Serra do Gandarela: segunda maior área de mata atlântica e maior área de campos rupestres sobre cangas de Minas Gerais enfrenta o cinismo, a ideologia perdulária e os negócios de Minas

por Gustavo T. Gazzinelli  – Movimento pelas Serras e Águas de Minas

 

“As razões de Minas nos cobram mais inconformismo, mais inquietação e ousadia…”

Antonio Augusto Anastasia, 01/01/2011

É de se indignar o cinismo e a hipocrisia institucionalizados no Brasil, na sociedade brasileira e em Minas Gerais, em particular. As últimas hecatombes naturais, no Japão, na Serra do Mar ou no processo contínuo de desmatamento da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga e da Mata Atlântica, parecem ser processos normais e desejáveis, como se nada tivéssemos a ver com isso.

No caso das nossas montanhas e águas, o que se vê é uma política deliberada de deixar fazer ou, no sentido literal da expressão, deixar desfazer o que a natureza levou milhões e bilhões de anos para construir. O argumento é primário: “minas está no nome”, “usamos carros, computadores, relógios e geladeiras – você queria o quê?”

Poucos se dão conta de que apenas um pequeno percentual do minério de ferro extraído de Minas Gerais é reprocessado pela indústria mineira e brasileira. Temos visto figuras de proa, como o ex-ministro Paulo Haddad, falar que a atividade mineral traz “desenvolvimento”. Sua empresa, Phorum, contratada pela Vale, está tentando convencer municípios da APA-Sul de Belo Horizonte a proceder à reformulação de seus Planos Diretores, que objetivam um desenvolvimento efetivamente sustentável e baseado no ecoturismo e na proteção de mananciais. O alvo é facilitar a entrada da mineração, pretendida por sua cliente, na segunda área em tamanho de Mata Atlântica e na maior área de campos rupestres ferruginosos ou campos rupestres sobre cangas de Minas Gerais – a Serra do Gandarela.

De outro modo, ONGs como a Amda e até a Biodiversitas, renderam-se aos apelos de seus parceiros mineradores, que financiam boa parte de suas atividades e obtêm em troca um silêncio parcimonioso, quando o assunto é a destruição de territórios vitais para a recarga hídrica de uma região metropolitana e da biodiversidade singular e rara. Este é exatamente o caso da Serra do Gandarela, com projeto de criação de um Parque Nacional pelo Institituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Venhamos e convenhamos, a mineração tem um preço, e este é a destruição de ambientes naturais importantes e, muitas vezes, únicos. Se isso se desse de forma equilibrada, seria algo discutível e admissível apesar dos sacrifícios implicados. Mas o que está em curso é algo totalmente distinto. Em estudo recente, o biólogo Flávio Fonseca do Carmo, mostra que dos campos rupestres sobre cangas do Quadrilátero Ferrífero, 40% do que existia em 1960, foi já exterminado, e outros 55% são objeto de projetos minerários, de atividades em curso ou já autorizadas. Não há outra palavra para denominar tal barbárie, que “ecocídio”, termo que remete à expressão genocídio, que denomina a tentativa de extinção de etnias, enquanto no nosso caso a eliminação de ambientes naturais ou sistemas ecológicos restritos a poucos lugares no mundo.

O fato de que autoridades e número significativo dos conselheiros de meio ambiente e de recursos hídricos julguem esse processo normal, inevitável e até benfazejo e tomem decisões para concretizá-lo é algo a merecer a censura da sociedade e a criminalização por parte da Justiça.

Costumamos empregar a expressão “perdulário” para denominar aquelas pessoas que gastam em pouco tempo a fortuna ou as economias feitas por seus pais, avós etc. Quando se percebe então o que está para acontecer com o minério de ferro de Minas Gerais, o adjetivo se encaixa na cumbuca pseudo-desenvolvimentista de muitos de nossos governantes e de segmentos da sociedade que com eles compactua. A extinção das principais jazidas de minério de ferro da região central do estado é coisa de poucas décadas – 30 ou 40 anos. A petulância das gerações atuais e dos nossos mandatários inclui a adivinhação de que tal patrimônio não terá utilidade e valor maior no futuro e pode ser transferido às reservas estratégicas dos chineses e outros povos.

