SP – Quilombolas de Mandira conquistam direito real de uso sobre a Resex

Anna Maria Andrade – Isa

A Associação dos Remanescentes de Quilombo da Reserva Extrativista do Mandira obtém a Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) assegurando por 20 anos manejo exclusivo da comunidade sobre os recursos de uma área de 1.215 hectares no “mar de dentro”, região estuarina onde predomina vegetação de mangue, no município de Cananéia.

Oito anos depois de a Reserva Extrativista do Mandira ter sido criada, finalmente, o Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) firmou contrato em que concede à Resex o direito real de uso da área por 20 anos. Após esse período devem ser avaliadas as condições para eventual reedição da concessão.

“Com a concessão de uso podemos dizer que ‘agora a área é nossa de verdade’. Mesmo pertencendo à União, temos o documento de que a União passou pra gente. Esse alicerce dá base para possíveis enfrentamentos para defender o que é usofruto da gente”, comemora Chiquinho Mandira, presidente da associação dos remanescentes de quilombo da Resex.

Como as regiões estuarinas e manguezais pertencem à União, foi necessário que o Serviço de Patrimônio da União passasse a gestão da área para o Ministério do Meio Ambiente, para que o ICMBio pudesse efetivar o contrato de concessão, firmado em novembro do ano passado. “A necessidade do contrato de concessão de uso era ter um documento que empoderasse e legitimasse o uso da comunidade”, explicou o diretor da Resex, Valtency Negrão da Silva, funcionário do ICMBio.

Veja abaixo o mapa da Resex.

 

A criação da Resex de Mandira foi impulsionada no início dos anos 1990 pela articulação da comunidade local com pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras da USP e com a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo. O Projeto de Ordenamento da Exploração de Ostras do Mangue no Estuário de Cananéia contribuiu para a implantação de viveiros nos quais as ostras chegam ao tamanho comercial em apenas 4 meses, enquanto no mangue demorariam mais do que o dobro desse tempo. Com o estabelecimento dos viveiros, a extração de ostras diretamente no mangue diminuiu, preservando o recurso em seu ambiente natural e garantindo sua sustentabilidade. Inspirados pelo sucesso do projeto em Mandira, foi criada, em 1998, a Cooperativa dos Produtores de Ostras de Cananéia – Cooperostra.

O projeto acabou vencedor do Prêmio Iniciativa Equatorial 2002, durante encontro da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, realizado em Johannesburgo, na África do Sul, em agosto de 2002.

Plano de Manejo e gestão da Resex

Embora a Resex tenha sido criada em 2002, apenas em dezembro de 2010 é que o plano de manejo foi concluído, instaurando uma nova etapa na relação entre a comunidade e a reserva extrativista. Agora, a comunidade se prepara para implementar formas organização que possibilitem cumprir o que estabelece o plano e envolver cada vez mais os comunitários para participar da gestão da reserva. “Não queremos que os assuntos da Associação fiquem só com dois ou três. Queremos envolver mais os jovens”, anuncia Chiquinho Mandira.

Em um dos itens do plano de manejo estão previstas as normas de manejo não predatório dos recursos da reserva: além de ostras, há moluscos, caranguejos, peixes e recursos vegetais (como plantas medicinais, aromáticas e ornamentais, cipós, frutos, galhos, taquaras e bambus). O objetivo é estabelecer um pacto que garanta ao mesmo tempo a preservação do mangue e do modo de vida da comunidade de Mandira.

Morro de Mandira, em Cananéia

 

Uma série de ações estão planejadas para fortalecimento do conselho deliberativo e garantia da gestão compartilhada. Constam também do Plano de Manejo a capacitação de lideranças locais; obras e serviços de infraestrutura para o bom funcionamento da Resex; placas de sinalização na água para delimitação da área; aprofundamento das negociações com o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Procuradoria Geral do Estado e Incra para obtenção definitiva da posse coletiva das áreas tradicionais do Bairro Mandira em razão de sua tradição quilombola; fortalecimento do grupo das mulheres e das atividades de artesanato; construção de alojamento para recepção de pesquisadores, técnicos e funcionários.

Chiquinho Mandira falou ainda da necessidade de criar um canal de diálogo com pescadores de outras localidades, sobretudo aqueles que trabalham nas unidades de conservação vizinhas a Mandira, como a Reserva Extrativistas de Taquari, Reserva Extrativista da Ilha do Tumba e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Itapanhapima (as três criadas em 2008, por decreto estadual). “É necessário estabelecer uma relação de boa vizinhança para evitar que os limites da Resex de Mandira sejam desrespeitados”.

Manejo de ostras e turismo

Atualmente, todas as famílias de Mandira vivem do manejo da ostra. Nos meses de janeiro e fevereiro, período de “defeso” da ostra (quando a extração e a pesca são proibidas) mesmo dentro da Resex, a produção dos viveiros é suficiente para atender a grande demanda de ostras durante o verão no litoral.

Viveiro de engorda de ostras em Mandira

 

A comunidade desenvolve ainda atividades de turismo. A maior parte dos visitantes é de grupos escolares interessados em desenvolver atividades de estudos do meio. A comunidade oferece palestras, passeios pelo mangue e leva crianças e jovens para conhecer as estruturas dos viveiros e a cachoeira do Mandira, localizada dentro do território quilombola.

Casa de Pedra, patrimônio histórico-cultural da comunidade

 

O patrimônio histórico e cultural da comunidade também integra o roteiro. Entre os atrativos estão a Casa de Pedra, construção do século XIX utilizada para armazenamento e processamento de arroz; um sambaqui, sítio arqueológico que comprova a ocupação indígena da costa paulista; a igreja de Santo Antonio, padroeiro da comunidade e uma casa de farinha, onde os estudantes aprendem os passos do processamento da mandioca para produção de farinha. O artesanato produzido pela comunidade fica exposto no galpão de corte e costura, ao lado do centro comunitário.

A história de ocupação de Mandira, a descendência escrava dos atuais moradores do bairro, o modo de vida caiçara e quilombola, além de “causos” e lendas que os mais velhos contavam fazem parte da atmosfera criada para envolver os visitantes e apresentar os mandiranos e seu território em suas múltiplas facetas.

Território Quilombola

Além da reserva extrativista, que abrange as áreas úmidas no estuário, o território quilombola de Mandira, com 1705 hectares em terra firme, apesar de reconhecido em 2002, não foi titulado até hoje. O Incra finalizou, em dezembro de 2010, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) das áreas de terceiros dentro do território definido pela comunidade, quando de seu reconhecimento como quilombo em 2002. Para Chiquinho Mandira, presidente da associação, a recuperação destas áreas vai possibilitar o retorno às atividades de plantio.

 

 

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3299

 

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