Uma outra Africa é urgente

A jornalista e doutora em semiologia Maria Luiza Franco Busse fala da situação política e social do Senegal, governado nos últimos onze anos pelo presidente Abdoulay Wade. O país recebeu este ano o Fórum Social Mundial em sua capital, Dacar.

Entre a Africa do Sul e o Senegal, a organização brasileira do Forum Social Mundial acertou em firmar a posição de realizar esta décima-primeira edição em Dakar. É fundamental para os que militam por um outro mundo possível entrar em contato com a realidade em que o Senegal mergulhou nesses também onze anos de governo de Abdoulay Wade, depois do esforço poético e bem-sucedido de Leopold Sedar Senghor de promover no país ,e propagar pelo continente, o orgulho de suas culturas e a força política do sentido do Panafricanismo.

Abdoulay Wade é o terceiro presidente da República do Senegal. Está com 85 anos e isso não teria a menor importância se seu discurso conseguisse ser compreendido nos dias de hoje. O que não é o caso nem para a esquerda nem para a direita, que lutam por outro mundo. Abdouly é praticante declarado do liberalismo clássico, e não é exagero afirmar que Adam Smith reconheceria nele sua imagem e semelhança. A ala mais intelectual do tucanato brasileiro tenderia, inclusive, a achá-lo um tanto quanto radical.

“Sou um liberal, um partidário da economia de mercado”, declarou Abdoulay na mesa O lugar da África na geopolítica mundial, que tratou do tema, na qual também falou o ex-presidente Lula. Senhor de uma autenticidade raramente vista para um chefe de Estado, Abdoulay revelou à audiência que não queria tê-los em seu país por não acreditar nem ver nenhum resultado prático nas ações dos alteromundistas. Mas, já que estavam, que fossem bem-vindos e realizassem suas atividades sem violência. Afirmando sua convicção na eficácia do modo liberal de tratar os problemas, Abdoulay disse que vem discutindo com os organismos financeiros internacionais a proposta de taxar em 20% as operações transnacionais de transferência financeira. E estava confiante. A partir desse momento, teve início o abismo de compreensão entre o que dizia o presidente do Senegal e o público presente. Muitos estrangeiros pensaram ser uma questão de tradução. André Peixoto de Souza, 33 anos, professor de Ciência Política, do Paraná, foi um deles. Verificado que não, dividiram-se entre o constrangimento e o risada abafada. Como “homem que acredita na transformação pelas ideias”, o presidente do Senegal relatou ainda, com orgulho, o fato de o país ter um Código de Imprensa aprovado consensualmente entre jornalistas, sociedade e governo, “sem debate”. A seguir, elogiou o crescimento econômico do país utilizando a renda per capita como indicador: “passamos de 500 dólares, em 2000, para 1.240 dólares hoje”, disse, no melhor estilo liberal, desconsiderando a distribuição da renda como fator fundamental para  o desenvolvimento equilibrado.

A palestra do presidente Abdoulay Wade forneceu a base teórica da realidade exposta nas ruas de Dakar: indigência traduzida num infinito camelódromo a céu aberto. O Senegal tem 12 milhões de habitantes, 48% desempregados e 67% analfabetos. Agora, Abdoulay tenta a reeleição de seus ideais por meio de seu filho, Karim Wade. Os jovens senegaleses esclarecidos já dizem que o presidente está reestabelecendo o princípio ancestral de império que está na origem dos grupos étnicos. Se Karim vencer, o Partido Democrático Senegalês terá mais quatro anos de exercício da democracia liberal da ordem espontânea do livre mercado. Para o papel que o Senegal vai desempenhar no lugar da África na geopolítica mundial, isso deve significar uma intensa atividade política dos movimentos dos 123 países presentes ao FSM, que vão ter muito o que fazer para que o outro mundo possível não seja um ainda mais incrível mundo novo.

Hoje, entre os 54 países do continente africano, só Africa do Sul e Cabo Verde, que acaba de realizar eleições e garantir a vitória do Partido da Independëncia de Cabo Verde (PAICV), são democracias comprometidas com crescimento traduzido em redução da desigualdade, da fome, da pobreza e do desemprego, e articulados com a preservação ambiental.

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