O racismo escancarado

Silio Boccanera

Em qualquer país europeu, o deputado Jair Bolsonaro já estaria sem emprego, como resultado das declarações abertamente racistas e homofóbicas que fez sobre a cantora Preta Gil. Seria também o fim de sua carreira política em qualquer nível nos Estados Unidos, mesmo nos estados sulistas com forte herança racista.

Diante da repercussão negativa de suas declarações, o deputado tenta alegar que foi mal interpretado, mas suas palavras gravadas para um programa de televisão não deixam muitas dúvidas sobre seu preconceito contra negros e gays.

“O episódio mostra que temos muito o que avançar no combate ao racismo,” disse o responsável pela Secretaria de Igualdade Racial, Mário Theodoro. De fato, temos. E o primeiro avanço nesta direção seria reconhecer que existe racismo no Brasil, ao contrário do que uma imensa quantidade de pessoas no país insiste em manter, preferindo alegar que a discriminação no Brasil é social, de classe e não de raça.

O erro nesta interpretação é tão óbvio, que aparece até nas expressões de linguagem, como “negro de alma branca”, suposto elogio a um afrodescendente benquisto na comunidade. A expressão deixa clara a crença em que negro bom é o que se parece com um branco.

Entre os estrangeiros que logo notam o racismo brasileiro (escancarado com o de Bolsonaro ou disfarçado como o de muitos anônimos) se encontram correspondentes da imprensa internacional, que registram essas impressões por escrito, ao contrário de outros visitantes e expatriados que também esbarram no racismo mas se limitam a comentar com parentes e amigos.

Entre os do primeiro grupo está o americano Larry Rohter, que a partir dos anos 70 passou longas temporadas no Brasil como correspondente de várias publicações estrangeiras. Casado com brasileira, com filhos nascidos e educados no Brasil, tendo viajado mais pelo país do que a maioria dos locais, Rohter, que já deixou o país, registrou suas impressões sobre o racismo no livro recém-lançado nos Estados Unidos e na Europa Brazil on the Rise (Brasil em Ascensão, em tradução literal), com publicação prevista para breve no Brasil.

“Brasileiros de pele escura têm mais probabilidade de serem mortos pela polícia do que seus compatriotas brancos” – escreve Rohter. “Ganham menos, têm expectativa de vida menor e oportunidades mais limitadas de educação”.

O autor nota a tendência dos brasileiros a atribuir esses problemas a diferenças de classe e não de raça, mas aponta que “raça e classe estão inextricavelmente ligados no Brasil, com o foco em classe apenas sendo usado como cortina de fumaça para desviar atenção e crítica do problema mais fundo e subjacente de raça e racismo”.

Rohter lembra que até negros brasileiros ricos e de alto nível educacional podem ser submetidos a formas de discriminação que brancos pobres não sofrem, enquanto brancos pobres desfrutam de benefícios negados aos negros, mesmo os mais ricos.

Na comparação com os Estados Unidos, Rohter observa que o racismo e o combate a suas manifestações aparecem de formas diferentes nos dois países. Ele explica que o racismo nos Estados Unidos foi institucionalizado em lei e tem sido combatido pela modificação dessas leis, inclusive para acabar com a discriminação no dia a dia da moradia, da educação e do trabalho.

“O Brasil nunca precisou institucionalizar a exclusão, porque ela faz parte do código social não-escrito que brasileiros de todas as cores de pele entendem e aplicam”. Basta perguntar ao deputado Bolsonaro.

http://www.diariodemarilia.com.br/Noticias/97183/O-racismo-escancarado

 

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