido) de 26,2%, só superada pela Ambev (de bebidas, com 31%). A Vale se apresenta como empresa dominante nos setores de mineração e logística, e apresenta investimentos importantes em vários outros setores de processamento, como siderurgia e alumínio, além de fertilizantes. É uma empresa também hoje bastante diversificada a nível internacional, especialmente em regiões como África e América Latina. No setor de mineração, é a grande contribuinte para a Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (que arrecadou, em 2010, um total de cerca de R$ 1,1 bilhão de reais) – essa arrecadação não parece substancial frente ao total de arrecadação no país, mas os repasses para os níveis subnacionais (estados e municípios) são a componente estratégica aqui.

A partir da privatização da empresa, ocorrida em 1997, o que se observou foi que, embora a União deixasse de ser a proprietária da Vale (mantendo apenas as chamadas “golden share”, isso é, um volume de ações insignificante perto do total mas que tem que ser consultado sobre decisões consideradas estratégicas[1]), o Estado brasileiro, pela via de fundos públicos, seja diretamente pelo BNDES, seja pelos recursos do bloco controlado pelos fundos de pensão (liderado pela Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, e composto ainda pela FUNCEF, da Caixa Econômica Federal, e pela Petros, da Petrobrás) tem o controle do capital da empresa. O bloco de ações ordinárias (com direito a voto) é comandado (2011), através do controle de 53,5% das ações, pela Valepar. Além disso, o BNDESPar (BNDES Participações S.A., fundo de aplicação do BNDES) detém cerca de 6,8% das ações. A Valepar, grupo que controla a empresa, é por sua vez composto de 49% de ações sob controle da Litel (isto é, o conglomerado dos fundos de pensão liderados pela Previ), 11,5% pelo BNDESPar (ou seja, o bloco de fundos públicos detém 60,5% do controle do grupo controlador), cerca de 21,2% sob controle do Bradespar S.A. (fundo de aplicação do Grupo Bradesco) e cerca de 18,3% sob controle do grupo japonês Mitsui. Esse peso do controle público se reflete no Conselho de Administração da empresa, onde se destacam figuras como o presidente do Conselho de Administração e presidente da Previ, Ricardo Flores, o recém eleito Nélson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda e Luciano Coutinho, presidente do BNDES.

Em relação ao financiamento, parte expressiva do financiamento da empresa é feita pelo Estado brasileiro, não apenas pela disponibilização de fundos via propriedade de ações da empresa, como diretamente, via empréstimos do BNDES. Só para se ter uma idéia, em 2008, em meio a crise, o BNDES aprovou linha de crédito da ordem de R$ 7,3 bilhões, o maior volume de crédito já concedido a uma única empresa em uma única operação na história do banco. Aquela altura, significava financiar cerca de 20% do total de investimentos da empresa para os seguintes cinco anos no Brasil – e a maior parte dos recursos estava prevista exatamente para financiamento ao investimento da Vale nos seguintes cinco anos, outra parte para capitalização da empresa (deve ser lembrado que o ano de 2008 correspondia à eclosão da crise financeira aguda, o que levaria a dificuldades ou impossibilidades em relação às condições de tomada de capital no exterior) e finalmente uma parcela menor para projetos específicos (entre os quais alguns investimentos em logística, como a compra de navios, e investimento na hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins). Esse aporte feito a Vale correspondeu também a outros aportes feitos a outras grandes empresas nacionais, dentro da estratégia do BNDES de “anabolizar” um grupo de empresas nacionais líderes em seus setores, para crescer aqui dentro e no exterior, financiando desta forma grandes grupos nacionais com planos de investimentos substanciais como parte de sua estratégia.

No exterior hoje a Vale tem presença, além do Brasil, em um conjunto bastante grande de mais de 35 países (está presente em África do Sul, Angola, Argentina, Austrália, Barbados, Canadá, Cazaquistão, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Coréia do Sul, Emirados Árabes, Estados Unidos, Filipinas, França, Gabão, Guiné, Índia, Indonésia, Japão, Libéria, Malásia, Malauí, Moçambique, Mongólia, Noruega, Nova Caledônia, Omã, Paraguai, Peru, República Democrática do Congo, Reino Unido, Suíça, Zâmbia, Tailândia, Taiwan), o que deve ser observado como natural em uma empresa de mineração em expansão e diversificação. Essa diversificação de operações pelo mundo supõe não apenas um desenvolvimento expressivo de logística e capacidade empresarial, mas também uma forte articulação, para potencializar as possibilidades e o sucesso das operações, e até para reduzir os riscos naturais associados a essas mesmas operações, com o Estado e sua diplomacia, que passa a operar também em função dos interesses da empresa em muitos momentos, assim como de novo em relação aos mecanismos de financiamento dessa mesma estratégia de internacionalização em si.

Visto neste contexto, deve ser observado que a Vale, desde a sua constituição e pela sua história, passando por suas operações atuais e seu financiamento, sua expansão de atividades pelo mundo e pela própria composição de seu controle acionário, se articula fortemente com o Estado brasileiro, não sendo apenas instrumento de suas políticas, mas mais fortemente, se relacionando diretamente com os centros de decisão e influenciando a definição de estratégias da qual a própria empresa é, em muitos momentos, beneficiária.

[1] As chamadas “golden share”, também chamadas “ações preferenciais de classe especial”, devem ser propriedade do Estado brasileiro, que com elas passa a ter o poder de vetar qualquer ação proposta em relação às seguintes matérias: mudança do nome da empresa; a mudança na localização da sede da empresa; eventuais mudanças de objetivo da empresa no que se refere a atividades de mineração; eventual liquidação da empresa; qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das seguintes etapas dos sistemas integrados de mineração de minério de ferro da empresa: depósitos minerais, jazidas, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos; quaisquer alterações nos direitos atribuídos às espécies e classes das ações emitidas pela empresa e; quaisquer alterações dos direitos atribuídos pelo Estatuto Social da empresa para a classe especial de ações preferenciais.

* Economista, Consultor do IBASE na Plataforma BNDES. Texto produzido para debate no II Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale, Belo Horizonte, Abril de 2011.

http://www.justicanostrilhos.org/nota/720

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