No caso da Serra do Gandarela, situada entre municípios do período colonial de Minas, é inaceitável que o governo do Estado e sua Secretaria de Meio Ambiente, venham a patrocinar sua destruição. E no entanto é o que parece estar prestes a ocorrer. É sabido dos encontros do governador Antônio Augusto Anastasia e do seu preposto na secretaria de Meio Ambiente, senhor Adriano Magalhães Chaves, com a empresa Vale, que deseja colocar uma cunha na área mais preservada da região metropolitana de BH e no mais significativo complexo hídrico e de cachoeiras da região, cercada de cidades e vilarejos históricos – Barão de Cocais, Caeté, Morro Vermelho, Raposos, Rio Acima, Itabirito, Santa Bárbara e Ouro Preto.

Desde 2010, o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela tenta um espaço na agenda do senhor governador, e desde janeiro, quando foi empossado o senhor Adriano, demandamos o mesmo a ele. Seus gabinetes ignoram nossos pedidos de reunião. Entendemos que tal assunto e as decisões relacionadas ultrapassam a cadeira do Secretário, por isso pedimos palestra com o governador, que é quem manda. Justiça seja feita, também aguardamos ser recebidos pelo Presidente Rômulo Mello, do ICMBio, e pela Ministra Izabella Teixeira, e iremos demandar o mesmo ao Planalto.

Nos discursos de posse que fez, na Assembléia Legislativa e na sacada do Palácio da Liberdade, o governador Anastasia afirmou que estará “vigilante ao pleno exercício dos princípios republicanos”, que guardará “as razões de estado sob a segurança da ética e a claridade da transparência”, que buscará “a equidade, a igualdade, e a justiça como pontos de chegada desta nova caminhada”, e que, “mais que nunca”, Minas Gerais será “o Estado que ouve e dialoga”. Anastasia disse também: “não se tergiversa, quando está em jogo o interesse público, coletivo”.

Declarando-se seguidor da legalidade e dos princípios do direito administrativo, de que é professor, Anastasia promulgou lei em 12 de janeiro de 2011 flexibilizando o uso das áreas de proteção especial para mananciais de abastecimento público. Sua lei veio permitir que as mesmas sejam consideradas de “desenvolvimento sustentável”, expressão que curiosamente permite que mananciais sejam passíveis de projetos de mineração.

Mais grave, no entanto, seria, como autoridade que defende o zelo pelo patrimônio coletivo, liderar o licenciamento de tal absurdo para, a título de qualquer pretexto que seja, atender a interesses eleitoreiros dele ou de Aécio Neves em 2014. Afinal, é mais do que conhecida a ação pró-mineradora e contra-ambiental da gestão Aécio-Anastasia, nos últimos oito anos de governo. Imaginemos que tal política pudesse ser feita de boa fé até determinado ponto. Porém, considerado o conjunto da obra – corporações mineradoras arrasando o meio ambiente, impactando águas e paisagens, violando direitos humanos básicos e auferindo enormes lucros às custas do sacrifício de uma área singular do nosso território – essa hipótese não mais é admissível.

É sabido que Aécio ama o mar, e que Anastasia os livros. Isso não lhes dá direito de ferir aquilo que muitos mineiros temos como bem mais precioso, nosso lugar, nossas paisagens, nossas montanhas, nossas águas e cachoeiras, nosso caráter e espírito de justiça.

Se assim o fizerem, entenderemos que o Palácio Tiradentes, dependurado em estrutura de concreto na nova cidade administrativa sede do governo de Minas, simboliza muito acima da liberdade a forca.

 

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